sábado, 28 de abril de 2018

Não abram já o Champanhe; os recentes desenvolvimentos Coreanos

I - Contexto

A Coreia do Norte (RPCN) é uma ditadura nacionalista e socialista, que faz do isolacionismo, tradicionalismo e da auto-suficiência a sua essência como nação. Esta afirmação sintetiza o Juche, que é a ideologia da Coreia do Norte (…A concretização da independência política, da auto-suficiência económica e da autonomia da defesa nacional são os princípios que o governo mantém de forma consistente)

A liderança da Coreia do Norte, pela família Kim, considera a aquisição de armas nucleares o único meio de garantir sua sobrevivência regional e mundial. (Deterrence theory). A RPCN tem todo o direito, como Israel ou o Irão, de ter armas nucleares e não vejo que os EUA possam ser definidores de quem possa ou não as ter. Neste post, no entanto, pretendo analisar os recentes esforços no caminho da desnuclearização, dado que é isso que o Mundo Ocidental mais claramente pede à Coreia do Norte.

A Coreia do Norte ratificou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear em 1985, mas retirou-se em 2003, quando foi descoberto que continuava a enriquecer Urânio. Realizou o seu primeiro teste nuclear três anos depois. Desde essa data várias rondas de negociações bilaterais e multilaterais destinadas a desnuclearizar a Coreia do Norte fracassaram. Clinton e Bush foram os grandes perdedores. Pyongyang já assinou dois acordos, tendo-se retirado unilateralmente dos mesmos; o da Agência Internacional de Energia Atómica e o de Não-Proliferação Nuclear. Violou o acordo de desnuclearização inter-coreano, violou o acordo de 1994, a declaração conjunta de 2005 e os acordos dos anos de 2007 e 2012.

Neste momento a Coreia do Norte tem capacidade para atingir os EUA tendo Kim anunciado que a sua politica byungjin foi alcançada.

II – Cenário Futuro

Kim Jong-un afirmou que só se vai desnuclearizar depois de os Estados Unidos e a Coreia do Sul negociarem um tratado de paz com ele para terminar formalmente a Guerra da Coreia. Esse processo já começou no passado dia 26 de Abril, num encontro bilateral com o seu homólogo da Coreia do Sul, Moon Jae-in – um homem que tudo tem feito para a reunificação se dar, apesar de ser considerado por Kim um “fantoche de Trump”.

É meu entendimento que Pyongyang não quer nem a paz nem nenhum tratado. A RPCN quer a negociação de um tratado de paz e quanto mais demorada e inconclusiva for a negociação melhor. Ao levar os Estados Unidos a um processo de paz, Kim espera que o seu estatuto de líder mundial seja credibilizado por se sentar à mesa de Trump, que os seus crimes contra o seu povo sejam relativizados, que o seu regime seja legitimado, que a Coreia do Sul baixe suas defesas. Kim pretende induzir os EUA e a ONU a suspenderem as sanções e, eventualmente, a conseguir que as tropas dos EUA se retirem da Coreia do Sul. Quando chegar a hora da verdade, Pyongyang vai acabar por rejeitar os pedidos de verificação dos EUA e da ONU ao material nuclear e dir-se-á disponível para novas concessões com mais exigências e mais provocações. A tudo isto a China assistirá em silencio.

Eventualmente a única forma de desnuclearizar a Coreia do Norte reside em convencê-la de que se deve desarmar e reformar ou irá desagregar-se como a URSS. Isso exigirá que os Estados Unidos, apoiados pelos seus aliados, continuem uma campanha de subversão política e isolamento financeiro, continuando a sancionar e a apontar quais os bancos chineses que mantêm relações ilegais com bancos norte-coreanos e que têm sido fundamentais para o programa nuclear da RPCN. A pressão internacional para que os bancos relatem a propriedade norte-coreana de ativos offshore tem de ser forte. Esta estratégia, no entanto, é de difícil resolução pois neste momento as relações com Xi Ji Ping não são as melhores, sendo a China para Trump o grande obstáculo a “tornar a América grande outra vez”.

É exequível, no entanto, que os Estados Unidos e a Coreia do Sul continuem a apostar em apoiar activamente as deserções de diplomatas e políticos norte-coreanos como os que expuseram parte da rede de lavagem de dinheiro de Pyongyang.

Não pensem que não concordo que a reunião das Coreias é de facto um objectivo a prosseguir. Se as questões socias e de direitos humanos são inquestionáveis, em termos económicos a reunificação seria muito mais lucrativa do que se pensa. Seul poderia reduzir drasticamente os seus gastos com defesa, que actualmente atinge $ 30 bilhões US por ano, ou 2,5% do PIB. Um número que exclui os $ 1 bilhão US que Washington concede anualmente para ajudar a cobrir os custos da presença militar dos EUA na península. A Coreia do Sul poderia também acabar com o recrutamento universal e reduzir os seus 680.000 militares para 500.000 ou menos, libertando um grande número de pessoas.

Com o tempo, uma Coreia reunificada, com uma população de 75 milhões de trabalhadores, poderia emergir como uma potência industrial e consumidora; uma verdadeira Alemanha da Ásia. À medida que duas economias se unissem novas oportunidades de investimento surgiriam. Segundo um relatório de 2009 do Goldman Sachs, dentro de 30 a 40 anos, a península reunificada, poderia ultrapassar a França, a Alemanha e até o Japão em termos de PIB. Os actuais parceiros comerciais da Coreia do Sul - especialmente os dois maiores, a China e os Estados Unidos - beneficiariam imensamente dessa nova fonte de vitalidade económica.

O facto é que não me parece que assistiremos a este caminho tão depressa, pois não há qualquer indício concreto que Kim abandone a estratégia e as políticas iniciadas por seu avô e continuadas por ele e seu pai. A cimeira com Trump será muito importante na validação ou negação desta hipótese.

O conceito de tempo dos Orientais é diferente do nosso e numa negociação quem quer resultados rápidos parte em desvantagem. Kim tem todo o tempo do Mundo. Trump nem por isso. Por isso malta, não abram já o Champagne.


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