sábado, 3 de fevereiro de 2018

Putin, o período 2000 – 2008

Vladimir Vladimirovich Putin, nasceu em Sto Petersburgo em Outubro de 1964. Licenciou-se em Direito pela Universidade Estatal de Leninegrado e integrou o KGB e a Câmara de Sto. Petersburgo. Chega à política pela mão de o seu ex-professor e amigo Anatoly Sobchak. É no entanto, Ieltsin quem lhe dá surpreendentemente todo o protagonismo ao nomeá-lo presidente interino. Putin ganha a eleição de 2000 e torna-se o segundo Presidente da Federação russa.

A quando da chegada sua chegada ao poder, a economia estava num estado desastroso e as burocracias imperavam, bloqueando qualquer tentativa de pôr em prática as políticas decididas pelo Kremlin. O período anterior de Yeltsin tinha aumentado o poder financeiro de vários empresários que ganharam influência tomando parte nas decisões que regiam a Federação e a sua política externa. Putin tinha que agir, não confrontando directamente esta elite, mas de forma a instalar no poder os seus mais próximos. Numa Rússia enfraquecida, Putin iria limitar-se inicialmente a gerir a debilidade estratégica em que o país se apresentava e a controlar os danos dela resultantes.

Vladimir Putin deu início ao seu mandato com três objectivos que não eram necessariamente os seus: 1) continuar a liberalizar os mercados reforçando a ligação comercial aos países europeus, 2) melhorar as relações com o Ocidente (encerramento de bases militares em diversas partes do mundo, aproximação à OTAN) e 3) centralizar o poder nas mãos daqueles que considerava serem os seus apoiantes mais próximos iniciando um processo de verticalização e hierarquização do mesmo a partir dele. 

No 11 de Setembro de 2001 Putin viu a sua hipótese de se colocar na vaga de fundo da luta global contra o terrorismo, problema que muito perturba a política doméstica da Federação. Desta forma poderia, não só utilizar esse motivo como elemento de relação próxima com o ocidente, mas acima de tudo, ter a legitimidade para intervir militarmente em zonas onde a instabilidade poderia contaminar seriamente à sua política doméstica, como o foi a Tchetchénia. Ao mesmo tempo ele pensava que poderia beneficiar de apoios financeiros, políticos e diplomático dos países e instituições ocidentais. A reaproximação à OTAN e ao ocidente tinha um objectivo claro; beneficiar da “boa vontade” destes para aceder aos mercados e legitimar acções mais assertivas, sem ser criticado ou contestado. Nada disto aconteceu nas quantidades e com as qualidades que Moscovo esperava.

O período 2000 – 2004 é marcado, ao nível dos acordos entre as partes, pelo APC e o acordo sobre os quatro espaços comuns, documento de referência das relações bilaterais. Este era um acordo de carácter amplo em termos de áreas de actuação - espaço económico comum; espaço comum de liberdade, segurança e justiça; espaço comum de cooperação no âmbito da segurança externa; e espaço comum de investigação, educação e cultura - segue os pressupostos de diálogo e cooperação. Podemos interpretar a criação dos quatro espaços comuns como uma necessidade para enfrentar o alargamento a leste da União Europeia em 2004. O “conceito de “quatro espaços comuns” pode ser visto como uma aproximação à UE, porque os quatro espaços cobrem todos os campos das actividades desta. Outra componente do quadro de cooperação institucionalizada é a referência a valores e princípios comuns contidos em todos os documentos e essenciais para uma “parceria UE-Rússia”

A base legal das relações entre a Rússia e a UE é o Acordo de Parceria e Cooperação (APC), que entrou em vigor a 1 de Dezembro de 1997. Este foca-se em bases legais para a promoção da democracia, o estado de direito, o pluralismo e os direitos humanos. Este documento de partilha de princípios teve, no entanto, entendimentos diferenciados dos parceiros envolvidos. De alguma forma os valores presentes no documento e a sua potencial extensão ao espaço CEI, tão caro à Rússia, não foi nunca visto da mesma maneira pela Europa e pela Rússia. 

Apesar da sua renovação anual automática, foi sempre complexa a renegociação de novos textos. É de referir que, aquando da assinatura do APC, a Rússia apresentava-se muito constrangida no seu poder no sistema internacional. Esta foi a principal razão pela qual os seus principais interesses foram colocados em segundo plano, o que viria a afectar negativamente a postura da Federação russa, na sua tentativa de se reafirmar enquanto grande potência regional e internacional.

Em síntese, tivemos um período de Politica Externa russa para com a Europa onde se deu a combinação de uma visão já realista de defesa do interesse nacional com a procura de cooperação e vantagens competitivas para a Rússia, de que são exemplo a ligação a estruturas ocidentais e as nações unidas. Putin respondia assim às três fortes tendências internas que se manifestavam e que ele nesta fase tinha de equilibrar; a ala europeísta, a ala orientalista e os nacionalistas. 

O segundo mandato de Putin marca uma inversão de atitude em relação ao Ocidente, passando do tom cooperativo para o tom antagónico, com o momento critico a ser atingido com o discurso de Putin na conferência de Munique em 2007. Nessa conferencia Putin afirmou que o fim da guerra fria produziu muito mais vítimas e conflitos armados do que antes. A tentativa de resolver os problemas pela acção unilateral do Ocidente, causou imensas tragédias humanas. Num ataque ao Ocidente e a OTAN ele disse que tinham desprezado os princípios básicos do direito internacional e que promoviam uma nova corrida armamentista no mundo. "Os EUA ultrapassaram suas fronteiras nacionais em quase todas as esferas, quem pode estar satisfeito com isso?" - e acrescentou que "ninguém se pode sentir seguro" nesta paisagem política. 

O que explica essa inversão notável? A resposta reside na resolução de uma tensão central entre dois impulsos fundamentais, mas opostos, no projecto inicial de Putin: restabelecer um estado forte, centralizado e controlador e construir um país próspero através da integração na economia global. O primeiro implica um forte controlo centralizado do estado sobre os cidadãos e as instituições enquanto o segundo implica fluxos de bens e dinheiro autónomos e horizontais através das fronteiras, ligando a Rússia a actores e jurisdições além do seu alcance formal. Uma plena abertura não é passível de ser controlada nem planeável, achando Putin que qualquer resultado será sempre o resultado do controle por outros nomeadamente Ocidentais. Putin e os seus oligarcas não concebem o conceito de “mercados”, nem nada que não seja determinado pela concepção e poder de alguém. Assim, Putin decidiu tomar em mãos o que estava além do seu controle. 

Esta mudança também se alicerça na galvanização das elites alinhadas com Putin, galvanização essa baseada na recuperação económica russa neste período - os recursos energéticos russos permitiram um crescimento económico sustentado de cerca de 7% ao ano entre 2003 e 2008 - e numa assertividade internacional expressa nas estratégias energéticas nacionalistas provocadas pela mudança de atitude de Bruxelas face a Moscovo após o último alargamento a Leste. Putin e o Kremlin manifestaram o fim da aceitação passiva do seu estatuto e papel secundário na ordem pós-bipolar.

Putin irá utilizar a energia e a sua distribuição como ferramenta política esquecendo os critérios estritamente comerciais, o que iria revelar a vulnerabilidade da UE em relação aos fornecimentos de energia oriundos da Rússia. Os gasodutos e oleodutos que atravessavam os antigos países comunistas passariam a ser os instrumentos estratégicos para o exercício do «poder energético» que o Kremlin visava maximizar para transformar a Rússia numa grande potência.

A instrumentalização pelos seus oligarcas das débeis instituições democráticas e a necessária centralização do poder, obrigavam a nacionalizar o poder energético russo, o seu mais poderoso activo politico para condicionar a acção dos países CEI e da UE. Foi justamente o domínio deste sector que colocou nas mãos do Kremlin os vastos recursos necessários para prosseguir os seus objectivos geopolíticos. O desmantelamento dos ténues resultados da democratização russa e a politização dos sectores-chave da economia não foram, portanto, acasos que poderão ser alterados, mas sim a base critica operativa que viabiliza a estratégia de Vladimir Putin.

Não podemos também dissociar desta alteração de comportamento de Putin, a reacção ao sentimento de humilhação nacional sentida pelas elites russas de inclinação mais nacionalista e euroasiáticas. A fraqueza russa materializou-se na aceitação resignada da imposição de políticas, económicas e sociais, que se revelaram mal sucedidas para o seu povo, mas benéficas para alguma elite “soviética”, quiçá a mais liberal e, também na sua irrelevância política, não sendo capaz de se opor aos alargamentos da OTAN e não conseguindo atrair os países do ex-espaço soviético para a sua órbita de influência.” 

Assim, é latente neste período o confronto entre duas visões de Europa. Após a inicial convergência ideológica resultado de um período de fraqueza estratégica da Republica, Putin recupera a criação de tensões com o Ocidente como meio para, interna e externamente, dar o sinal de que pretendia recuperar para a Rússia o estatuto de potencia Mundial. Putin defende uma Europa de estados fortes e independentes, onde as identidades são mais ricas e plenas que qualquer tipo de integração ou intenção transnacional. Para Moscovo, o estado deve ser soberano, assim como a Democracia que se deve moldar aos interesses políticos da Nação e não ao bem-estar e a liberdade. A visão russa da ordem política europeia é também ela revisionista, numa abordagem hierárquica do poder dos estados assente em esferas de influencia e uso de hard power nas abordagens expansionistas e de que a intervenção na Geórgia e na Ucrânia são exemplos paradigmáticos. 

A visão do Mundo russa centrada no estado relaciona-se directamente com uma preferência por relações bilaterais ao invés das relações supranacionais com Bruxelas e muitas vezes este entendimento reflecte uma suspeição em relação a actividades transfronteiriças. Esta é uma visão diametralmente oposta do liberalismo democrático ocidental, que suporta a coesão dos estados da EU. É também uma visão que mostra a falência de todos os acordos pré-período 2004 que pretendiam e pretendem a acomodação da Rússia aos valores ocidentais.




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