quinta-feira, 14 de junho de 2018

A Coreia do Norte e os EUA, um possível Turning point em Singapura?


Com este pequeno texto pretendo olhar de um modo rápido para a história dos acordos entre os EUA e a Coreia do Norte para tentar perceber como é que o que aconteceu em Singapura trás algo de novo ao paradigma da Coreia do Norte e da projecção do Poder dos EUA no Pacífico.
O encontro de Trump com Kim-Il-Jung não é primeiro da sua espécie.
            Em 1994 Jimmy Carter encontrou-se com Kim-II-Sung, o avô do actual ditador da Coreia do Norte.
            Este encontro foi motivado pelo esfriar das relações entre os EUA e a Coreia do Norte após o acordo assinado a 30 de Janeiro de 1992 entre os dois países para a desnuclearização da Coreia do Norte. (disponível aqui: https://www.iaea.org/sites/default/files/infcirc403.pdf ).
            Apesar deste acordo ter entrado em vigor, e apesar do acordo entre a Coreia do Norte e a International Atomic Energy Agency que permitia a entrada de equipas de inspecção na Coreia do Norte, com o propósito de inspeccionarem o complexo nuclear de Yongbyon. Após a entrada dos inspectores no país, mas a negação do acesso aos reactores Norte Coreanos alegando que os inspectores estariam a espiar para os EUA, levou a que os ânimos se exaltassem.
            Para acalmar as tensões e promover o dialogo, Jimmy Carter desloca-se a Pyongyang.
            Desta visita saiu o Acordo de 21 de Outubro de 1994 (disponível aqui: http://www.nti.org/media/pdfs/aptagframe.pdf ).
            Desta feita no ponto 1º a Coreia do Norte deveria receber “light-water reactor power plants”, em substituição dos “graphite-moderated reactors and related facilities”.
            No ponto 2º ambos os lados deveriam caminhar para uma normalização dos laços económicos e políticos. Num período de 3 meses após este acordo ambos os países deveriam aliviar as restrições ao nível de trocas e investimento “including restrictions on telecommunications services and financial transaction”, e ao mesmo tempo dando um upgrade ao nível das relações entre os seus embaixadores.
            Finalmente, no ponto 3º do acordo, “Both sides will work together for peace and security on a nuclear-free Korean peninsula”. Neste ponto a Coreia do Norte voltaria a aceitar os inspectores da International Atomic Energy Agency com vista à implantação do programa dos ”light-water reactor power plants”. Mantendo-se assim a Coreia do Norte dentro do Acordo de 1992.
            O Acordo acabaria por cair por terra em depois de em 2003 os EUA acusarem a Coreia do Norte, em 2002, de ter um programa de enriquecimento de urânio, o que violaria o acordo de 1992.
            Com os descarrilar das relações entre a Coreia do Norte e os EUA, países como a China, a Rússia o Japão e a Coreia do Sul tentam negociar um common ground entre os dois actores.
            Isto levou a que em 2005 se assinasse o Joint Statement of the Fourth Round of the Six-Party Talks
a 19 de Setembro em Beijing (disponível aqui: https://www.state.gov/p/eap/regional/c15455.htm ) (estes 6 seriam a China, a Coreia do Norte, a Coreia do Sul, o Japão, a Rússia e os EUA).
Este documento previa que fossem desenvolvidos 6 pontos, mas para o caso interessa realçar que “The Six Parties unanimously reaffirmed that the goal of the Six-Party Talks is the verifiable denuclearization of the Korean Peninsula in a peaceful manner.
The D.P.R.K. committed to abandoning all nuclear weapons and existing nuclear programs and returning, at an early date, to the Treaty on the Nonproliferation of Nuclear Weapons and to IAEA safeguards
.”.
Seguindo-se este statement, a 13 de Fevereiro de 2007 foi publicado o Initial Actions for the Implementation of the Joint Statement (disponível aqui: https://2001-2009.state.gov/r/pa/prs/ps/2007/february/80479.htm ). Deste acordo sairiam 5 equipas que deveriam tratar os seguintes temas “1. Denuclearization of the Korean Peninsula; 2. Normalization of DPRK-US relations; 3. Normalization of DPRK-Japan relations; 4. Economy and Energy Cooperation; 5.Northeast Asia Peace and Security Mechanism.”.
Também se deve realçar o 4º ponto que afirma que “During the period of the Initial Actions phase and the next phase - which includes provision by the DPRK of a complete declaration of all nuclear programs and disablement of all existing nuclear facilities, including graphite-moderated reactors and reprocessing plant - economic, energy and humanitarian assistance up to the equivalent of 1 million tons of heavy fuel oil (HFO), including the initial shipment equivalent to 50,000 tons of HFO, will be provided to the DPRK.”.
Lendo isto até aprece que tudo poderia ter um final feliz, no entanto este Statment acontece um ano e meio depois do primeiro teste nuclear Norte Coreano.
Como sabemos, as capacidades nucleares da Coreia do Norte só viriam crescimento. Recuperando-se um estado de relações precoces e instáveis.
Só a 29 de Fevereiro de 2009 em Beijing é que viria a ser declarado um Moratorium (um período de pausa ou atraso) “on long-range missile launches, nuclear tests and nuclear activities at Yongbyon, including uranium enrichment activities“ (disponível aqui: https://2009-2017.state.gov/r/pa/prs/ps/2012/02/184869.htm ).
De realçar que os EUA afirmam que querem manter o Joint Statement de 2009, e nada de novo trás este novo contacto.
Em 2013, mais especificamente a 31 de Março, Kim-Jong-Un afirma que: “The DPRK's nuclear armed forces represent the nation's life which can never be abandoned as long as the imperialists and nuclear threats exist on earth. They are a treasure of a reunified country which can never be traded with billions of dollars.” (disponível aqui: https://kcnawatch.co/newstream/1451895560-172035864/report-on-plenary-meeting-of-wpk-central-committee/ ).
Isto depois do 3º teste Norte Coreano de um dispositivo nuclear em Fevereiro desse ano.
A resposta do então Presidente Obama foi a de impor pelo conselho de Segurança da ONU, uma nova lista de sanções à Coreia do Norte. Uma resposta mais que moída e remoída por parte do Ocidente e dos EUA em relação à Coreia do Norte.
Desde então, com a eleição de Donald Trump como Presidente dos EUA o líder da Coreia do Norte mudou o seu discurso.
Talvez como reacção a um perfil mais agressivo e realista por parte do líder americano, a 20 de Abril deste ano, no 3º plenário do 7º Comité central do Partido dos Trabalhadores da Coreia Kim-Jong-Un (disponível aqui: https://kcnawatch.co/newstream/1524400229-922732211/3rd-plenary-meeting-of-7th-c-c-wpk-held-in-presence-of-kim-jong-un/) afirmou que  “the historic tasks under the strategic line of simultaneously developing the two fronts set forth at the March 2013 Plenary Meeting of the Central Committee of the Party were successfully carried out.”, ou seja, que o programa nuclear Norte Coreano teria atingido os seus objetivos de assegurar a paz para a Coreia do Norte, assim, desta feita, a Coreia do Norte iria “accelerate the advance of our revolution by concentrating all our efforts on socialist economic construction”, realçando que, a longo termo, o objetivo da Coreia do Norte seria o de crescer economicamente e industrialmente.
He [Kim-Jong-Un] urged the economic guidance organs including the Cabinet to occupy their position as the master responsible for the economic affairs, meticulously organize the operation and command for making rapid economic progress. He also urged all the fields and units to be unconditionally subordinate to the unified command of the Cabinet for implementing the economic policy of the party”.
Estes avanços seriam possíveis virando o foco do especto nuclear para o especto da educação e da ciência.
Só o futuro dirá se realmente haverá esta mudança, no entanto, o recente encontro entre o Presidente dos EUA e o líder da Coreia do Norte resultou, mais uma vez, na promessa de desnuclearização da Coreia do Norte.
Apesar desta promessa já ter muito anos (como demonstrado acima), o discurso interno de Kim-Jong-Un para o seu comité central é algo de novo.
Talvez em preparação para o seu encontro com Donald Trump, ou mesmo representando uma vontade real de mudar o vector do Estado Norte Coreano, Kim-Jong-Un deu um passo novo com este discurso interno, mostrando que, se mais nada daqui sair que, já ao nível interno, a Coreia do Norte sentiu a pressão exercida por Donald Trump, uma pressão que nunca teria sido aplicada até agora.
No entanto o entusiasmo que isto possa causar tem de ser resfriado com um olhar mais afastado para a linha cronológica.
Como foi dito, os acordos ou statments eram sempre levados a cabo depois de testes militares Norte Coreanos, ou seja, a Coreia do Norte tem um historial de criar crises para de seguida se aproveitar da sistemática acção dos EUA e do Ocidente para chegar a novos acordos, levando sempre a sua avante e continuando com o seu programa nuclear até ao seu ponto actual.
É claro no documento que desde o início dos anos 90 a preocupação é a desnuclearização da Coreia do Norte, mas esta nunca aconteceu, portanto pouco faz acreditar que agora aconteça.
Mas tem de ser notada a façanha mais realista de Donald Trump que, sem duvida, pressionou quer para o acordo de paz entre as duas Coreias quer para o recente encontro e o recente discurso interno de Kim-Jong-Un de redireccionar a Coreia do Norte para outro caminho.
A mudança de carácter e de possível resposta por parte dos EUA face à Coreia do Norte e o discurso de Kim-Kong-Un parecem ser os dois factores novos da equação.
Até agora, para fins internos, o programa nuclear era o principal objectivo da Coreia do Norte, e só por aí poderiam colocar-se numa posição de força contra o Ocidente, agora até o discurso interno é outro.
Isto poderá ser um indicador que as Teorias Realistas das Relações Internacionais não são tão desadequadas quanto se viria até agora a pensar. Uma capacidade americana de responder agressão com uma maior agressão parece ter feito a Coreia do Norte recuar.
Em Singapura deixa de existir um esforço conjunto (dos EUA e da Coreia do Norte) para passara a existir um compromisso da Coreia do Norte para essa desnuclearização da Coreia do Norte: “Reaffirming the April 27, 2018 Panmunjom Declaration, the DPRK commits to work toward complete denuclearization of the Korean Peninsula.” (disponível aqui:https://www.whitehouse.gov/briefings-statements/joint-statement-president-donald-j-trump-united-states-america-chairman-kim-jong-un-democratic-peoples-republic-korea-singapore-summit/ ).
Por ultimo, e para não prolongar demasiado este texto, tem que ser entendida a posição da China neste contexto.
A China sempre foi o principal parceiro da Coreia do Norte, no entanto, em tempos recentes, as próprias políticas e aspirações chinesas tem sido alvo de Donald Trump.
As aspirações marítimas chinesas vêem-se a defrontar a posição americana no Indico e no Pacifico. Um continuar das hostilidades crescentes entre a Coreia do Norte a os EUA só daria mais desculpas para o reposicionamento de mais meios navais, aéreos e terrestres americanos no teatro do Pacífico, o que seria uma ameaça para a expansão marítima chinesa.
Um acalmar das tensões entre a Coreia do Norte e os EUA poderá ser o que a China precisa para respirar com mais calma. Mesmo com o cenário de repetição de eventos passados e de uma nova vaga de tensões, a China ganha breves momentos para respirar, podendo ela lidar com situações no Mar do Sul da China estando a atenção da Comunidade Internacional virada para as relações da Coreia do Norte com os EUA.
Mas no caso de Singapura ser realmente um Turning Point, o que acontecerá à posição americana no Pacifico?
A área de expansão por excelência dos EUA sempre foi o Pacifico. No caso de realmente se estar a escrever uma página nova, prevejo o surgimento de pequenos embates entre os aliados e parceiros americanos (como Índia, Japão, Coreia do Sul e Indonésia) e as aspirações da China no Mar do Sul da China e no Indico que permitam aos EUA continuar a projectar Poder para o Pacífico com a desculpa de estar a auxiliar os seus aliados e parceiros contra uma agressão da China.
Tal como o recuo da URSS depois de 1991 levou a que pequenos conflitos assumissem papel central na intervenção dos EUA no Médio Oriente até à actualidade, e o mesmo se passará no Pacífico no caso da retracção do “Grande” perigo da Coreia do Norte no Pacífico.
Se por outro lado a história se voltar a repetir penso que estes dois modelos se iram desenvolver em conjunto, por um lado a desculpa do perigo Norte Coreano e por outro e diversos e pequenos (grandes) choque entre a China e os diversos actores no Mar do Sul da da China continuaram a ser desculpa para a projecção de Poder americano na área.