sexta-feira, 28 de julho de 2017

As teorias geopolíticas e a sua influência na doutrina da política externa russa.

              Para além dos obvios interesses energéticos que a Rússia possa ter no Médio Oriente, a teoria politica pura joga, e muito, nas acções da Rússia no Médio Oriente.          
             As normas que regem a acção russa no Médio Oriente são baseadas em vários geopolíticos que podem ser estudados, no entanto, não se pode transportar à letra todas as asserções, regras, leis e postulados que os teóricos explicitaram, para a contemporaneidade e em especial para o paradigma russo.
            No entanto necessitamos perceber esses autores, e de que forma as premissas criadas pelos teóricos se repercutem no caso em estudo. Devemos começar por caracterizar a Rússia no sentido de esta ser uma potência marítima ou terrestre.
Dois autores Alfred Thayer Mahan e Halford Mackinder teorizam sobre o controlo da terra e do mar.
            Mahan afirma que o poder marítimo é vital para qualquer estado que pretenda ser uma grande potência, para além de elevar os três pilares de qualquer grande estado, o pilar militar, o económico e o geopolítico, afirma que a função da Armada é a de manter abertas e seguras as rotas logísticas utilizadas pela marinha mercante. (REIS, 2015, p.25).
            Por outro lado Mackinder foca-se na terra, elaborando o conceito de Heartland. Segundo Mackinder, se uma potência do Heartland conseguir adquirir o controlo do que ele intitula de Crescente Interior, poderá contrapor as potências marítimas. (REIS, 2015, p.27).
            Actualmente existem duas escolas na Rússia, a escola Ocidentalista e a Expansionista.
            A Escola Ocidentalista propõe ideias mais liberais. A Rússia deveria aceitar a proeminência dos EUA, aceitando também o seu lugar na história. Apesar de aceitarem as ideias de Mackinder, dizem que a Rússia não possui forças para rivalizar com os EUA devendo abandonar a proeminência Euro-asiática para os EUA, alinhando-se com a Europa.
            A Escola expansionista (Neoeuroasiática[1]) tem como cabecilha Alexander Dugin. Aliando as ideias de Mackinder e expansionistas da Rússia, tenta-se uma globalização contrária à verificada, criando-se um projecto Euroasiático que nega o atlantismo como preceito universal”(REIS; 2015; p.31), criando um mundo multipolar nas Relações Internacionais.
A escola expansionista divide o mundo pelos paralelos criando as zonas “Anglo-Americana, a zona Euro-Africana, a zona Rússia-Ásia Central e a Zona do Pacifico”(REIS, 2015, p.31). Dentro destas existem outras divisões[3] que obrigariam a Rússia a criar eixos diplomáticos e de cooperação com Teerão, Ankara ou Deli, algo que se constata no terreno.
            Estes vectores diplomáticos, mais as teorias de Dugin e Mackinder, pretendem oferecer à Rússia uma Estratégia para contrariar os EUA.
            Esta Estratégia é contrária as visões mais Liberais das Relações Internacionais, remetendo para uma visão mais Realista. Também é contrária a Boris Yeltsin que assumiu “uma postura de cooperação com o Ocidente” (SOUSA, 2012, p.62). Esta lógica reconhece que a Rússia necessita de criar alianças e de se elevar como potência.
            A Escola Ocidentalista é vista como oposição ao regime que Vladimir Putin, representando os movimentos russos no Médio Oriente uma escolha pela Escola Eurasiática de Dugin.
            As expansões russas para o Médio Oriente vão ao encontro do que teóricos como Friedrich Ratzel e Rudolf Kjellén escreveram. Estes teóricos agarram na Geografia para explicar a necessidade/vontade de expansão dos estados.
            Ratzel na sua obra Anthropogeographie cria postulados e leis para a teoria dos espaços, afirmando que um Estado com um grande espaço tentará expandir-se ainda mais, como verificado na Rússia.
            Um Estado expande-se no seguimento da expansão das suas ideias, da sua produção e da sua actividade missionária, ou seja, um estado tende a expandir-se quando internamente está maduro, algo que se vem a reparar com a Rússia, possuindo esta um regime muito estanque, bloqueando ideias e liberdades que possam criticar ou dar aso a criticas ao regime, como a recente proibição das testemunhas de Jeová[4], ou mesmo criando a sua versão dos Escuteiros, onde as crianças são instruídas no manuseamento de armamento e em tácticas de combate.
            Ratzel e Kjellén serão enormes influências sobre Haushofer, autor que refere as Pan-regiões, estas que irão influenciar as Pan-regiões de Dugin, mas adaptadas à realidade actual.
            Haushofer era um apoiante das teorias do espaço e da autocracia, a necessidade de um estado de possuir um espaço que é determinado pelo poder político e que está ligado à cultura. Este espaço é o espaço vital (Lebensraumm), o espaço que para o poder político é necessário para que o Estado (tido como um ser biológico) se possa satisfazer[5]. A autocracia era necessária pelo espaço vital.
            Haushofer teorizou que estas Pan-Regiões seriam orientadas por um ‘Estado Director’, um estado poderoso regulador da organização da Região, algo que podemos ver a Rússia a querer fazer no Médio Oriente. Já com Haushofer e agora com Dugin, a Rússia está inserida na Pan-Região da Euroásia e pretende ser o seu director através de eixos, eixos que Haushofer teorizava entre os directores para atingir hegemonia mundial como o Berlim-Moscovo. Dugin reformula esses eixos dentro da Pan-região da Euroásia entre Moscovo e Teerão, ou Moscovo-Deli (DUNLOP, 2004, p.11).
            A Pan-Região e o Lebansraumm andam de mãos dadas, visto que o primeiro insere o segundo.
            A tese das novas Pan-regiões de Dugin é entendida por alguns como atrasada, mas uma observação cuidadosa da geopolítica actual permite observar que as Pan-Regiões existem, apenas com outra face e com diferenças fronteiriças. Possuímos hoje a UE, a NAFTA ou a MERCSUL, para além da OCX, desta forma, pode-se afirmar que as Pan-Regiões, para além de serem teorizadas, estão a transformar-se em organizações económicas (Autarcia), visando uma área geográfica específica, demonstrando-se que mesmo mutadas as Pan-Regiões existem.
            Makinder falava ainda de uma área de confronto, o Crescente Interior, mas não estava sozinho, Nicholas Spykman, refere-se a este Crescente como Rimland. Spykman afirma que “Who controls the Rimland rules Eurasia; Who rules Eurasia controls the destinies of the world.”[6].
            Mackinder e Spykman não concordavam a 100%, visto que o primeiro afirmava que a área Pivot possuiria boa parte dos recursos mundiais e que ao ser controlada por uma entidade politica, esta teria a capacidade de conquistar as restantes áreas terrestres, ao que Spykman afirmava que a área Pivot era o Crescente Interior renomeado de Rimland, e que esta zona teria de ser disputada pelas potencias marítimas e terrestres decidindo o acesso ao mar e a hegemonia mundial.
            A URSS possuía em parte o controlo do Rimland com o controlo de áreas da Europa, a sul do Cáucaso, e as áreas asiáticas como o Uzbequistão ou Turquestão que adquiriram a sua independência após 1991. A retracção da Rússia neutralizou a sua profundidade estratégica, algo que as potências terrestres necessitam.
            Com a queda da URSS a Rússia intitula-se como sua herdeira conseguindo manter-se como super-potência, mantendo o seu assento no Concelho de Segurança da ONU. Mas surge uma nova dinâmica internacional. Surge uma dinâmica Unilateral dos EUA durante a década de 1990 e o início dos anos 2000, mas a partir de 2000 nota-se uma multiplicação de conflitos regionais, étnicos e religiosos, tal como uma maior relevância das Potências Regionais.
            Zbigniew Brzezinski e Saul Cohen trabalham o pós URSS. O primeiro referindo-se à Rússia e o segundo ao MO.
            Brzezinski interpreta as consequências do grande recuo da Rússia, afirmando que o centro do poder continua a ser a Euroásia. Reitera que apesar de a URSS ter acabado, o poder americano tenderá a diminuir com o tempo e que a emergência de poderes regionais na Euroásia terá de ser manuseado pelos EUA[8]. A emergência de um mapa pluralista na Euroásia tem de ser gerido, impedindo uma coligação de estados que neutralizem a influência dos EUA. Os EUA deveriam apoiar-se numa Europa coesa, e partilhar o comando NATO (BRZEZNSKI, 1997, p.197-198) . Isto já se verificou com a postura de Obama “leading from behind” nas operações na Líbia oferecendo o palco à França.
            Brzezinski avisa que “all of Russia's newly independent western neighbors are anxious to have a stable and cooperative relationship with Russia, the fact is that they continue to fear it for historically understandable reasons.”(BRZEZNSKI, 1997, p.201), vendo-se ao sul do Cáucaso uma mistura de republicas auto proclamadas que vêm na Rússia a seu apoio.
            Brzezinski afirma ainda que existem áreas a que ele chama de Pivots Geopolíticos onde actores que o autor intitula de Actores Geoestratégicos actuam para elevar os seus interesses.
            Brzezisnki insere no Médio Oriente quase todos os Pivots Geopolíticos (Turquia, Irão e Azerbaijão), mas neste contexto deve-se referir a Ucrânia. Apesar de não se inserir no Médio Oriente há que tomar em conta que o New-Type Of War desenvolvido pela Rússia. Aplicado primeiramente na Ucrânia e na anexação da Crimeia, possibilitou que a Rússia se apercebesse que a UE e os EUA não iriam para além das normais sanções, oferecendo espaço de manobra à Rússia para avançar sem grandes, para além de que assegurou uma importantíssima parte da costa do Mar Negro onde a Rússia possui uma enorme e importante base naval.
            Quanto aos Actores Geoestratégicos o autor refere a França e a Alemanha. Como se pode verificar no pós Brexit, um forte eixo Paris Berlim será responsável por uma política forte e assertiva, demonstrando vontade de atingir objectivos concretos, mas havendo fraqueza neste eixo, existe fraqueza e divisão na UE, sendo isso que a Rússia quer de maneira a poder actuar mais à vontade no Médio Oriente.
            Por fim o autor referencia a Índia, a China e a Rússia. A Índia é uma futura ambição russa no que toca à criação de um eixo de amizade e como tal o acesso ao Oceano Indico que começa a ser contestado pela Índia, China e EUA.
            A China para além dos seus desenvolvimentos marítimos tem desenvolvido uma nova Silk Road que passa pelos territórios da antiga URSS e pelo Médio Oriente gerando riqueza e passagem de riqueza, aumentando assim ainda mais o valor do Médio Oriente.
            Saul Cohen escreve sobre o que chama de Shatterbelts afirmando que o Médio Oriente é um destes Shaterbelts. Estas zonas são fonte de confrontos sistémicos e palco de confronto entre potências mundiais, possuindo também riquezas desejadas pelas mesmas. Cohen escreve também sobre os Gateways, dizendo que são “points of entry into autonomous or semi-autonomous heartlands.”[9], como é o exemplo do Cáucaso.
            Cohen acredita que o mundo definirá os conflitos entre linhas ideológicas e económicas, algo evidenciado no Médio Oriente. Cohen categoriza os intervenientes em vários escalões, do sub-nacional ao global, verificado no Médio Oriente, possuindo-se actores que vão desde células terroristas autónomas sem afiliação, passando por organizações estatais que funcionam com alguma independência, aos estados, potências regionais e potências globais como os EUA e Rússia.
            Este bloco eurasiático anti-América, liderado por uma potência terrestre, é visto no Médio Oriente com a Síria, Irão, Turquia e Egipto, tendo a Rússia como ‘Estado Director’.
            Os recursos são hoje em dia factor de confronto, sendo o confronto no MO realizado no palco de civilizações milenares e pelos seus recursos.
            Samuel Huntington e Michael Klare são dois autores que escrevem sobre estes assuntos.
Huntington escreve sobre o primado das civilizações e de como estas são definidas por elementos (língua, costumes, história, religião, ect.) e objectivos (HUNTINGTON, 1999).
Klare escreve que os conflitos do futuro terão por base a posse dos recursos naturais.
Se colocarmos as zonas do mapa que possuem conflitos sistémicos de antigas civilizações (Huntington), sobrepondo as zonas do mapa que possuem os recursos (Klare), então evidencia-se o Shatterbelt de Cohen, correspondendo no caso em estudo, ao Médio Oriente. 
Klare afirma que as guerras do futuro serão pelos recursos, podendo-se colocar paralelamente a ideia de autocracia de Haushofer, além dos postulados e leis de Ratzel que afirmam que a expansão de um Estado procura saciar as suas necessidades.
Por fim temos de caracterizar a Rússia. Para isso será útil olhar para Raul Castex com a sua teoria do perturbador continental e para Henri Pirenne e a sua definição de nações epirocráticas.
Pirenne descreve estas como sendo “introvertidas, vivendo voltadas para os seus próprios valores que sublinhariam e estimulariam, cultivando a ideia de superioridade étnica, recusando aculturações, sendo constituídas por grupos sociais fechados, com estruturas muito coesas, cm que o indivíduo se submete ao grupo intolerante e rigidamente disciplinado.” (MARTINS, p.49), inserindo-se aqui a Rússia. Pirenne introduz ainda as ideias de «maritimidade» e «continentalidade», definindo as características de uma potência terrestre ou marítima.
A Rússia encaixa na definição de «continentalidade» tendo pouca história marítima, fracas características geográficas para uma forte relação com o mar e possui um vasto território continental, o que segundo Pirenne promove a «continentalidade», indo ao que Maham usa para caracterizar um Estado terrestre em oposição ao marítimo. (MARTINS, p. 49-54).
Castex afirma existirem duas potências perturbadoras, a Alemanha e a Rússia. Apesar de ser um teórico do poder marítimo escreve sobre as características dos Estados de eminência terrestre que correm para o mar.
Castex cria o conceito de «Posições Geobloqueantes», descrevendo estas como “posições geográficas dos territórios de determinados Estados, com potencialidades para interceptar saídas das armadas de outros Estados para o mar livre. ou para dominarem importantes rotas que sirvam esses outros Estados.” (MARTINS, p.59). .Para aceder ao mar aberto a Rússia possui imensos estados que possuem «Posições Geobloqueantes», integrados numa união (NATO) hostil à Rússia. Assim tem de procurar zonas de saídas alternativas através dos Gateways de Cohen, que no caso da Rússia será o Cáucaso oferecendo-lhe acesso ao Shatterbelt do MO.
Após esta análise teórica pode-se concluir que Alexander Dugin define a política externa russa como expansionista (apoiado em vários autores), mas uma expansão de influências permitindo um acesso ao mar aberto.
A Rússia aplica-se em bases de apoio como a Síria, Irão e Egipto à parte de uma Turquia que tende para ser – tanto quanto lhe é possível – autónoma na região.
A partir de 2008 a Geórgia passou a estar sobre o controlo russo, aliando-se a Síria a isto, está constituída a Gateway russa para o Sul. Aliado a isto também está o emprego das Forças Armadas russas na Síria para o mantimento do regime de Assad, este regime que lhe é favorável precisando do apoio russo.
A capacidade de apoio e mantimento da Síria para o lado russo, possibilita que mais estados possam tender para um bloco pró russo capaz de contra balançar o bloco pró EUA, criando uma nova bipolaridade evidente num mundo cada vez mais polarizado, onde os conflitos regionais servem para desestabilizar os vários lados.
O Irão tem sido hostilizado pelos EUA, e tem possuído um combate aguerrido contra o EI que tem também criado problemas na Síria e no Iraque.
O Egipto, tal como a Turquia, possuem posições geográficas que bloqueiam a saída da Rússia, mas, uma aproximação diplomática por parte da Rússia a estes países permite o desbloquear dos estreitos que se tornam cada vez mais importantes ao tráfego marítimo internacional.
Para finalizar existe que tomar as ideias de Vladímir Jirinóvski, ele que propões uma redefinição das esferas de influência, caído para a Rússia, o Báltico, Afeganistão, Irão e Turquia (NOGUEIRA; 2011; p.439).



[1]é uma reformulação do Eurasianismo, movimento político que surge na década de 1920 como resposta aos movimentos eslavófilo e ocidentalista do séc. XIX. Seus fundadores foram o linguista Nikolai S. Trubetskoy, o historiador Peter Savitsky, o teólogo G.V. Florovsky e o geógrafo e filósofo Lev Gumilev.”. Em: SOUSA, Danilo Rogerio; A Nova Geopolítica Russa e o Euroasianismo; Revista de Geopolítica, Natal - RN, v. 3, nº 2, p. 61 – 70, jul./dez. 2012; p. 67.
[5]A teoria do “espaço vital” (Lebensraum) foi perspectivada pela geopolítica alemã tendo por base organicismo de Kjellén e as “leis do crescimento” de Ratzel. Para o autor, o conceito de “fronteira” situava-se mais além do seu valor jurídico, devendo antes ser perspectivada como confluência de factores históricos, geográficos ou biológico.”. Em: FREITAS, Jorge Manuel da Costa; Karl Haushofer, Geopolitik e Actualidade: breves notas; Revista Militar N.º 2434 ; Novembro de 2004; p.3
[6] World War II Geostrategy: The Heratland and Rimland Theories. Em: http://www.carolmelton.com/399B6_mackinder.pdf 

[8]the very scale and diversity of Eurasia, as well as the potential power of some of its states, limit the depth of American influence and the degree of control over the course of events.”. BRZEZNSKI, Zbigniew; The grand Chessboard. America Primacy and its Geostratigic Imperatives; Sasic; 1997; p. 197-198.

Os desafios do Japão


Como irá reagir o Japão ?

O Japão é formado por uma cadeia montanhosa e vulcânica situada no oeste do Oceano Pacífico. As suas ilhas vão desde a Rússia no norte até à península coreana no sul. O país tem quatro ilhas principais, Hokkaido, Honshu, Shikoku e Kyushu, além de milhares de pequenas ilhas que se estendem através da cadeia das ilhas Ryukyu no Mar da China Oriental.

O terreno acidentado do Japão e a falta de rios isolaram a sua população em planícies costeiras separadas e densamente povoadas. A planície de Yamato, actual região de Kansai, que domina o "Mar Interior", é o local de nascimento da civilização japonesa. O Mar Interior viu o surgimento da cultura marítima japonesa e facilitou a comunicação e o controle político. À medida que a cultura japonesa se expandia sobre a ilha, a sede do poder mudou-se para a planície de Kanto mais produtiva e estrategicamente melhor localizada na região central do Japão - lar de Tóquio, a maior área metropolitana do mundo.

O principal desafio geográfico do país é sustentar a sua enorme população numa ilha com poucas terras aráveis e poucos recursos naturais.

A geografia do Japão levou o país a alternar entre períodos de isolacionismo e de expansão. Quando o Japão se unifica sob forte controle centralizado é muitas vezes atraído para os recursos e terras do continente. Isso aconteceu no final dos anos 1500 e novamente no início dos anos 1900, levando à Segunda Guerra Mundial. Dada a sua localização, a península coreana tem sido o corredor de invasão clássico do Japão à China e permanece de importância estratégica para Tóquio.

A falta de recursos naturais no Japão continua a forçar o país a ir procurá-los no exterior, deixando o país num equilíbrio difícil entre o domínio da marinha norte-americana, sua aliada, e os interesses marítimos expansionistas da China.

A Revolução Industrial na Inglaterra levou ao declínio da nobreza e o aumento do poder industrial e comercial deu lugar a ajustes sociais e muita agitação política. A França fez o mesmo, com o reino do terror de Robespierre. A industrialização russa envolveu um holocausto. Em quase todas as nações, a industrialização foi acompanhada de agitação social e violência. A transição do feudalismo agrário para o industrial teve sempre sangue.

O Japão é a excepção. Nunca sofreu uma revolução social apesar da velocidade da transformação e das descontinuidades que ela trouxe a sua sociedade. No Japão, os nobres tornaram-se os industriais e defensores da guerra. As indústrias que eles criaram continuam hoje a apoiar a política mercantilista e o aumento do consumo interno, além de apoiarem a democracia japonesa.

As grandes aglomerações japonesas têm a sua herança nos nobres negociantes do século XIX. Estes não hesitaram em se envolver no comércio ao contrário do que parte da nobreza europeia fez. Foram grandes facilitadores da transição do feudalismo para o capitalismo.

O sistema feudal japonês permaneceu, transformando-se. Em essência, as propriedades feudais tornaram-se indústrias feudais, e as indústrias feudais tratavam os seus trabalhadores como escravos. Os trabalhadores deveriam dar a sua lealdade à empresa e, por sua vez, a empresa deveria cuidar do trabalhador. Esta filosofia mantém-se. No Japão, não há uma simples relação entre empresa / trabalhador mas sim uma relação social de obrigação mútua. Os trabalhadores japoneses orgulham-se do prestígio da empresa para a qual trabalham, e eles trabalham para essa empresa, em muitos casos, durante toda a vida. As indústrias, por sua vez, têm como política a manutenção de trabalhadores, mesmo em tempos difíceis, mesmo com o custo de não maximizar o lucro plenamente. Mas se austeridade é necessária, os trabalhadores japoneses são solidários na austeridade.

Desde 1945 que o Japão confia nos Estados Unidos para proteger o seu acesso aos recursos que necessita. Mas, neste mundo realista, confiar em qualquer nação é arriscado e, se os EUA se desinteressarem da zona e não mantiverem abertas as faixas do mar, a indústria do Japão ficará parada. Apesar da China e da perigosa Coreia do Norte, o Japão continua a confiar nos Estados Unidos para sua defesa. A forma como ele irá reagir a tudo o que se está a passar dependerá de Trump. Se os EUA mudarem de interesses, o Japão mudará de direcção novamente. Mudará com a mesma unidade nacional que tem sido sua força desde a sua revolução industrial.


sexta-feira, 14 de julho de 2017

E agora, para onde vão os terroristas ?

A queda de Mossul e o anúncio da morte de Abu Bakr al-Baghdadi são golpes duríssimos no Daesh. As tropas iraquianas têm o controle quase completo de Mossul e os curdos têm a capital do auto proclamado Estado Islâmico, Raqqa cercada. A destruição da Mesquita de al-Nuri é simbolicamente o aceitar da derrota.

O grupo jihadista não só perdeu mais de 60% do território que ocupava na fronteira iraquiana-síria, perdeu também mais de 80% de sua receita, de acordo com a consultora IHS Markit, com sede em Londres. Os rendimentos mensais, que no segundo trimestre de 2015 eram de 81 milhões de dólares (70,9 milhões de euros), baixaram, no segundo semestre de 2017, para 16 milhões de dólares (14 milhões de euros). O Daesh controlou 90.800 km2 de terra a partir desde Janeiro de 2015. Dois anos e meio depois o grupo só detém 36.200 km2.

Mas, se o Daesh cair o que acontece aos terroristas islâmicos? O mais provável é que se distribuam por estados frágeis ou falhados ou onde os níveis de instabilidade política e económica sejam elevados. Isto associado a um caldo cultural/religioso que sejam potenciador da sua presença. Eles irão para onde há guerra ou onde ela está iminente.

Líbia
Depois da queda do Governo de Kadhafi, em 2011, a Líbia ficou mergulhada no caos e na anarquia, e o Daesh não demorou em decidir expandir-se para esse território do norte de África. Os primeiros representantes deste grupo chegaram ao país em 2014 e conseguiram convencer os islamistas a jurar lealdade a al-Bagdadi.

O terroristas tinham como objectivo espalhar o Islão por toda a África do Norte, começando pela Líbia. Em Dezembro de 2016 sofreram uma importante derrota em Sirte, mas, infelizmente, a resistência dos radicais continua, tendo eles se deslocado para oeste.

Hoje em dia, o país africano é assolado por uma enorme instabilidade. Com nacionalistas e islâmicos lutando politicamente por um governo centralizado e onde as tribos e os elementos pro-Khadafi  têm uma palavra a dizer, num pais onde os grandes poderes ocidentais oscilam entre quem devem apoiar, a Líbia, na verdade, parece um lugar muito atraente para o Daesh recomeçar e se reerguer.

Iémene
Outro país destruído por um conflito armado é o Iémene. A guerra civil entre rebeldes houtis e o actual Governo, apoiado pela Arábia Saudita, dura desde 2015. Durante estes dois anos o grupo terrorista sunita Al-Qaeda, aproveitou para crescer na região.

Para os terroristas, o Iémene é o campo de batalha ideal. O único obstáculo para os integrantes do Daesh é a Al-Qaeda, o seu inimigo principal. Os radicais do Estado Islâmico mostram-se pouco dispostos a fazer as pazes com o seu rival, numa geografia com todos os ingredientes para disseminar o seu califado.

Indonésia
A actividade dos terroristas islâmicos tem aumentado no Sudeste Asiático, região com um número significativo de muçulmanos. A Indonésia, o país com a maior população muçulmana do mundo, é obviamente um local de aposta. As autoridades reconhecem que existem células de jihadistas em quase todas as províncias da Indonésia que esperam ordens para lançar os seus ataques. O obstáculo principal para o Daesh neste país é a ideologia dominante da Indonésia, a Pancasila, proclamada um pouco antes de o país se tornar independente. Esta filosofia estatal promove a fé em Deus, a democracia, a justiça social e a unidade do povo indonésio.

Por agora, Jacarta está a ganhar a batalha contra o Daesh, mas não se sabe se será capaz de lidar com esse problema no futuro, quando os terroristas chegarem massivamente, por exemplo, da Síria.

Filipinas
o presidente Duterte enfrentou uma crise complexa na sua ilha natal em Mindanao. Durante quase um mês, os soldados do governo lutaram para libertar Marawi, a maior cidade muçulmana do país, de terroristas afiliados do Daesh e liderados pelo Maute Group , uma organização jihadista filipina que sitiou a cidade em 23 de maio

O cerco de Marawi faz parte de uma onda de ataques de grupos afiliados ao ISIS que procuram estabelecer uma província do Estado islâmico, nas Filipinas. Nos últimos dias, outros grupos com vínculos ao ISIS, nomeadamente os famosos combatentes da liberdade islâmica de Bangsamoro, lançaram ataques simultâneos em outras partes de Mindanao, aumentando a perspectiva de que o terrorismo se espalhará além de Marawi. Duterte advertiu mesmo sobre a possibilidade de uma guerra civil em Mindanao, quando as comunidades cristãs optarem por se armarem contra os extremistas muçulmanos como fizeram durante anteriores conflitos na ilha.

Tajiquistão
Entre os países da Ásia Central que, no passado, fizeram parte da União Soviética, talvez o mais destacado na ofensiva jihadista seja o Tajiquistão. Os naturais deste país são alguns dos mais ativos combatentes do Daesh. Por sorte, o próprio Tajiquistão ainda não tem uma presença considerável de jihadistas no seu território.

Duas décadas após a independência e uma guerra civil, o Tajiquistão continua a ser o país mais pobre da Ásia Central. As remessas de trabalhadores migrantes representam quase metade de sua economia. O governo congratula-se com o investimento estrangeiro, mas a corrupção limita as oportunidades de investimento. Este é um cenário atractivo para a crescente radicalização que tanto preocupa a Rússia de Putin.

As autoridades tomaram medidas muito duras de contenção e, em particular, fecharam centenas de pequenas mesquitas que não tinham licença, proibiram a indumentária muçulmana nas escolas e nos postos de trabalho, fecharam dezenas de lojas de roupas islâmicas e impediram a assistência a menores de 18 anos nas mesquitas.

Depois da guerra a politica
Carl Von Clausewitz, um dos maiores estrategas militares da história chamou a guerra de "uma extensão da política por outros meios".

O que ele também quis dizer com isso é que, se uma acção militar for bem sucedida, ela não pode ficar falha de acções diplomáticas e políticas. A menos que haja uma estratégia sólida e sustentável, a guerra voltará. No mundo de hoje, em que enfrentamos o terrorismo organizado, não é de uma guerra entre exércitos uniformizados e nações soberanas que falamos, mas de algo híbrido e assimétrico.

Estes conflitos estão enraizados nas pessoas e são elas que formam os Estados. Estão inscritos nas ideologias e na religião, nas fricções sectárias, na exclusão política e na marginalização social, no acesso aos recursos e a sua distribuição. Há uma longa lista de causas e condições básicas que não respondem à força-bruta da guerra, que não podem ser "bombardeadas" fisicamente e desaparecer.

Por outras palavras, se a derrota do Daesh não for enquadrada dentro de um plano claro e realista para realizar o trabalho humano, político, diplomático e de desenvolvimento necessário para corrigir os problemas que o originaram, do qual o problema central é o intervencionismo ocidental, a guerra e o terrorismo continuarão.


sábado, 8 de julho de 2017

Trump na Polonia; O Domínio do Ocidente


“The fundamental question of our time is whether the West has the will to survive. Do we have the confidence in our values to defend them at any cost? Do we have enough respect for our citizens to protect our borders? Do we have the desire and the courage to preserve our civilization in the face of those who would subvert and destroy it”

Donald Trump foi aclamado no passado dia 6 de Julho em Varsóvia. A Polónia, um dos países Europeus com quem os burocratas da EU mais se desconfortam, um país nacionalista e vincadamente anti-emigração, um país profundamente católico, reconheceu-se no discurso do Presidente americano e agradeceu esse reconhecimento. 

“The story of Poland is the story of a people who have never lost hope, who have never been broken and who have never, ever forgotten who they are.”





“As I stand here today before this incredible crowd, this faithful nation, we can still hear those voices that echo through history. Their message is as true today as ever. The people of Poland, the people of America and the people of Europe still cry out, "We want God."

Quando os globalistas e os progressistas falam sobre direitos humanos ou valores universais, falam de valores que emergiram do Ocidente e no Ocidente, produtos de sua história e cultura.

Quando os globalistas e progressistas anti-Trump dizem que os Estados Unidos devem melhorar a sua justiça aprendendo com as outras nações, eles não apontam para a lei chinesa ou para as escolas de jurisprudenciais do Cairo, eles apontam para os tribunais da Europa Ocidental. O desejo de ver "direitos humanos" e "valores universais" espalhados por todo o mundo é essencialmente ocidental.

“While we will always welcome new citizens who share our values and love our people, our borders will always be closed to terrorism and extremism of any kind.”

É verdade que o Ocidente tem uma história de intolerância, de atrocidades e intervencionismo, mas uma parte central do modus operandi do Ocidente tem sido examinar o que é melhor noutras culturas e na nossa, apropriando o que há para apropriar e modificando o que há para modificar. O Ocidente, historicamente, tem mais interesse nas outras culturas e civilizações do que qualquer outro. Celebrar a nossa longa história de curiosidade pelo outro e tolerância não é fanatismo nem fobia. Quem cria essas verdades é desonesto.

No discurso feito, com ataques a Rússia “We urge Russia to cease its destabilizing activities in Ukraine and elsewhere and its support for hostile regimes, including Syria and Iran, and to instead join the community of responsible nations in our fight against common enemies and in defense of civilization itself.” talvez “embriagado” pela apologia polaca, Trump centrou no nacionalismo - conceito frágil que assenta a sua razão de ser em dizer "nós estamos certos (moralmente e racionalmente) porque somos desta nação" - a superioridade Ocidental.  O conceito de Ocidente que defendo e que digo sem apelo que é de facto dominante e consideravelmente superior ao não-ocidente assenta em valores e em conceitos manifestamente culturais e filosóficos. É uma ideia, um conceito. A sua raiz é cristã e não se esgota na nação, pelo contrario, é universalista e tolerante para com o outro que é diferente, seja de que nação seja. 

“We empower women as pillars of our society and of our success. We put faith and family, not government and bureaucracy, at the center of our lives.”

Este Ocidente que eu defendo inclui a maioria da cristandade fora do mundo islâmico, incluindo territórios e nações que ele classifica como ortodoxos, latino-americanos e africanos. Todos estes beneficiam da mesma herança e se esforçam, nas palavras de Trump, para "valorizar a dignidade de toda vida humana, proteger os direitos de cada pessoa e compartilhar a esperança de que cada alma viva em liberdade". E essa é a grande vitoria, o resultado desse domínio que Ian Morris tão bem descreveu.

“Those heroes remind us that the West was saved with the blood of patriots, that each generation must rise up and play their part in its defense and that every foot of ground and every last inch of civilization is worth defending with your life.

Our own fight for the West does not begin on the battlefield. It begins with our minds, our wills and our souls. Today, the ties that unite our civilization are no less vital and demand no less defense than that bare shred of land on which the hope of Poland once totally rested.

Our freedom, our civilization and our survival depend on these bonds of history, culture and memory. And today, as ever, Poland is in our heart, and its people are in that fight.

Foi um excelente discurso, completamente ostracizado pela grande maioria dos media nacionais, feito, segundo dizem, por Steve Bannon. Nenhum líder Europeu tem neste momento capacidade ( e coragem ?) para fazer algo similar.

Mesmo que eu não concorde com Trump sobre a gravidade que ele entende existir em algumas ameaças externas à nossa civilização, acredito que ela está a passar por uma profunda crise. Eu agnóstico confesso, penso que a civilização Ocidental sofre esta crise por ter perdido a esperança nas ideias e ideologias que ela usou como substitutos da fé católica. A Polónia sabe isso.

ps: em ITALICO extractos do discurso de Donald Trump em Varsovia, no dia 6 de Julho