20 de janeiro de 2018 marca o primeiro aniversário da governação do
presidente americano, Donald Trump, na Casa Branca. O início de seu
mandato presidencial anunciava uma ruptura em relação ao governo de Obama,
sobretudo no campo da política externa e das escolhas relativas à segurança do
país.
No período de campanha Trump apresentou uma retórica
anti-intervencionista, criticando o governo anterior essencialmente pelos gastos
nas missões no exterior.
Uma vez instalado na Casa Branca, Trump não tem sido consistente com a
intenções anunciadas. Num ano de mandato, a presença dos EUA em todo o
mundo aumentou, o budget militar aumentou dando o President Of The United States (POTUS) indicações de estar disposto a recorrer ao uso da
força militar para lidar com situações entendidas como ameaçadoras para os EUA. Como explicar esta incoerência ?
O não-intervencionismo intervencionista
Entre Janeiro e Novembro de 2017, os EUA realizaram 30 ataques aéreos na
Somália contra militantes al-Shabaab, dos quais 14 apenas em agosto, marcando
um forte crescimento em relação às operações realizadas nos anos
anteriores. Entre
3 e 4 de novembro de 2017, foram realizadas as primeiras operações aéreas
americanas contra o Estado islâmico no país africano.
O número de bombardeamentos também aumentou no Iêmen, onde os EUA realizaram
a primeira operação aérea contra ISIS em 17 de outubro, em Al Bayda, onde foram
atingidos campos de treino terrorista. Atualmente, os EUA são a única força que ataca
com drones no Iêmen.
No final de Novembro de 2017, foi decretada na Síria e no Iraque a
derrota militar do Estado islâmico. No entanto, na Síria, os Estados Unidos decidiram
permanecer, a fim de evitar o renascimento da organização e
facilitar a obtenção de uma solução política. isto apesar de Putin, o grande
obreiro da vitória, ter declarado que grande parte das suas tropas abandonariam
o território.
Em 21 de Agosto de 2017, Trump inaugurou uma nova
estratégia para o Afeganistão,
aumentando as tropas dos EUA de 11.000
para 15.000 no país asiático, onde
se espera que permaneçam por mais anos de forma a estabilizar o governo de
Cabul e eliminar a ameaça de grupos armados locais e do Daesh. De acordo
com este objetivo, Trump atacou o Paquistão , acusando-o de ser um porto seguro de terrorismo. Após meses
de conversações interrompidas, a situação piorou ainda mais com o início de
2018, quando o presidente dos EUA decidiu suspender a
ajuda militar em Islamabad, para convencê-lo a aumentar os esforços
na luta contra grupos terroristas.
Em 13 de Outubro de 2017, foi uma data particularmente importante que
caracterizou as relações com o Irão, o principal
inimigo de Washington no Médio Oriente, quando Trump anunciou a descertificação do
pacto nuclear , assinado em 14 de julho de 2015. O movimento
não levou ao fim do pacto, mas estabeleceu as bases para uma revisão dos termos
do acordo.
Outra data importante na política externa de Trump foi 6 de dezembro de
2017, quando o líder da Casa Branca anunciou que iria reconhecer
Jerusalém como a capital de Israel e que pretendia mudar a embaixada americana
de Tel Aviv para a Cidade Santa. Este
movimento despertou a oposição da comunidade internacional, aumentando também
as tensões entre palestinos e israelenses, de tal forma que o Hamas incentivou uma nova Intifada. O
reconhecimento de Jerusalém como a capital de Israel é um assunto delicado, uma
vez que a cidade é um local religioso fundamental tanto para os muçulmanos como
para os judeus, como resultado, tanto os palestinos como Israel aspiram a
proclamar a cidade capital do seu estado. A comunidade internacional
acredita que esta questão deve ser decidida somente em ambiente de conversações
de paz entre Israel e a Palestina.
Em relação à Ásia, o primeiro ano da presidência de Trump foi
caracterizado pela inusitada tensão com a Coréia do Norte, em grande parte
criada ostensivamente por Trump. Em particular, nos meses de verão de
2017, as tensões aumentaram gradualmente devido à escalada de demonstrações de
forças entre Pyongyang, por um lado, e Washington e Seul, por outro. Entre
os momentos de maior tensão, lembramo-nos de 29 de novembro de 2017, quando a Coréia do Norte anunciou que se tornou
uma potência nuclear, graças ao teste de mísseis Hwasong-15, capaz
de alcançar qualquer parte do território dos Estados Unidos. Com
esse lançamento, Kim Jong-un alcançou o objetivo de transformar a Coréia do
Norte numa potência nuclear capaz de se defender dos Estados Unidos. Por
outro lado, ao longo de 2017, os EUA continuaram a realizar uma série de
exercícios militares conjuntos com a Coréia do Sul, e às vezes com o Japão, o
que irritou o líder norte-coreano, que se sentiu particularmente
ameaçado. Embora Trump tenha afirmado repetidamente que não estava
disposto a falar com o líder norte-coreano, no dia 11 de janeiro, durante um
telefonema com o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, o
presidente americano disse que estava disposto a conversar com a Coréia do
Norte . Essas declarações
marcaram uma mudança de atitude em relação a Pyongyang, um estranho
volte face. Durante o
verão, Trump prometeu destruir a Coreia do Norte, se ela continuasse a
representar uma ameaça para os EUA e, recentemente, declarou que estava pronto
para pressionar o botão nuclear, muito maior que o norte-coreano
(“much bigger and more powerful). Trump repetidamente instou a China, o
principal parceiro comercial de Pyongyang, a exercer mais pressão sobre estes e
a suspender o desenvolvimento do programa nuclear e de mísseis. Nas
últimas semanas, o presidente americano elogiou Pequim por diminuir drasticamente as
exportações de petróleo e carvão para a Coréia do Norte, atingindo os níveis
mais baixos desde 2014 e atacou a Rússia de Putin que segundo ele
compensou negativamente o trabalho Chinês.
Quanto às relações com a Rússia, o primeiro ano da presidência de Trump
foi de romance à distância com um momento bonito na conferencia do G20 em
Hamburgo e com alguns arrufos, ao qual não foi imune toda a polémica
de interferência da Rússia nas eleições
americanas fato de que o líder da Casa Branca sempre negou. Apesar
de extensas investigações federais nada se provou. O arrufo maior – que muitos como eu pensaram que fosse
critico – foi a intervenção norte-americana na Síria, o ataque a uma
base aérea na província de Homs. O momento mais recente foi de afecto, com
Putin a parabenizar o sucesso da presidência de
Donald Trump neste primeiro ano.
A Doutrina Trump
Não me vou dedicar a analisar o que não diga respeito à politica
externa dos USA, pois não me sinto habilitado para o fazer e é sobre esse tema - relações internacionais e politica externa - que, na sua globalidade, este blog diz
respeito mas, gostaria de recordar, que Trump no seu primeiro discurso
prometeu a todos os americanos que a sua administração seria guiada por uma
convicção: estava ali
para servir os cidadãos americanos e todas as decisões sobre comércio,
impostos, imigração, entre outros assuntos seriam para beneficiar os americanos
e as suas famílias. O seu primeiro ano no cargo foi a história de promessas
mantidas; Uma economia a crescer, desemprego a descer, impostos a descer, a saída
do Trans-Pacific Partnership promovendo a negociações bilaterais, combate a
emigração ilegal, o desmontar de um sorvedouro chamado Obamacare. Pode o
mainstream media fazer a campanha que quiser, os EUA estão muito melhor com
Trump do que com Hillary ou Sanders. Talvez estejamos mal-habituados, mas
manter promessas eleitorais devia de ser a pratica habitual de qualquer politico.
De alguma forma votamos neles em função da avaliação que fazemos daquilo que eles
se propõem fazer com os meios que estão à sua disposição.
Então o que se passa com a
politica externa do POTUS ? Porquê a incoerência?
De facto Trump, não se afastou de
qualquer teatro de operações em que o exército dos EUA se tenha comprometido ou
envolvido nos últimos 20 anos. Continuando Obama, George W. Bush e Clinton, os
Estados Unidos com Trump continuam a apoiar a defesa de 60 países do mundo com
acordos formais e acordos tácitos em todo o Oriente Médio e Ásia. Estão
implantados em todo o mundo, com cerca de 250 mil soldados 800 bases e
instalações em cerca de 70 países. O corolário de tudo isto é o aumento
significativo no orçamento militar dos US para o ano de 2018!
Vejamos o caso da NATO. Trump foi
extraordinariamente critico com a contribuição dos EUA para a organização do Atlântico
Norte. Disse ele “23 dos 28 países membros não estão a pagar o que deveriam
estar a pagar pela sua defesa". Disse
e repetiu durante a campanha que as coisas tinham que mudar pois viviam a sua defesa
à custa dos EUA. James Mattis, o Secretário de Defesa dos EUA, disse aos
líderes europeus numa reunião da NATO em Fevereiro de 2017 que os US
"mudariam o seu compromisso”, a menos que os Estados membros colocassem
mais dinheiro na organização. Segundo Mattis “O contribuinte americano não pode mais ter uma parte desproporcional da
defesa dos valores ocidentais. Os americanos não podem importar-se mais
com a segurança de vossos filhos do que vocês. Desconsiderar a prontidão
militar demonstra falta de respeito por nós mesmos, pela aliança e pelas
liberdades que herdamos, que agora estão claramente ameaçadas". No entanto Trump aplaudiu e
validou a entrada do Montenegro na NATO o que a primeira vista, não se percebe.
Qual será o argumento para apoiar este pobre país com cerca de 600 000
pessoas, com menos de 2.000 soldados e sete helis e que se encontra há muito na
esfera de influência da Rússia, quer histórica, quer socio-económica que
geograficamente ? Só
encontro um justificação; provocar a Rússia e Putin.
Tem Trump uma Doutrina, como Roosevelt, Nixon ou Carter ?
Uma grande estratégia
para o papel dos EUA no Mundo ? Não me parece. Trump tem uma colecção de princípios - alguns
operacionais, alguns filosóficos - que orientam a sua politica externa. Esses
princípios são norteados por três eixos fundamentais: 1) ter ganhos tácticos de curto prazo, em vez de
estratégias de longo prazo; 2) uma visão de mundo de "soma zero",
onde todos os ganhos são relativos e não há reciprocidade 3) uma visão transaccional
da política externa que é desprovida de grandes considerações morais ou éticas. Isto é,
uma visão típica de um business man !
Assim se explica a ênfase puramente táctica de muitas acções e a dificuldade de lhe darmos um elevado
valor de coerência estratégica ou de visão alargada. Não o vemos porque de
facto não existe! Como já disse, esta ênfase na táctica em detrimento da
estratégia decorre da visão transaccional de Trump. A sua presidência tem sido a transposição da sua mentalidade de fazer negócios imobiliários para a condução da política externa dos EUA. Ele
prefere ter relações externas assentes
em 193 acordos bilaterais elaborados e negociados individualmente com todas as outras nações
do mundo do que negociações em grupo. Para Trump todas as negociações diplomáticas,
todas as acções militares, são jogos de soma zero sem conteúdo moral. Como os negócios
imobiliários onde tanto sucesso alcançou.
O livre comércio mundial, a
preocupação com as mudanças climáticas, a defesa da democracia e dos direitos
humanos, tudo isso é relevante se os EUA beneficiarem de alguma forma e em
concreto com o dinheiro que for gasto nesses assuntos. De outra forma não fazem
sentido estar na agenda.
Trump não tem nenhuma
"visão" de política externa coesa. Limita-se a reagir a situações por
impulsos ditados pelo “gut feeling” que lhe está no ADN comercial. É capaz de
se dizer e desdizer, como tantas vezes já o fez e como acima demonstrei, projectando
dureza e ameaçando num dia o Irão, a Coreia do Norte ou a NATO, mas sendo apoiante
da entrada do Montenegro nesta última, estando disponível para falar com o líder da Coreia
do Norte ou continuando a colocar mais e mais tropas no Afeganistão. Tão depressa apoia a Rússia como ataca Putin relativamente à Ucrânia, tanto é assertivo com a politica comercial de Xi como o saúda por conseguir pressionar a Coreia do Norte, O que
interessa é o resultado final. Como se chega ao objectivo é indiferente. Desde
que o Daesh seja eliminado na Síria e Iraque como prometeu aos americanos ou que
a Coreia do Norte seja menos assertiva, como ele o afirmou.
Qual é o maior problema? A falta
de confiabilidade. De facto, muitas acções de Donald Trump criaram dúvidas
quanto à confiabilidade dos EUA como nação disponível para continuar a ser um parceiro
em todas as ocasiões. E quando alguém não é confiável não o ouvimos, não
fazemos o que diz, nem tão pouco estamos disponíveis a perder muito tempo e
energia com a pessoa. Será isto um problema grave? Não me parece. Por trás de
Trump estão grandes profissionais da política externa dos EUA, capazes de corrigir
na hora algum movimento em falso feito pelo POTUS como o são o Secretário de
Estado, Rex Tillerson e os três generais, John Kelly (chefe de gabinete da Casa
Branca), James Mattis (secretário de defesa) e McMaster (assessor de segurança
nacional). Com estes está um aparelho competente e profissional de segurança
nacional e diplomacia que não difere fundamentalmente das administrações
anteriores de Obama e de Bush. Os erros de casting como Flynn
ou Bannon já foram resolvidos.
Trump recusa o “excepcionalísmo
americano” e com isto o papel de ser um farol para Mundo, um modelo. Com
ele a “América está
primeiro”. O resto do Mundo que tome conte de si.
Um ano depois continuamos a
procurar uma linha de coerência nas suas decisões, continuamos a querer
antecipar o que vai dizer ou decidir sobre determinado assunto. Temo que, por
muito empenho que coloquemos na tarefa, não conseguiremos chegar a lado nenhum.
Irá intervir quando menos esperámos e nada fazer quando acharmos que o deveria
fazer. Get use to it.