sábado, 11 de novembro de 2017

O Jovem Príncipe e os milhentos ladrões - Parte I

Siria e Iraque
Na passada quarta-feira, o exército sírio, apoiado pelo poder aéreo russo, assumiu o controle de Albu Kamal - a última base do Daesh na fronteira entre a Síria e o Iraque. Na semana anterior, o exército iraquiano tinha reconquistado Al-Qaim. Al-Qaim era o último cruzamento fronteiriço entre o Iraque e a Síria dominado pelos terroristas islâmicos, depois das forças iraquianas retomarem os cruzamentos de Al-Walid e Rabia, respectivamente, localizados em Anbar e na província de Nínive. As forças sírias e iraquianas encontraram-se na fronteira. O Daesh está derrotado.

No entanto pouca ou nenhuma atenção foi dada a este momento absolutamente critico da luta contra o Daesh pelos media tradicionais que ocupam o espaço publico noticioso do Mundo Ocidental. Não me admira. Esta é uma vitória de Damasco, da Rússia, do Hezbollah, do Irão, de Bagdad e não dos EUA, da casa de Saud e dos EAU.

Líbano
No passada sexta-feira dia 3 de Novembro, vinte e quatro horas de pois de ter regressado ao Líbano, o primeiro ministro Libanês, Saad Hariri, foi chamado de urgência a Riade. Com um discurso particularmente estranho e cheio de invectivas ao Irão e ao Hezbollah, Hariri renunciou em directo na Al Arabiya ao lugar de primeiro ministro libanês. Segundo o seu discurso, a sua vida estava em perigo e o Hezbollah a qualquer momento podia ser o seu executor, tal como já tinha acontecido com o seu pai, assassinado pelo grupo xiita.

Um discurso paradoxal num local estranho. Com uma agenda repleta para segunda-feira e uma governação que apesar de tudo tem sido tranquila mesmo com a presença do Hezbollah, nada antecipava esta cena digna de uma tragicomédia.

No entanto, as palavras que ele leu - escritas para ele - estão inteiramente alinhadas com os discursos do príncipe herdeiro Mohamed bin Salman (MbS) e com Trump e Tilerson que falam do Irão com a mesma raiva, com que a bem pouco tempo brindavam Kim Jong-u.

As reacções não se fizeram esperar. O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, disse que a Arábia Saudita quase declarava uma guerra ao Líbano, fazendo uma "detenção" e colocando em "prisão domiciliária" o primeiro-ministro libanês, Hariri, numa "intervenção saudita sem precedentes" nos assuntos internos do Líbano.

Arábia Saudita (AS)
Todos achámos piada a entrevista do robô Sophia na Websummit em Lisboa. Menos  piada terão achado os onze príncipes, quatro ministros e dezenas de altos funcionários actuais ou antigos, presos sob ordens de um comité anti corrupção recentemente criado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (MbS), pois também eles tinham ido a Riyadh ver a Sophia, a cidadã saudita ( ! ) num evento criado por MbS para atrair investidores para a AS mas que se revelou ser um motivo ideal para reunir num so local todos os que ele queria prender. Quem tentou fugir por perceber o que iria acontecer morreu em situações estranhas.

No sábado 4 de Novembro, os hóspedes do Ritz Carlton de Riyadh foram notificados que: "Devido à reserva imprevista pelas autoridades locais, reserva esta que requeria um elevado nível de segurança, não podemos acomodar os hóspedes ... até que a normalidade seja restaurada”. Esta iria ser a prisão de luxo para os seus familiares e governantes.

A purga, ordenada pelo príncipe herdeiro de 32 anos, Mohammed bin Salman, estava em andamento. Em poucas horas, as forças de segurança reuniram dezenas de membros da elite empresarial e política da Arábia Saudita, principalmente na capital e na cidade costeira de Jeddah.

Oficialmente ao lado de seu pai, o Rei Salman, ele está executar o plano que transformará a Arabia Saudita num moderno Estado. Para fazer isso decidiu capturar a elite saudita, incluindo alguns membros da família real, baseando a sua detenção em acusações de subornos e sobrefacturação de custo dos projectos empresariais públicos.MbS acredita que, a menos que o país mude, a economia vai se afundar numa crise que ameaça a família real e enfraquece o país na sua rivalidade regional com o Irão. Para o rei Salman a purga foi em resposta à "exploração por almas fracas que colocaram os seus próprios interesses acima do interesse público, para, de maneira ilícita, acumularem dinheiro”. Entre os que estão presos no hotel Ritz Carlton, está o príncipe Miteb bin Abdullah, que era o chefe da poderosa Guarda Nacional e o primo do príncipe Mohammed. Foi também preso, o príncipe Alwaleed bin Talal, presidente da empresa de investimentos internacional Kingdom Holding, e primo do príncipe Mohammed, e o príncipe Turki bin Abdullah, ex-governador da província de Riyadh e um filho do falecido rei Abdullah.

Para os adeptos do Herdeiro – A juventude do país, ansiosa por uma mudança social - o seu caminho pode ser o de um ditador esclarecido, mas os seus motivos são justos e devem ser defendidos. A purga representa uma abertura para a luta contra a corrupção, para o islamismo moderado, o fim da segregação entre sexos e a liberalização da vida social. Qual a razão para os sauditas terem simpatia pelos presos se todos eles são uma horda de ricos corruptos, com esquemas criminosos envolvendo suborno e lavagem de dinheiro? 

MbS sabe que no futuro as pessoas serão o seu elemento de criação de valor e não podem continuar a ser um fardo de dependentes de apoios e subsidiação do governo saudita.

O governo da Arábia Saudita precisa de cash e esta purga permiti-lhe também isso. Com uma economia em mau estado, com os preços do petróleo estagnados e com um futuro incerto ao nível das reservas e das tendências do mercado de energia, o pior que podia acontecer aos sunitas da casa de Saud era os Xiitas ganharem predominância no Médio-Oriente. Para isso bastaria que a Síria não mudasse de regime, que o Daesh fosse derrotado, que o Qatar ganhasse a confiança do Irão e da Rússia devido as suas reservas de gás e que o Irão fosse gradualmente tomando conta da região. Para mal do reino são tudo coisas que estão efectivamente a acontecer!

Esta purga dificilmente pode resolver rapidamente as questões externas e internas, A liderança do reino precisa desesperadamente de um inimigo para unir a população e distrair a atenção dos eventos disruptivos que se desenrolam na Arabia Saudita e que garantidamente vão continuar. A retórica bélica contra o Irão, o Líbano e o Hezbollah são o sinal claro disso.

Enquanto o Irão é um actor regional poderoso em termos militares e diplomáticos, o Hezbollah é um ator não estatal que vem crescendo de influência na região. Para Riyadh estes são o grupo inimigo, o alvo a apontar.

Arábia Saudita e Israel são aliados óbvios na sua vontade de destruir o Hezbollah. Em 5 de Novembro, Tel Aviv iniciou o maior exercício aéreo da história de Israel. Os sauditas e os israelitas estão coordenando seus esforços contra o Irão e o Hezbollah, escalando a situação já tensa no Oriente Médio.


Mas sobre isto escreverei no próximo post onde para além de Israel abordarei o papel de Trump e Putin neste novo cenário.


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