Este
texto sai como uma reflexão pessoal, baseio-me no conhecimento geral do tema
sem pretender assumir como clara aposição de qualquer um dos actores, mas
pretendendo apenas levantar algumas dúvidas que possuo sobre o assunto da
Coreia do Norte.
Nos
últimos tempos a Coreia do Norte e o seu programa Nuclear têm sido a batata
quente das relações internacionais no palco do Oriente/Pacifico.
O
programa Nuclear, e a aquisição de capacidades de detonação/emprego de
armamento Nuclear pelo regime da Coreia do Norte parece-me que, de um só golpe,
veio destruir a possibilidade de continuar o rumo tomado nos últimos 20 anos.
Os
EUA a par da China, Japão, Coreia do Sul e Rússia tinham, mesmo que fosse 'off-
the record' um entendimento, ou pelos menos, um "percebimento" de
como manter a Coreia do Norte em Check.
A
China, como o maior parceiro comercial da Coreia do Norte, baseia a sua balança
de poder com a Coreia do Norte através da balança comercial. É do conhecimento
geral que, depois da queda da URSS e da incapacidade da Federação Russa manter
actividades de apoio fora do seu país a Estados "amigos" depois de
1991 levou a uma grave fome na Coreia do Norte, como tal, a capacidade de fazer
dinheiro da Coreia do Norte é alimentada em muito pelo comércio que faz com a
China. Esta China, é a China que nunca demonstrou demais hostilidades para com
a Coreia do Norte, aliás, até ao actual líder subir ao poder, as visitas de
altos dignitários e mesmo do Presidente da China à Coreia do Norte eram provas
das relações cordiais entre os dois, e demonstrante do alicerce que a China
representa para a Coreia do Norte, o contrário parece ser o que se pode ver com
o actual líder, quanto a isto só o futuro pode dar respostas, mas parece-me que
as relações irão azedar (não muito, mas que vão, vão).
O
problema é que a China já não é o bicho papão Comunista dos anos 90 do século
passado, os EUA, depois da guerra do Vietnam assumiram uma posição de isolação,
de retracção do apoio directo e em força a movimentos que poderiam combater a
URSS no contexto da guerra fria. A Guerra do Vietnam dividiu enormemente a
sociedade americana e forçou o Congresso americano a fiscalizar e cortar em
muito a força das acções do Presidente dos EUA em conflitos exteriores, daí os
EUA terem permitido o emprego de forças Cubanas em Angola, com o apoio da URSS,
de terem tido um papel mais pequeno que países do Médio Oriente na oposição à
invasão da URSS ao Afeganistão, entre outros.
Este
afastamento directo e monetário foi no entanto, e muito bem, colmatado com uma aproximação
económica à China. Desde o final dos anos 70 até à Crise de 2008 a China, com
apoio de empresas americanas que para lá se mudaram, conseguiu realizar uma
enorme industrialização, criando um estado com dois sistemas e o colosso
económico que existe hoje em dia, poderá dizer-se que, a economia americana
decidiu entrelaçar-se com o seu adversário principal.
Com
a China a tornar-se num país que passa de ser um Estado que defende a sua
posição no pódio do Sistema Internacional através das suas Forças Armadas, e da
ameaça do uso da força, a passar a ser um país que defende essa mesma posição
através do seu poder económico, a existência de um país como a Coreia do Norte
mesmo ao seu lado só pode prejudicar a China, especialmente como sendo um dos
seus pilares, criando algum embaraço para a China, a China que parece agora
mais Ocidental (na sua maneira de olhar para o Sistema Internacional [mas nunca
se deve esquecer que o Estado chinês nunca se esquece dos “Tratados Desiguais”
e do insulto que esses tratados representaram para a China no Século passado,
não querendo a China voltar a ser insultada pelo Ocidente]).
Portanto
a China mudou. E os EUA?
Os
EUA a par do Japão e da Coreia do Sul tinham, no emprego de enormes números de
homens, meios e superioridade tecnológica a sua dissuasão de uma acção Norte
Coreana.
Mais
uma vez a guerra do Vietnam demonstra ser a chave. No final da guerra os EUA
empregavam cada vez mais meios e equipamentos inteligentes do que enormes números
de homens para cumprir certas missões, mísseis conduzidos, computadores e
sistemas de comunicação avançados demonstraram ser a aposta americana, e como
já dito, com a retracção americana no que toca a meios convencionais depois da
guerra do Vietnam (devido à pressão do Congresso e do povo americano), os EUA,
para contrariarem a clara aposta da URSS em se expandir aproveitando esta retracção
americana, decidem, e na minha opinião muito bem, responder com a aposta em
modernizar e criar sistemas de armas e comunicações cada vez mais inteligentes
que, de modo directo ou indirecto pudessem colmatar a insuficiência em meios
tradicionais que era clara entre as forças NATO e do Pacto de Varsóvia
(nomeadamente em meios mecanizados), a evolução do conceito dos helicópteros de
combate, dos sistemas de radares, dos sistemas de misseis, sistemas de
comunicações e disrupções destas foram as principais apostas americanas.
Os
efeitos positivos desta aposta foram demonstrados várias vezes, como na guerra
do Yom Kippur, na qual Israel mais uma vez se via cercada por ofensivas em
todas as frentes, e através da disrupção dos radares, comunicações inimigas e a
utilização de um escudo anti-ar à base de misseis aliada uma lógica de guerra
fluída consistindo em várias unidades independentes que gerariam das segundas e
terceiras linhas contra ataques altamente coordenados por capacidades de
comunicação superiores, demonstrou ser a chave para Israel, estes equipamentos
e a Doutrina de combate haviam sido importadas dos EUA, inicialmente
desenvolvidas por este no Vietnam.
Esta
mesma lógica de colmatar a superioridade numérica inimiga com superioridade
táctica e tecnológica (que havia ganho a guerra fria para o Ocidente), é a
mesma que é utilizada contra a Coreia do Norte na Coligação entre os EUA, Japão
e Coreia do Norte, para além de toda a teoria, são imensos os vídeos de exercícios
na Coeria do Sul da utilização destas lógicas como show de força contra a
Coreia do Norte.
O
problema é que o elevado poderio militar americano e aliado na área serviu de
modelo desde os anos 90 (mesmo já com a China). Um numero menor de homens (se
bem que ainda bem elevado) aliados a uma capacidade bélica que em termos
tecnológico e doutrinais está anos luz à frente da Coreia do Norte serviu até
agora para manter a Coreia do Norte no papel do cão mau sem dentes, no entanto,
a capacidade Nuclear altera tudo isto.
O
facto que da Coreia do Norte saber que quer a nível de uma massiva resposta das
forças aliadas no Teatro do Pacífico quer a uma resposta ao nível Nuclear
contra
uma ofensiva sua desenhavam uma futuro trágico para si, mantinha a Coreia do
Norte como um perigo apenas de propaganda (claro que para a Coreia do sul e
mais recentemente para a China um conflito de qualquer espécie com a Coeria do
Norte representava baixas e um forte crise de refugiados, com a qual, nenhum dos
países quer lidar).
No
entanto, na minha opinião, a capacidade Nuclear da Coreia do Norte oferece a
esta a capacidade de anular o balanço/equilíbrio de poderes e dissuasão na
região.
O
facto da Coreia do Norte ter capacidade de atingir os EUA, China, Japão, Rússia
e Coreia do Sul com armamento Nuclear e causar centenas de milhares e mesmo milhões
de mortos obriga a que este regime seja tratado de outra maneira.
Em
quanto existia uma espécie de um Status Quo muito estranho, agora, existe a
muito real hipótese de que a resolução do problema da Coreia do Norte envolva confronto
Nuclear, ora vejamos.
Uma
entrada na Coreia do Norte, antes das capacidades nucleares, envolveria baixas
militares e civis, talvez (todas juntas) em algumas centenas de milhar, mas
restringiam-se à península Coreana, gerando vagas de refugiados para a China e
Coreia do Sul mas, através das capacidades acima referidas, e como foi a Guerra
do Golfo a prova, a guerra seria (muito provavelmente) muito curta, e isto se a
solução fosse única e exclusivamente militar.
Agora
vamos inserir o factor nuclear, o avanço das forças aliadas sobre a Coreia do
Norte iria despoletar o lançamento de misseis nucleares que afectariam (caso
fossem bem sucedidos) milhões de pessoas e a estabilidade da região, isto
através de uma crise humanitária nunca antes vista, através do resultado da
contaminação posterior por elementos radioactivos, etc.
Isto
parece-me que teria uma reacção similar (mas muito mais forte) no povo e
Congresso americano à reacção que houve contra o Vietnam, resultando numa retracção
geral americana do palco internacional, similarmente ao que aconteceu pós final
da Guerra fria (lembrem-se que nem com a tomada de Saigão pelo Vietnam do Norte
os EUA se pronunciaram), permitindo uma nova expansão da Rússia e China, e de
outros países, sem falar na proliferação e aumento de intensidade dos conflitos
regionais e dos grupos terroristas que aproveitariam também esta retracção americana
para aumentar a sua acção, e como acho que é claro a Europa não tem as capacidades
e mind set correctos para contrariar
estas acções (que agora seria redobradas).
A
acção contra a Coreia do Norte será o espinho do Sr. Trump e de qualquer
Presidente americano. A China e países envolventes não querem um conflito
directo, como já demonstrado. Os EUA poderiam sair vitoriosos, mas com custos
para a sua política global demasiado elevados, impossibilitando os EUA de prosseguir
qualquer acto global no after
conflito.
A
solução, a meu ver, deverá passar por um estrangulamento lento da Coreia do Norte,
e neste caso a China será essencial, como já referido, a China continua a ser
uma pilar fortíssimo da Coreia do Norte, mas a mudança do paradigma e da China
poderá permitir (se os EUA souberem aproveitar isso) que esta estrangule muito
lentamente a Coreia do Norte, a um ponto tal que o próprio Estado caia por si próprio,
ou mesmo por revolução interna (talvez um 25 de Abril na Coreia do Norte)
fomentada e alimentada pelos aliados no Pacífico. Desde que impeça uma guerra quente.
A
minha opinião.
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