sábado, 23 de dezembro de 2017

O homem do ano; Xi Jinping.

O ano de 2017 será considerado por muitos como o “Ano Trump”por toda a agitação - boa ou má não me cabe aqui avaliar - causada a nível Mundial. Também poderia ser o de Putin pela vitória na Síria e contributo para a erradicação do Daesh. Para mim o ano fica marcado pela minha viagem à China. Foram duas semanas onde pode ver e aprender muitas coisas novas e acima de tudo tomar consciência do efectivo poder do “Império” comandado por um dos mais interessantes lideres Mundiais; Xi Jimping.

Xi Jinping chegou ao topo da hierarquia chinesa no dia 15 de Novembro de 2012, tornando-se secretário geral do PC Chinês. Rapidamente centralizou em si uma enorme quantidade de poder, esmagando adversários políticos ou utilizando-os habilmente nas suas estratégias. Ele é, depois de Mao, o mais absoluto e unânime líder chinês, mais ainda que Deng Xiaoping, o arquitecto do "socialismo à chinesa" dos anos 80.

Uma vez eleito secretário do partido e presidente da república popular chinesa, ele assumiu directamente uma das ferramentas mais importantes de controle na China: o exército. Xi Jinping adoptou medidas que o colocaram no topo da comissão militar central, deixando aos generais apenas o poder de seguir as suas ordens. Esta estratégia é inserida no contexto da reorganização e simplificação do exército, tornando mais imediata a cadeia de comando (os níveis eram cinco, agora são três). Esta é uma das diferenças mais importantes com o anterior secretário, Hu Jintao, que confiava nas decisões provenientes da colegialidade e do debate interno, como uma maneira necessária para obter boas decisões.

No que diz respeito à política, a campanha anti-corrupção tornou-se muito popular mas constituiu mais um pretexto para derrubar opositores políticos, corrompidos ou não, do que uma vontade indómita de acabar com esses processos.

Uma vez entendido o carácter político e a ambição de Xi, torna-se mas simples perceber o seu relacionamento com os EUA. Mas é necessária uma premissa; Quando os EUA fazem documentos e relatórios para a estratégia a seguir em política externa, o prazo é até  2025; para a China é entre 2050 e 2100. Esta é a vantagem daqueles que não têm eleições com que se preocupar nem democracias para alimentar.

Desde o tempo de Mao, que a estratégia geopolítica chinesa se baseou em manter um “low profile” e uma definição prudente na busca dos seus interesses. É fácil ver porque; é melhor não parecer ser uma ameaça potencial para a liderança mundial do EUA, no momento em que ainda não se sente suficientemente forte. A China nunca quis dar a impressão de estava disposta a intervir no exterior. Permaneceu inflexível com os seus interesses nacionais essenciais e respondeu às provocações externas com moderação.

Com Xi a China ficou politicamente diferente na sua relação com o Mundo. Privilegiou a dissuasão militar e ampliou seu "smart power"; operando no hard power aumentando as despesas militares e lançando a sua primeira base militar no exterior, no Djibuti, e trabalhando o softpower, com o aumento do seu contributo para os capacetes azuis das ONU. Mas, em particular, a China aponta com XI para a Economia mundial, de forma a reforçar um neo-imperialismo que será o seu foco na elaborada rede comercial entre a Eurásia e a África.

O último capítulo deste processo de “coroação de Xi foi o Congresso do Partido Comunista da China que teve lugar de 18 a 24 de Outubro do corrente ano. Foi a consagração do "Pensamento Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas para uma nova era", que foi inserido na Constituição em consonância com o "pensamento de Mao Tsé-Tung " e a "Teoria de Deng Xiaoping", ficando as ideias de Xi acima da "perspectiva de desenvolvimento científico" de Hu Jintao e do "pensamento de Jiang Zemin sobre as Três representações".


O colossal projeto chinês lembra a antiga estrada de seda através do Sudeste Asiático para alcançar a Europa. A impressão que temos é que a China quer tornar relações económicas muito difíceis em normais. Esta é a marca e a suprema ambição da Presidência de Xi.

A Iniciativa "Belt and Road" é uma cooperação, que promove o desenvolvimento e a prosperidade, trabalhando para construir uma comunidade de interesses, destinos e responsabilidades comuns, fortalecendo a confiança política, o intercâmbio cultural e integração económica.

O "Belt" significa o cinto económico desta estrada de seda e será desenvolvido em rotas ferroviárias, da China para a Europa Ocidental. Podemos definir três linhas geográficas centrais: o cinto norte atravessando a Ásia Central, a Rússia e terminando na Europa; o cinto central atravessando a Ásia central, o ocidente da Ásia, bifurcando-se em direcção ao mar Mediterrâneo e ao golfo pérsico e o cinto do sul visando o sul da Ásia, o oceano Índico e atravessando vários países como Índia, Bangladesh e Myanmar. A primeira diferença importante entre a nova estrada de seda e a lendária estrada de seda é que esta visava a Europa, e o Sudeste Asiático era apenas uma rota de trânsito. Hoje, o cinto chinês oferece planos iguais para os parceiros europeus e os asiáticos.

Esta rota comercial colossal também joga com as rotas de transporte de mercadorias. "One road", de facto significa a rota da seda do século 21. Será concentrada nos países que fazem fronteira com o Mar do Sul da China, o Oceano Pacífico do Sul e o Oceano Índico. No entanto uma das rotas de transporte passará também através da Península Árabe, abrangendo todo o Mediterrâneo.

No total, o plano envolve 55% do PIB mundial, 70% da população mundial e 75% das reservas de energia conhecidas. Obviamente, será um projecto muito longo, que durará décadas. A conclusão será em 2049, uma excelente maneira de celebrar o centenário da República Popular da China.

Por causa da dimensão do projecto, também os fundos terão de ser enormes. É aqui que entra o AIIB (Asian Infrastructure Investment Bank) em jogo, sendo este a resposta chinesa ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, ambas sujeitas a escolhas estratégicas dos EUA. Graças às necessidades de infra-estruturas e à natureza particular da AIIB, visando principalmente o financiamento de projectos de com estas características, os dois projectos são lados da mesma moeda: com funções complementares e objectivos sobrepostos; impor a influência chinesa sobre o government global é o objectivo principal destas estruturas económicas.

E os EUA? Depois da estratégia de contenção de Obama baseada na TPP, que Donald Trump abandonou, todo aguardamos a apresentação de uma estratégia internacional deste que, até agora, tem tido acções no mínimo imprevisíveis para não dizer avulsas, como as inconsequentes acções de bilateralidade que pouco ou nada trouxeram a não ser alarido mediático. Os países europeus ignoraram os pedidos de Obama para que não tenham acesso à AIIB e a Itália, a Alemanha, a França, os Reino Unido foram mesmo países fundadores desta estrutura financeira. 

Vamos assim assistindo ao declínio da Pax americana, algo que Trump não está a conseguir reverter. Vemos, por outro lado, a China não ser nem querer a liderança global pois seria incapaz de lidar com isso neste momento. Se o fará num futuro próximo ninguém sabe. O direito de reivindicar e assumir a sua influência na comunidade internacional e de estabelecer a sua própria rede económica, essa aposta está definitiva ganha.  

A ler também no blog - Da China I e da China II




domingo, 17 de dezembro de 2017

A evolução da Doutrina militar americana e o seu impacto sobre a política externa americana. Parte I: Da Segunda Guerra Mundial ao Vietnam.

           Nesta exposição (feita em duas partes, do qual esta é a primeira) pretendo demonstrar como a maquina militar americana é o principal apoio da política externa americana, e de como esta política impõe indirectamente a direcção da evolução doutrinal e material da maquina de guerra americana.
            A Segunda Guerra Mundial define os EUA como uma potência mundial e, daí para a frente, como definidor de padrões de acção.
            No final da Segunda Guerra Mundial os EUA mostram-se capazes de passar de um Estado não intervencionista (que parecia por momentos voltar à política de Monroe de 1823 de não intervir fora dos espaço de influencia directa dos EUA), para uma potência com uma projecção global e com algo a dizer na direcção dos destinos do mundo fora do eixo soviético.
            Outra capacidade que revela é a da rápida adaptação a uma forma de fazer a guerra que rompe com os conceitos anteriormente tidos como inabaláveis. Após a Primeira Guerra Mundial e desde cedo que existem, principalmente em Inglaterra, apologistas de uma Doutrina militar focada em grupos de tanques e numa guerra relâmpago, que erroneamente é atribuída como brainchild da Wermacht. Estes teóricos são postos de parte.
            As tácticas e manobras da guerra mecanizada é abraçada na sua totalidade pelos alemães, levando que às rápidas vitórias sobre a Polónia e a França nos primeiros anos da guerra. Diga-se ainda que a França possuía mais, e melhores carros de combate que os alemães, no entanto, a franca (ou quase inexistente) doutrina aplicada para o seu uso levou a uma rápida e esmagadora derrota militar (o então Coronel Charles De Goulle foi o único que ainda conseguiu contra atacar eficazmente as forças Panzer alemãs, mas sozinha de nada podia).
            Os EUA aprenderam rapidamente que, sem abraçarem este noto tipo de guerra fluída seriam com quase toda a certeza aniquilados em combate.
            Para responder a isto os EUA decidem aprender a bem o que os seus aliados aprenderam a mal, abraçando a guerra de blindados, de manobra, comunicação e conjugação de meios e vectores. Aliando a isto um enorme esforço na Home Front que leva a que os EUA consigam produzir o suficiente para se sobrepor em número ao seu inimigo.
            Desta mudança sai a potência que até hoje mais influência possui no globo, mas a sua influência actual sofreu mudanças estas definidas pelas suas falhas e conquistas militares, físicas e mentais.
            Como já referido os EUA conseguiram aprender e adaptar-se ao tipo de conflito da Segunda Guerra Mundial, o problema agora seria que, a URSS e sua inimiga (num futuro muito próximo) também teria aprendido com os seus erros e teria levado a cabo uma mudança similar à dos EUA, o problema reside no facto de que a URSS conseguir ter um out put em termos de material e homens muito maior que o dos EUA.
            A Doutrina militar dos EUA definia que, em caso de conflito com a URSS (diga-se um conflito convencional), as capacidades das forças aliadas aos EUA e que mais tarde formariam a NATO, não seriam suficientes para impedir um rápido varrimento da Alemanha Oeste e de França, sendo apenas possível parar o avanço soviético no pireneus no Norte de Espanha devido às condições geográfica que impediriam as forças blindadas da URSS de progredir.
            A partir deste ponto a Península Ibérica serviria de Staging Area para um contra ataque serviria para empurrar as forças Soviéticas o mais para trás possível, e se necessário ameaçar (ou mesmo usar) armamento nuclear (com base em bombardeiros de longo alcance para chegar ao território da URSS) para submeter a URSS. Pelo menos era esta a ideia para contra balançar a incapacidade das forças NATO e dos EUA de contra por a capacidade de produção de forças blindadas da URSS.
            A ideia base da Doutrina militar americana (que por usa vez guiava a sua política externa [sendo que as guide lines da Estratégia definem que é a política que define a acção do ramo militar]) era a de intervencionismo imediato e directo sobre os conflitos, e isso levou a uma intervenção rápida, forte e preponderante dos EUA na Coreia nos anos 50, essa mesma ideia levaria a que no início dos anos 60 os EUA entrassem no Vietnam, já depois de terem enviado inúmeros advisors (civis e militares), para além de enormes quantias de dinheiro.
            É no Teatro de Operações do Vietnam que tudo se altera.
            A intervenção de uma força americana que chegou a passar o meio milhão de homens no terreno, e que possuía um emprego massivo de poder de fogo marítimo, terrestre e aéreo.
            Para além de enormes forças e dinheiro, os EUA levam consigo a sua doutrina militar. A ideia de que uma guerra é ganha com a captura de território e com a destruição das linhas de abastecimento e comunicação inimigas, exaurindo a sua capacidade de combate.
            No Vietnam, como todos sabemos, o inimigo combate de uma forma completamente diferente, para além de que, a força política desde o inicio impõe barreiras políticas às forças americanas, por exemplo a impossibilidade de avançar para o Vietnam do Norte (com forças terrestres) e de passar para o Camboja, mesmo em perseguição das forças inimigas, se bem que esta ultima será, no final do conflito ignorada (por permissão política) por um curto período de tempo.
            Estas deficiências levam a que as forças dos EUA não consigam lidar efectivamente com as forças do Vietnam do Norte e com os Vietcong.
            No entanto a Doutrina militar americana acaba por mudar, deixa-se de basear as forças em quadriculas que possuem forças de tamanho de Divisão ou similares, actuando em massa sobre uma posição inimiga, procurando a batalha decisiva, mudando a Doutrina para uma de actuação ao nível de Batalhões que actuam com base em informações do terreno e que saem para caçar o inimigo, sendo auxiliados pelos famosos helicópteros UH-1 Iroquois que serviriam para transportar homens, munições, medicamentos, comida e Água de e para o campo de combate.
            Aliado a isto os EUA perceberam que precisariam de uma forte e eficaz rede de informações que lhes permitisse com alguma certeza identificar o inimigo e a sua posição para que pudessem sem aerotransportadas forças terrestres para combater as forças inimigas.
            O modelo da Segunda Guerra Mundial e da Coreia morre no Vietnam, em vez de milhas ganhas, a vitória mede-se em corpos do inimigo, os EUA percebem que as guerras de guerrilha necessitam de uma elasticidade muito maior e de uma capacidade tecnológica muito maior, algo que os Portugueses em África também perceberem, chegando os EUA a levar para as suas escolas de guerra os livros de combate em guerra subversiva para serem estudados pelos oficiais americanos que estão ou irão actuar no Vietnam.
            É no Vietnam que se iniciam lógicas como OODA (Observe, Orient, Decide and Act) que seria a ideia de que sobre qualquer acção inimigo dever-se-ia observar a acção inimiga e perceber o porquê, orientar uma lógica de contrariar a vontade indicar, decidir o curso de acção e agir em conformidade, repetindo-se este loop para qualquer acção inimiga, tendo em mente que cada acção era única e que portanto mereceria uma observação, orientação e decisão adequadas, e também a ideia do ALB (Air, Land, Battle), esta ultima só no inicio dos anos 80 é que viria a ser oficialmente lançada.
            A nova ideia que surge da Guerra do Vietnam. Esta guerra, denominada guerra de insurreição obriga a uma mudança de Doutrina militar americana obrigando também a uma evolução teológica.
            Apesar disto, e apesar de terem quer ser dados os devidos louros aos cérebros militares, é no entanto, na sociedade civil que está a génese do que viria a ser, o que se poderá chamar a título comparativo, de uma política Monroe do Séc. XX.
            A Guerra do Vietnam e o início da participação activa dos EUA no conflito (quer dizer-se com isto uma participação que vai para além da mera presença de observadores e instrutores americanos no meio das fileiras do Vietnam do Sul) tem, inicialmente, uma boa aprovação do povo americano, em muito devido à propaganda e clima social anti comunista dos EUA que se vinha a gerar desde 1945.
            Apesar dos povo americano não saber onde fica o Vietnam e de não querer saber, o medo do monstro comunista é o suficiente para que os ratings mostrem a aprovação de uma intervenção militar directa dos EUA, acreditando que, a única coisa necessária para salvar o Vietnam do Sul será a superioridade brutesca dos EUA.
            Ao contrário do povo português, o povo americano, ao longo da guerra, obteve imagens de repórteres que de parte estatal quer de parte privada, mostrando todos os aspectos da guerra.
            O governo americano viria a ser alvo de enormes críticas do seu povo devido às imagens que chegavam dos Teatros de Operações. Esta era a primeira vez que o povo americano tinha acesso, em larga escala, às imagens da guerra, estas que iniciam uma mudança na opinião pública.
            A situação americana começa a deteriorar quando a guerra insurreccional que os EUA estão a combater não é ‘despachada’ com a rapidez que se pensava, a guerra arrasta-se e a sua aceitação começa a cair.
            As imagens dos mortos, e os números de baixas sem sinal de vitória à vista (especialmente depois da ofensiva de Tet) desmoralizam o povo americano, aliando isto à conscrição obrigatória, a guerra do Vietnam cai na aprovação americana.
            O final da guerra vê uma derrota dos EUA (tendo em conta o seu objectivo de impedir o Vietnam do Norte de tomar o Sul), mas não vê uma derrota militar da máquina americana, levando a que esta sofra com a derrota política.
            O Congresso americano impede fortemente uma acção americana depois do cenário do Vietnam. Os homens e mulheres do congresso dependem de eleições para aguentarem as suas posições, e num país em que a maioria da opinião pública está contra a guerra, a oposição a uma nova intervenção militar americana será um discurso bem recebido pelos eleitores americanos.

            Apesar disto os EUA continuam a ser os líderes de uma das facções de um mundo bipolar. Esta posição tem de ser guarnecida.
         O afastamento de uma doutrina que promove uma acção directa será tratada num post posterior.