terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Putin, o período 2008 - 2016

Impossibilitado de concorrer a terceiro mandato, Putin apoia e acompanha Medvedev na candidatura à Presidência da Rússia para o período 2008 – 2012. O período Medvedev fica marcado pela tentativa de voltar às abordagens mais liberais, económica e socialmente. No entanto anúncio da recandidatura de Vladimir Putin à presidência em Setembro de 2011 demonstra a necessidade de repor os alinhamentos de poder, face as tensões e conflitos intra-Kremlin, entre conservadores e liberais. 

Medvedev conseguiu promover um desanuviamento nas relações, apesar da guerra na Geórgia. O retomar de relações diplomáticas e o reforço de relações bilaterais devem ser referidos, a par da postura de maior abertura que contribuiu para o desanuviamento nas relações da Rússia com os seus parceiros ocidentais. Internamente, a modernização foi bem acolhida, mas não teve tempo suficiente para se inscrever nas vivências da Republica, tendo o efeito de potenciar a maior mobilização social, o que ampliou o espaço para vozes de descontentamento e maiores reivindicações em termos de reformas políticas – um desenvolvimento que a elite no poder, especialmente centrada em Vladimir Putin, não podia aceitar.

Medvedev trouxe ainda uma política económica de diversificação de investimentos, para ultrapassar uma excessiva dependência dos recursos energéticos. Promoveu também a política de investigação, inovação e desenvolvimento tecnológico como novo vector na política externa russa, ao permitir não só a consolidação de desenvolvimentos internos, como também a promoção de cooperação com parceiros externos, em diferentes áreas sectoriais.

O regresso de Putin à presidência russa na Primavera de 2012 com 64% dos votos significa o regresso das políticas centralizadas, a redução da participação popular nos processos de decisão e o afastamento de elementos mais progressistas. A autoridade centralizada é reconhecida como estrutura basilar de actuação e desenvolvimento das políticas internas e externas.

Este terceiro mandato de Putin fica marcado pela continuidade estratégica da política realista e pelo acentuar da assertividade em relação ao Ocidente que se materializou na mais greve crise europeia pós-guerra; A anexação da Crimeia pela Rússia em 2014.

As revoluções coloridas - Geórgia (2003), Ucrânia (2004), e no Quirguistão (2005), - constituíram uma contestação social e política que marcaram a política russa, espelhando o receio em Moscovo de perda de influência nestes espaços. A Rússia sempre desejou manter uma influencia nos países da CEI, procurando sempre evitar desenvolvimentos contrários aos seus interesses geopolíticos e geoestratégicos. Essa vontade foi mais marcada por Putin, em países como a Geórgia ou a Ucrânia. Ele viu, em particular nesta ultima, com enorme desconfiança, as manifestações populares pró-europa, que considerou serem parte de um esquema ocidental para promover reformas contrárias aos interesses russos e promover a aproximação da Ucrânia às instituições euro-atlânticas. 

Um país que adopta a soberania e a independência associada a realpolitik como elementos charneira da sua PE, não aceitará nunca que, o país onde se localizam muitas das empresas e fabricas do complexo militar-industrial Russo, bem como um território histórico do imaginário colectivo , seja visado pela integração na OTAN e na EU. Putin sempre deu sinais de que recorreria ao poder militar para controlar qualquer acção no espaço Ucraniano.

Visando reverter as dinâmicas em curso e mantendo o país na sua esfera de influência, a Rússia envolveu-se militarmente nesta crise. Apesar de ter usado um vasto leque de instrumentos económicos e diplomáticos para atingir os seus objectivos, o apoio político e militar a movimentos separatistas no Leste e Sul da Ucrânia e a anexação da Crimeia a 18 de Março de 2014 constituem os pontos mais significativos da sua estratégia na região.

A não reacção da OTAN nestes processos deu indicações à liderança russa que este é o caminho certo. Putin marcou as fronteiras de intervenção, dando um sinal a todos os países do espaço CEI do que é que ocorrerá caso haja afastamentos de “linha definida” por Moscovo, reforçando a sua afirmação no palco internacional.



sábado, 3 de fevereiro de 2018

Putin, o período 2000 – 2008

Vladimir Vladimirovich Putin, nasceu em Sto Petersburgo em Outubro de 1964. Licenciou-se em Direito pela Universidade Estatal de Leninegrado e integrou o KGB e a Câmara de Sto. Petersburgo. Chega à política pela mão de o seu ex-professor e amigo Anatoly Sobchak. É no entanto, Ieltsin quem lhe dá surpreendentemente todo o protagonismo ao nomeá-lo presidente interino. Putin ganha a eleição de 2000 e torna-se o segundo Presidente da Federação russa.

A quando da chegada sua chegada ao poder, a economia estava num estado desastroso e as burocracias imperavam, bloqueando qualquer tentativa de pôr em prática as políticas decididas pelo Kremlin. O período anterior de Yeltsin tinha aumentado o poder financeiro de vários empresários que ganharam influência tomando parte nas decisões que regiam a Federação e a sua política externa. Putin tinha que agir, não confrontando directamente esta elite, mas de forma a instalar no poder os seus mais próximos. Numa Rússia enfraquecida, Putin iria limitar-se inicialmente a gerir a debilidade estratégica em que o país se apresentava e a controlar os danos dela resultantes.

Vladimir Putin deu início ao seu mandato com três objectivos que não eram necessariamente os seus: 1) continuar a liberalizar os mercados reforçando a ligação comercial aos países europeus, 2) melhorar as relações com o Ocidente (encerramento de bases militares em diversas partes do mundo, aproximação à OTAN) e 3) centralizar o poder nas mãos daqueles que considerava serem os seus apoiantes mais próximos iniciando um processo de verticalização e hierarquização do mesmo a partir dele. 

No 11 de Setembro de 2001 Putin viu a sua hipótese de se colocar na vaga de fundo da luta global contra o terrorismo, problema que muito perturba a política doméstica da Federação. Desta forma poderia, não só utilizar esse motivo como elemento de relação próxima com o ocidente, mas acima de tudo, ter a legitimidade para intervir militarmente em zonas onde a instabilidade poderia contaminar seriamente à sua política doméstica, como o foi a Tchetchénia. Ao mesmo tempo ele pensava que poderia beneficiar de apoios financeiros, políticos e diplomático dos países e instituições ocidentais. A reaproximação à OTAN e ao ocidente tinha um objectivo claro; beneficiar da “boa vontade” destes para aceder aos mercados e legitimar acções mais assertivas, sem ser criticado ou contestado. Nada disto aconteceu nas quantidades e com as qualidades que Moscovo esperava.

O período 2000 – 2004 é marcado, ao nível dos acordos entre as partes, pelo APC e o acordo sobre os quatro espaços comuns, documento de referência das relações bilaterais. Este era um acordo de carácter amplo em termos de áreas de actuação - espaço económico comum; espaço comum de liberdade, segurança e justiça; espaço comum de cooperação no âmbito da segurança externa; e espaço comum de investigação, educação e cultura - segue os pressupostos de diálogo e cooperação. Podemos interpretar a criação dos quatro espaços comuns como uma necessidade para enfrentar o alargamento a leste da União Europeia em 2004. O “conceito de “quatro espaços comuns” pode ser visto como uma aproximação à UE, porque os quatro espaços cobrem todos os campos das actividades desta. Outra componente do quadro de cooperação institucionalizada é a referência a valores e princípios comuns contidos em todos os documentos e essenciais para uma “parceria UE-Rússia”

A base legal das relações entre a Rússia e a UE é o Acordo de Parceria e Cooperação (APC), que entrou em vigor a 1 de Dezembro de 1997. Este foca-se em bases legais para a promoção da democracia, o estado de direito, o pluralismo e os direitos humanos. Este documento de partilha de princípios teve, no entanto, entendimentos diferenciados dos parceiros envolvidos. De alguma forma os valores presentes no documento e a sua potencial extensão ao espaço CEI, tão caro à Rússia, não foi nunca visto da mesma maneira pela Europa e pela Rússia. 

Apesar da sua renovação anual automática, foi sempre complexa a renegociação de novos textos. É de referir que, aquando da assinatura do APC, a Rússia apresentava-se muito constrangida no seu poder no sistema internacional. Esta foi a principal razão pela qual os seus principais interesses foram colocados em segundo plano, o que viria a afectar negativamente a postura da Federação russa, na sua tentativa de se reafirmar enquanto grande potência regional e internacional.

Em síntese, tivemos um período de Politica Externa russa para com a Europa onde se deu a combinação de uma visão já realista de defesa do interesse nacional com a procura de cooperação e vantagens competitivas para a Rússia, de que são exemplo a ligação a estruturas ocidentais e as nações unidas. Putin respondia assim às três fortes tendências internas que se manifestavam e que ele nesta fase tinha de equilibrar; a ala europeísta, a ala orientalista e os nacionalistas. 

O segundo mandato de Putin marca uma inversão de atitude em relação ao Ocidente, passando do tom cooperativo para o tom antagónico, com o momento critico a ser atingido com o discurso de Putin na conferência de Munique em 2007. Nessa conferencia Putin afirmou que o fim da guerra fria produziu muito mais vítimas e conflitos armados do que antes. A tentativa de resolver os problemas pela acção unilateral do Ocidente, causou imensas tragédias humanas. Num ataque ao Ocidente e a OTAN ele disse que tinham desprezado os princípios básicos do direito internacional e que promoviam uma nova corrida armamentista no mundo. "Os EUA ultrapassaram suas fronteiras nacionais em quase todas as esferas, quem pode estar satisfeito com isso?" - e acrescentou que "ninguém se pode sentir seguro" nesta paisagem política. 

O que explica essa inversão notável? A resposta reside na resolução de uma tensão central entre dois impulsos fundamentais, mas opostos, no projecto inicial de Putin: restabelecer um estado forte, centralizado e controlador e construir um país próspero através da integração na economia global. O primeiro implica um forte controlo centralizado do estado sobre os cidadãos e as instituições enquanto o segundo implica fluxos de bens e dinheiro autónomos e horizontais através das fronteiras, ligando a Rússia a actores e jurisdições além do seu alcance formal. Uma plena abertura não é passível de ser controlada nem planeável, achando Putin que qualquer resultado será sempre o resultado do controle por outros nomeadamente Ocidentais. Putin e os seus oligarcas não concebem o conceito de “mercados”, nem nada que não seja determinado pela concepção e poder de alguém. Assim, Putin decidiu tomar em mãos o que estava além do seu controle. 

Esta mudança também se alicerça na galvanização das elites alinhadas com Putin, galvanização essa baseada na recuperação económica russa neste período - os recursos energéticos russos permitiram um crescimento económico sustentado de cerca de 7% ao ano entre 2003 e 2008 - e numa assertividade internacional expressa nas estratégias energéticas nacionalistas provocadas pela mudança de atitude de Bruxelas face a Moscovo após o último alargamento a Leste. Putin e o Kremlin manifestaram o fim da aceitação passiva do seu estatuto e papel secundário na ordem pós-bipolar.

Putin irá utilizar a energia e a sua distribuição como ferramenta política esquecendo os critérios estritamente comerciais, o que iria revelar a vulnerabilidade da UE em relação aos fornecimentos de energia oriundos da Rússia. Os gasodutos e oleodutos que atravessavam os antigos países comunistas passariam a ser os instrumentos estratégicos para o exercício do «poder energético» que o Kremlin visava maximizar para transformar a Rússia numa grande potência.

A instrumentalização pelos seus oligarcas das débeis instituições democráticas e a necessária centralização do poder, obrigavam a nacionalizar o poder energético russo, o seu mais poderoso activo politico para condicionar a acção dos países CEI e da UE. Foi justamente o domínio deste sector que colocou nas mãos do Kremlin os vastos recursos necessários para prosseguir os seus objectivos geopolíticos. O desmantelamento dos ténues resultados da democratização russa e a politização dos sectores-chave da economia não foram, portanto, acasos que poderão ser alterados, mas sim a base critica operativa que viabiliza a estratégia de Vladimir Putin.

Não podemos também dissociar desta alteração de comportamento de Putin, a reacção ao sentimento de humilhação nacional sentida pelas elites russas de inclinação mais nacionalista e euroasiáticas. A fraqueza russa materializou-se na aceitação resignada da imposição de políticas, económicas e sociais, que se revelaram mal sucedidas para o seu povo, mas benéficas para alguma elite “soviética”, quiçá a mais liberal e, também na sua irrelevância política, não sendo capaz de se opor aos alargamentos da OTAN e não conseguindo atrair os países do ex-espaço soviético para a sua órbita de influência.” 

Assim, é latente neste período o confronto entre duas visões de Europa. Após a inicial convergência ideológica resultado de um período de fraqueza estratégica da Republica, Putin recupera a criação de tensões com o Ocidente como meio para, interna e externamente, dar o sinal de que pretendia recuperar para a Rússia o estatuto de potencia Mundial. Putin defende uma Europa de estados fortes e independentes, onde as identidades são mais ricas e plenas que qualquer tipo de integração ou intenção transnacional. Para Moscovo, o estado deve ser soberano, assim como a Democracia que se deve moldar aos interesses políticos da Nação e não ao bem-estar e a liberdade. A visão russa da ordem política europeia é também ela revisionista, numa abordagem hierárquica do poder dos estados assente em esferas de influencia e uso de hard power nas abordagens expansionistas e de que a intervenção na Geórgia e na Ucrânia são exemplos paradigmáticos. 

A visão do Mundo russa centrada no estado relaciona-se directamente com uma preferência por relações bilaterais ao invés das relações supranacionais com Bruxelas e muitas vezes este entendimento reflecte uma suspeição em relação a actividades transfronteiriças. Esta é uma visão diametralmente oposta do liberalismo democrático ocidental, que suporta a coesão dos estados da EU. É também uma visão que mostra a falência de todos os acordos pré-período 2004 que pretendiam e pretendem a acomodação da Rússia aos valores ocidentais.