domingo, 21 de janeiro de 2018

Trump, passou um ano e estranhamente o Mundo não acabou !

20 de janeiro de 2018 marca o primeiro aniversário da governação do presidente americano, Donald Trump, na Casa Branca. O início de seu mandato presidencial anunciava uma ruptura em relação ao governo de Obama, sobretudo no campo da política externa e das escolhas relativas à segurança do país.

No período de campanha Trump apresentou uma retórica anti-intervencionista, criticando o governo anterior essencialmente pelos gastos nas missões no exterior.

Uma vez instalado na Casa Branca, Trump não tem sido consistente com a intenções anunciadas. Num ano de mandato, a presença dos EUA em todo o mundo aumentou, o budget militar aumentou dando o President Of The United States (POTUS) indicações de estar disposto a recorrer ao uso da força militar para lidar com situações entendidas como ameaçadoras para os EUA. Como explicar esta incoerência ? 

O não-intervencionismo intervencionista
Entre Janeiro e Novembro de 2017, os EUA realizaram 30 ataques aéreos na Somália contra militantes al-Shabaab, dos quais 14 apenas em agosto, marcando um forte crescimento em relação às operações realizadas nos anos anteriores. Entre 3 e 4 de novembro de 2017, foram realizadas as primeiras operações aéreas americanas contra o Estado islâmico no país africano.

O número de bombardeamentos também aumentou no Iêmen, onde os EUA realizaram a primeira operação aérea contra ISIS em 17 de outubro, em Al Bayda, onde foram atingidos campos de treino terrorista. Atualmente, os EUA são a única força que ataca com drones no Iêmen. 

No final de Novembro de 2017, foi decretada na Síria e no Iraque a derrota militar do Estado islâmico. No entanto, na Síria, os  Estados Unidos decidiram permanecer, a fim de evitar o renascimento da organização e facilitar a obtenção de uma solução política. isto apesar de Putin, o grande obreiro da vitória, ter declarado que grande parte das suas tropas abandonariam o território. 

Em 21 de Agosto de 2017, Trump inaugurou uma nova estratégia para o Afeganistão, aumentando as tropas dos EUA de 11.000 para 15.000 no país asiático, onde se espera que permaneçam por mais anos de forma a estabilizar o governo de Cabul e eliminar a ameaça de grupos armados locais e do Daesh. De acordo com este objetivo, Trump atacou o Paquistão , acusando-o de ser um porto seguro de terrorismo. Após meses de conversações interrompidas, a situação piorou ainda mais com o início de 2018, quando o presidente dos EUA decidiu suspender a ajuda militar em Islamabad, para convencê-lo a aumentar os esforços na luta contra grupos terroristas.

Em 13 de Outubro de 2017, foi uma data particularmente importante que caracterizou as relações com o Irão, o principal inimigo de Washington no Médio Oriente, quando Trump anunciou a  descertificação do pacto nuclear , assinado em 14 de julho de 2015. O movimento não levou ao fim do pacto, mas estabeleceu as bases para uma revisão dos termos do acordo. 

Outra data importante na política externa de Trump foi 6 de dezembro de 2017, quando o líder da Casa Branca anunciou que iria reconhecer Jerusalém como a capital de Israel e que pretendia mudar a embaixada americana de Tel Aviv para a Cidade Santa. Este movimento despertou a oposição da comunidade internacional, aumentando também as tensões entre palestinos e israelenses, de tal forma que o Hamas incentivou uma nova Intifada. O reconhecimento de Jerusalém como a capital de Israel é um assunto delicado, uma vez que a cidade é um local religioso fundamental tanto para os muçulmanos como para os judeus, como resultado, tanto os palestinos como Israel aspiram a proclamar a cidade capital do seu estado. A comunidade internacional acredita que esta questão deve ser decidida somente em ambiente de conversações de paz entre Israel e a Palestina. 

Em relação à Ásia, o primeiro ano da presidência de Trump foi caracterizado pela inusitada tensão com a Coréia do Norte, em grande parte criada ostensivamente por Trump. Em particular, nos meses de verão de 2017, as tensões aumentaram gradualmente devido à escalada de demonstrações de forças entre Pyongyang, por um lado, e Washington e Seul, por outro. Entre os momentos de maior tensão, lembramo-nos de 29 de novembro de 2017, quando a Coréia do Norte anunciou que se tornou uma  potência nuclear, graças ao teste de mísseis Hwasong-15, capaz de alcançar qualquer parte do território dos Estados Unidos. Com esse lançamento, Kim Jong-un alcançou o objetivo de transformar a Coréia do Norte numa potência nuclear capaz de se defender dos Estados Unidos. Por outro lado, ao longo de 2017, os EUA continuaram a realizar uma série de exercícios militares conjuntos com a Coréia do Sul, e às vezes com o Japão, o que irritou o líder norte-coreano, que se sentiu particularmente ameaçado. Embora Trump tenha afirmado repetidamente que não estava disposto a falar com o líder norte-coreano, no dia 11 de janeiro, durante um telefonema com o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, o presidente americano disse que estava disposto a conversar com a Coréia do Norte . Essas declarações marcaram uma mudança de atitude em relação a Pyongyang, um estranho volte face. Durante o verão, Trump prometeu destruir a Coreia do Norte, se ela continuasse a representar uma ameaça para os EUA e, recentemente, declarou que estava pronto para pressionar o botão nuclear, muito maior que o norte-coreano (“much bigger and more powerful). Trump repetidamente instou a China, o principal parceiro comercial de Pyongyang, a exercer mais pressão sobre estes e a suspender o desenvolvimento do programa nuclear e de mísseis. Nas últimas semanas, o presidente americano elogiou Pequim por diminuir drasticamente as exportações de petróleo e carvão para a Coréia do Norte, atingindo os níveis mais baixos desde 2014 e atacou a Rússia de Putin que segundo ele compensou negativamente o trabalho Chinês.

Quanto às relações com a Rússia, o primeiro ano da presidência de Trump foi de romance à distância com um momento bonito na conferencia do G20 em Hamburgo e com alguns arrufos, ao qual não foi imune toda a polémica de interferência da Rússia nas eleições americanas fato de que o líder da Casa Branca sempre negou. Apesar de extensas investigações federais nada se provou. O arrufo maior – que muitos como eu pensaram que fosse critico – foi a intervenção norte-americana na Síria, o ataque a uma base aérea na província de Homs. O momento mais recente foi de afecto, com Putin a parabenizar o sucesso da presidência de Donald Trump neste primeiro ano.

A Doutrina Trump
Não me vou dedicar a analisar o que não diga respeito à politica externa dos USA, pois não me sinto habilitado para o fazer e é sobre esse tema - relações internacionais e politica externa - que, na sua globalidade, este blog diz respeito mas, gostaria de recordar, que Trump no seu primeiro discurso prometeu a todos os americanos que a sua administração seria guiada por uma convicção: estava ali para servir os cidadãos americanos e todas as decisões sobre comércio, impostos, imigração, entre outros assuntos seriam para beneficiar os americanos e as suas famílias. O seu primeiro ano no cargo foi a história de promessas mantidas; Uma economia a crescer, desemprego a descer, impostos a descer, a saída do Trans-Pacific Partnership promovendo a negociações bilaterais, combate a emigração ilegal, o desmontar de um sorvedouro chamado Obamacare. Pode o mainstream media fazer a campanha que quiser, os EUA estão muito melhor com Trump do que com Hillary ou Sanders. Talvez estejamos mal-habituados, mas manter promessas eleitorais devia de ser a pratica habitual de qualquer politico. De alguma forma votamos neles em função da avaliação que fazemos daquilo que eles se propõem fazer com os meios que estão à sua disposição.

Então o que se passa com a politica externa do POTUS ? Porquê a incoerência?

De facto Trump, não se afastou de qualquer teatro de operações em que o exército dos EUA se tenha comprometido ou envolvido nos últimos 20 anos. Continuando Obama, George W. Bush e Clinton, os Estados Unidos com Trump continuam a apoiar a defesa de 60 países do mundo com acordos formais e acordos tácitos em todo o Oriente Médio e Ásia. Estão implantados em todo o mundo, com cerca de 250 mil soldados 800 bases e instalações em cerca de 70 países. O corolário de tudo isto é o aumento significativo no orçamento militar dos US para o ano de 2018!

Vejamos o caso da NATO. Trump foi extraordinariamente critico com a contribuição dos EUA para a organização do Atlântico Norte. Disse ele “23 dos 28 países membros não estão a pagar o que deveriam estar a pagar pela sua defesa". Disse e repetiu durante a campanha que as coisas tinham que mudar pois viviam a sua defesa à custa dos EUA. James Mattis, o Secretário de Defesa dos EUA, disse aos líderes europeus numa reunião da NATO em Fevereiro de 2017 que os US "mudariam o seu compromisso”, a menos que os Estados membros colocassem mais dinheiro na organização. Segundo Mattis “O contribuinte americano não pode mais ter uma parte desproporcional da defesa dos valores ocidentais. Os americanos não podem importar-se mais com a segurança de vossos filhos do que vocês. Desconsiderar a prontidão militar demonstra falta de respeito por nós mesmos, pela aliança e pelas liberdades que herdamos, que agora estão claramente ameaçadas". No entanto Trump aplaudiu e validou a entrada do Montenegro na NATO o que a primeira vista, não se percebe. Qual será o argumento para apoiar este pobre país com cerca de 600 000 pessoas, com menos de 2.000 soldados e sete helis e que se encontra há muito na esfera de influência da Rússia, quer histórica, quer socio-económica que geograficamente ? Só encontro um justificação; provocar a Rússia e Putin.

Tem Trump uma Doutrina, como Roosevelt, Nixon ou Carter ? Uma grande estratégia para o papel dos EUA no Mundo ? Não me parece.  Trump tem uma colecção de princípios - alguns operacionais, alguns filosóficos - que orientam a sua politica externa. Esses princípios são norteados por três eixos fundamentais: 1)  ter ganhos tácticos de curto prazo, em vez de estratégias de longo prazo; 2) uma visão de mundo de "soma zero", onde todos os ganhos são relativos e não há reciprocidade 3) uma visão transaccional da política externa que é desprovida de grandes considerações morais ou éticas. Isto é, uma visão típica de um business man !

Assim se explica a ênfase puramente táctica de muitas acções e a dificuldade de lhe darmos um elevado valor de coerência estratégica ou de visão alargada. Não o vemos porque de facto não existe! Como já disse, esta ênfase na táctica em detrimento da estratégia decorre da visão transaccional de Trump. A sua presidência tem sido a transposição da sua mentalidade de fazer negócios imobiliários  para a condução da política externa dos EUA. Ele prefere  ter relações externas assentes em 193 acordos bilaterais elaborados e negociados individualmente com todas as outras nações do mundo do que negociações em grupo. Para Trump todas as negociações diplomáticas, todas as acções militares, são jogos de soma zero sem conteúdo moral. Como os negócios imobiliários onde tanto sucesso alcançou.

O livre comércio mundial, a preocupação com as mudanças climáticas, a defesa da democracia e dos direitos humanos, tudo isso é relevante se os EUA beneficiarem de alguma forma e em concreto com o dinheiro que for gasto nesses assuntos. De outra forma não fazem sentido estar na agenda.

Trump não tem nenhuma "visão" de política externa coesa. Limita-se a reagir a situações por impulsos ditados pelo “gut feeling” que lhe está no ADN comercial. É capaz de se dizer e desdizer, como tantas vezes já o fez e como acima demonstrei, projectando dureza e ameaçando num dia o Irão, a Coreia do Norte ou a NATO, mas sendo apoiante da entrada do Montenegro nesta última, estando disponível para falar com o líder da Coreia do Norte ou continuando a colocar mais e mais tropas no Afeganistão. Tão depressa apoia a Rússia como ataca Putin relativamente à Ucrânia, tanto é assertivo com a politica comercial de Xi como o saúda por conseguir pressionar a Coreia do Norte, O que interessa é o resultado final. Como se chega ao objectivo é indiferente. Desde que o Daesh seja eliminado na Síria e Iraque como prometeu aos americanos ou que a Coreia do Norte seja menos assertiva, como ele o afirmou.

Qual é o maior problema? A falta de confiabilidade. De facto, muitas acções de Donald Trump criaram dúvidas quanto à confiabilidade dos EUA como nação disponível para continuar a ser um parceiro em todas as ocasiões. E quando alguém não é confiável não o ouvimos, não fazemos o que diz, nem tão pouco estamos disponíveis a perder muito tempo e energia com a pessoa. Será isto um problema grave? Não me parece. Por trás de Trump estão grandes profissionais da política externa dos EUA, capazes de corrigir na hora algum movimento em falso feito pelo POTUS como o são o Secretário de Estado, Rex Tillerson e os três generais, John Kelly (chefe de gabinete da Casa Branca), James Mattis (secretário de defesa) e McMaster (assessor de segurança nacional). Com estes está um aparelho competente e profissional de segurança nacional e diplomacia que não difere fundamentalmente das administrações anteriores de Obama e de Bush. Os erros de casting como Flynn ou Bannon já foram resolvidos.

Trump recusa o “excepcionalísmo americano” e com isto o papel de ser um farol para Mundo, um modelo. Com ele a “América está primeiro”. O resto do Mundo que tome conte de si.

Um ano depois continuamos a procurar uma linha de coerência nas suas decisões, continuamos a querer antecipar o que vai dizer ou decidir sobre determinado assunto. Temo que, por muito empenho que coloquemos na tarefa, não conseguiremos chegar a lado nenhum. Irá intervir quando menos esperámos e nada fazer quando acharmos que o deveria fazer. Get use to it.


sábado, 6 de janeiro de 2018

Irão; bem vindos a 2018, "tudo como dantes, quartel-general em Abrantes"

Agora que as coisas parecem estar mais calmas no Irão, quiçá por pouco tempo, vale a pena olhar para algumas coisas que foram ditas sobre uma potencial nova revolução árabe em curso.

A insurreição  começou na quinta-feira, 28 de dezembro de 2017, na cidade de Mashhad, quando manifestantes foram para a rua para protestar contra o aumento dos preços, as altas taxas de desemprego e a corrupção no governo do Irão. Gradualmente os protestos foram para as medias sociais, o que levou o governo iraniano a  desligar a internet para impedir que os protestos aumentassem. No fim de semana seguinte, os protestos espalharam-se pelo pais inclusive em áreas que são consideradas centrais para o governo de Rouhani.

O "muito inclinado à esquerda" jornalista freelancer Pepe Escobar partilhou recentemente um mapa bastante interessante onde correlaciona os focos de protesto no Irão com as localizações das New Silk Roads / BRI e o International North South Transport Corridor (INST).


Quando começaram os protestos contra as políticas económicas neoliberais do governo liderado por Rouhani , os EUA e Israel rapidamente aproveitaram a situação. O efusivo apoio de Trump, e de Nathanyahu, por um lado, mas também dos neocom como McCain e dos "dem-libs" como Hillary Clinton aos revoltosos e o absoluto silêncio de Putin e Xi Jiping foram esclarecedores. Embora os protestos tenham sido inicialmente pequenos, os "mainstream media" aproveitaram a ocasião para potenciar o que eram de facto focos isolados e pouco relevantes. Em poucos dias passámos dos protestos das populações mais pobres para jovens armados a pedirem o regresso do Xá, saibam ou não quem foi e o que fez.

Quanto aos governantes iranianos, apesar de compreenderem a legitimidade dos protestos  acusam directamente os US e a CIA de conspiração.

Interessantes, para uma avaliação da situação, são as palavras da especialista Iraniana em Ciência Política e Relações Internacionais  Ghoncheh Tazmini quando escreve "let us step aside from the hype over the protests. While Rouhani’s financial mismanagement can be scrutinised, and the pace of reform, intensity, speed and delivery of change are being disputed, Rouhani’s progressive agenda has borne fruit. The clearest example of the success of the reform agenda is the 2015 nuclear deal struck between Iran and six world powers: the United States, the United Kingdom, Russia, France, China, and Germany (the P5+1). Iran’s official revolutionary discourse rejects compromises with the West. The watershed nuclear deal, caught in the middle of factional opposition and wrangling, ultimately received the implicit approval of the conservative Supreme Leader, Ali Khamenei. This flexibility suggests a shift towards pragmatism and a more conciliatory stance. Other social policies that are reflective of change include the debate over the re-election of a Zoroastrian as a city council member in Yazd. While the ultra-conservative head of the Guardian Council, Ayatollah Jannati argues that religious minorities cannot be representatives of Muslim-majority constituencies, Rouhani and the parliament are pushing for a reinterpretation. Other measures include the regime’s socially conscious measure to set up addiction treatment centres modelled on the American Alcoholics Anonymous model, to care for alcoholics. This subject is taboo or ‘haram’ (prohibited in Islam) to even discuss. Since 2015, following the order of the Health Ministry dozens of private clinics and government institutions have opened help desks and special wards for alcoholics. isto é as reformas de regime estão em curso e a grande maioria dos iranianos está com os seus líderes. 

Verdade seja dita, a economia iraniana não está saudável mas para isso muito contribuiu o embargo dos US e da Europa, agora atenuado. Mas também é verdade que a maioria dos iranianos ficou entusiasmada e orgulhosa do papel de sua nação na frustração dos planosque havia a ocidente de ocupar grande parte da Síria e derrubar o governo do presidente Bashar al-Assad. Em contraste, do outro lado, nesta longa proxy war, os EUA, Israel e Arábia Saudita reiniciaram a sua procura de vingança da Síria, do Irão e da Rússia.

Em síntese, depois do clamoroso falhanço na Síria, o desastre do Iraque e da Líbia os habituais desestabilizadores reorientam as suas forças para o Irão. Nada de novo; desde que o Médio Oriente esteja instável e haja permanente confronto entre Xiitas e Sunitas os mesmos de sempre vão beneficiar. Como diz o bom povo português " tudo como dantes, quartel-general em Abrantes"