Para além dos obvios interesses energéticos que a Rússia possa ter no Médio Oriente, a teoria politica pura joga, e muito, nas acções da Rússia no Médio Oriente.
As
normas que regem a acção russa no Médio Oriente são baseadas em vários geopolíticos que
podem ser estudados, no entanto, não se pode transportar à letra todas as
asserções, regras, leis e postulados que os teóricos explicitaram, para a
contemporaneidade e em especial para o paradigma russo.
No entanto necessitamos perceber
esses autores, e de que forma as premissas criadas pelos teóricos se repercutem
no caso em estudo. Devemos começar por caracterizar a Rússia no sentido de esta
ser uma potência marítima ou terrestre.
Dois
autores Alfred Thayer Mahan e Halford Mackinder teorizam sobre o controlo
da terra e do mar.
Mahan
afirma que o poder marítimo é vital para qualquer estado que pretenda ser uma
grande potência, para além de elevar os três pilares de qualquer grande estado,
o pilar militar, o económico e o geopolítico, afirma que a função da Armada é a
de manter abertas e seguras as rotas logísticas utilizadas pela marinha
mercante. (REIS, 2015, p.25).
Por outro lado Mackinder foca-se na terra, elaborando o conceito de Heartland. Segundo Mackinder, se uma potência do Heartland
conseguir adquirir o controlo do que ele intitula de Crescente Interior, poderá contrapor as potências marítimas. (REIS,
2015, p.27).
Actualmente existem duas escolas na
Rússia, a escola Ocidentalista e a Expansionista.
A Escola Ocidentalista propõe ideias
mais liberais. A Rússia deveria aceitar a proeminência dos EUA, aceitando
também o seu lugar na história. Apesar de aceitarem as ideias de Mackinder, dizem que a Rússia não possui
forças para rivalizar com os EUA devendo abandonar a proeminência Euro-asiática
para os EUA, alinhando-se com a Europa.
A Escola expansionista (Neoeuroasiática[1])
tem como cabecilha Alexander Dugin. Aliando
as ideias de Mackinder e
expansionistas da Rússia, tenta-se uma globalização contrária à verificada,
criando-se um projecto Euroasiático que “nega
o atlantismo como preceito universal”(REIS; 2015; p.31), criando um mundo
multipolar nas Relações Internacionais.
A
escola expansionista divide o mundo pelos paralelos criando as zonas “Anglo-Americana, a zona Euro-Africana, a
zona Rússia-Ásia Central e a Zona do Pacifico”(REIS, 2015, p.31).
Dentro destas existem outras divisões[3]
que obrigariam a Rússia a criar eixos diplomáticos e de cooperação com Teerão,
Ankara ou Deli, algo que se constata no terreno.
Estes vectores diplomáticos, mais as
teorias de Dugin e Mackinder, pretendem oferecer à Rússia
uma Estratégia para contrariar os EUA.
Esta Estratégia é contrária as
visões mais Liberais das Relações Internacionais, remetendo para uma visão mais Realista. Também é
contrária a Boris Yeltsin que assumiu
“uma postura de cooperação com o Ocidente”
(SOUSA, 2012, p.62). Esta lógica reconhece que a Rússia necessita de criar
alianças e de se elevar como potência.
A Escola Ocidentalista é vista como
oposição ao regime que Vladimir Putin,
representando os movimentos russos no Médio Oriente uma escolha pela Escola Eurasiática
de Dugin.
As expansões russas para o Médio Oriente vão ao
encontro do que teóricos como Friedrich
Ratzel e Rudolf Kjellén escreveram.
Estes teóricos agarram na Geografia para explicar a necessidade/vontade de
expansão dos estados.
Ratzel
na sua obra Anthropogeographie cria
postulados e leis para a teoria dos espaços, afirmando que um Estado com um
grande espaço tentará expandir-se ainda mais, como verificado na Rússia.
Um Estado expande-se no seguimento
da expansão das suas ideias, da sua produção e da sua actividade missionária,
ou seja, um estado tende a expandir-se quando internamente está maduro, algo
que se vem a reparar com a Rússia, possuindo esta um regime muito estanque,
bloqueando ideias e liberdades que possam criticar ou dar aso a criticas ao
regime, como a recente proibição das testemunhas de Jeová[4], ou mesmo criando a sua versão dos Escuteiros, onde as crianças são instruídas no manuseamento de armamento e em tácticas de combate.
Ratzel
e Kjellén serão enormes influências
sobre Haushofer, autor que refere as
Pan-regiões, estas que irão influenciar as Pan-regiões de Dugin, mas adaptadas à realidade actual.
Haushofer
era um apoiante das teorias do espaço e da autocracia, a necessidade de um
estado de possuir um espaço que é determinado pelo poder político e que está
ligado à cultura. Este espaço é o espaço vital (Lebensraumm), o espaço que para o poder político é necessário
para que o Estado (tido como um ser biológico) se possa satisfazer[5]. A
autocracia era necessária pelo espaço vital.
Haushofer
teorizou que estas Pan-Regiões
seriam orientadas por um ‘Estado Director’, um estado poderoso regulador da
organização da Região, algo que podemos ver a Rússia a querer fazer no Médio Oriente. Já
com Haushofer e agora com Dugin, a Rússia está inserida na Pan-Região da Euroásia e pretende ser o
seu director através de eixos, eixos que Haushofer
teorizava entre os directores para atingir hegemonia mundial como o
Berlim-Moscovo. Dugin reformula esses
eixos dentro da Pan-região da Euroásia entre Moscovo e Teerão, ou Moscovo-Deli
(DUNLOP, 2004, p.11).
A Pan-Região e o Lebansraumm andam de mãos dadas, visto
que o primeiro insere o segundo.
A tese das novas Pan-regiões de Dugin é entendida por alguns como
atrasada, mas uma observação cuidadosa da geopolítica actual permite observar
que as Pan-Regiões existem, apenas com outra face e com diferenças
fronteiriças. Possuímos hoje a UE, a NAFTA ou a MERCSUL, para além da OCX,
desta forma, pode-se afirmar que as Pan-Regiões, para além de serem teorizadas,
estão a transformar-se em organizações económicas (Autarcia), visando uma área
geográfica específica, demonstrando-se que mesmo mutadas as Pan-Regiões
existem.
Makinder
falava ainda de uma área de confronto, o Crescente
Interior, mas não estava sozinho, Nicholas
Spykman, refere-se a este Crescente como Rimland. Spykman afirma que “Who controls the
Rimland rules Eurasia; Who rules Eurasia controls the destinies of the world.”[6].
Mackinder
e Spykman não concordavam a 100%,
visto que o primeiro afirmava que a área Pivot
possuiria boa parte dos recursos mundiais e que ao ser controlada por uma
entidade politica, esta teria a capacidade de conquistar as restantes áreas
terrestres, ao que Spykman afirmava
que a área Pivot era o Crescente Interior renomeado de Rimland,
e que esta zona teria de ser disputada pelas potencias marítimas e terrestres
decidindo o acesso ao mar e a hegemonia mundial.
A URSS possuía em parte o controlo
do Rimland com o controlo de áreas da
Europa, a sul do Cáucaso, e as áreas asiáticas como o Uzbequistão ou Turquestão
que adquiriram a sua independência após 1991. A retracção da Rússia neutralizou
a sua profundidade estratégica, algo que as potências terrestres necessitam.
Com a queda da URSS a Rússia
intitula-se como sua herdeira conseguindo manter-se como super-potência,
mantendo o seu assento no Concelho de Segurança da ONU. Mas surge uma nova dinâmica internacional.
Surge uma dinâmica Unilateral dos EUA durante a década de 1990 e o início dos
anos 2000, mas a partir de 2000 nota-se uma multiplicação de conflitos
regionais, étnicos e religiosos, tal como uma maior relevância das Potências
Regionais.
Zbigniew
Brzezinski e Saul Cohen trabalham
o pós URSS. O primeiro referindo-se à Rússia e o segundo ao MO.
Brzezinski
interpreta as consequências do grande recuo da Rússia, afirmando que o centro
do poder continua a ser a Euroásia. Reitera que apesar de a URSS ter acabado, o
poder americano tenderá a diminuir com o tempo e que a emergência de poderes
regionais na Euroásia terá de ser manuseado pelos EUA[8]. A
emergência de um mapa pluralista na Euroásia tem de ser gerido, impedindo uma
coligação de estados que neutralizem a influência dos EUA. Os EUA deveriam
apoiar-se numa Europa coesa, e partilhar o comando NATO (BRZEZNSKI, 1997, p.197-198) . Isto já se
verificou com a postura de Obama “leading
from behind” nas operações na Líbia oferecendo o palco à França.
Brzezinski avisa que “all
of Russia's newly independent western neighbors are anxious to have a stable
and cooperative relationship with Russia, the fact is that they continue to
fear it for historically understandable reasons.”(BRZEZNSKI, 1997, p.201),
vendo-se ao sul do Cáucaso uma mistura de republicas auto proclamadas que vêm
na Rússia a seu apoio.
Brzezinski
afirma ainda que existem áreas a que ele chama de Pivots Geopolíticos onde actores que o autor intitula de Actores Geoestratégicos actuam para
elevar os seus interesses.
Brzezisnki
insere no Médio Oriente quase todos os Pivots
Geopolíticos (Turquia, Irão e Azerbaijão), mas neste contexto deve-se
referir a Ucrânia. Apesar de não se inserir no Médio Oriente há que tomar em conta que o New-Type Of War desenvolvido pela
Rússia. Aplicado primeiramente na Ucrânia e na anexação da Crimeia,
possibilitou que a Rússia se apercebesse que a UE e os EUA não iriam para além
das normais sanções, oferecendo espaço de manobra à Rússia para avançar sem
grandes, para além de que assegurou uma importantíssima parte da costa do Mar
Negro onde a Rússia possui uma enorme e importante base naval.
Quanto aos Actores Geoestratégicos o autor refere a França e a Alemanha. Como
se pode verificar no pós Brexit, um
forte eixo Paris Berlim será responsável por uma política forte e assertiva,
demonstrando vontade de atingir objectivos concretos, mas havendo fraqueza
neste eixo, existe fraqueza e divisão na UE, sendo isso que a Rússia quer de maneira
a poder actuar mais à vontade no Médio Oriente.
Por fim o autor referencia a Índia,
a China e a Rússia. A Índia é uma futura ambição russa no que toca à criação de
um eixo de amizade e como tal o acesso ao Oceano Indico que começa a ser
contestado pela Índia, China e EUA.
A China para além dos seus
desenvolvimentos marítimos tem desenvolvido uma nova Silk Road que passa pelos territórios da antiga URSS e pelo Médio Oriente gerando riqueza e passagem de riqueza, aumentando assim ainda mais o valor do
Médio Oriente.
Saul
Cohen escreve sobre o que chama de Shatterbelts afirmando que o Médio Oriente é um destes Shaterbelts. Estas zonas são fonte de confrontos sistémicos e palco
de confronto entre potências mundiais, possuindo também riquezas desejadas pelas
mesmas. Cohen escreve também sobre os
Gateways, dizendo que são “points of entry into autonomous or
semi-autonomous heartlands.”[9],
como é o exemplo do Cáucaso.
Cohen
acredita que o mundo definirá os conflitos entre linhas ideológicas e
económicas, algo evidenciado no Médio Oriente. Cohen
categoriza os intervenientes em vários escalões, do sub-nacional ao global, verificado
no Médio Oriente, possuindo-se actores que vão desde células terroristas autónomas sem
afiliação, passando
por organizações estatais que funcionam com alguma independência, aos estados,
potências regionais e potências globais como os EUA e Rússia.
Este bloco eurasiático anti-América, liderado por uma potência terrestre, é visto no Médio Oriente com a Síria, Irão,
Turquia e Egipto, tendo a Rússia como ‘Estado Director’.
Os recursos são hoje em dia factor
de confronto, sendo o confronto no MO realizado no palco de civilizações
milenares e pelos seus recursos.
Samuel
Huntington e Michael Klare são
dois autores que escrevem sobre estes assuntos.
Huntington
escreve sobre o primado das civilizações e de como estas são definidas por
elementos (língua, costumes, história, religião, ect.) e objectivos
(HUNTINGTON, 1999).
Klare
escreve que os conflitos do futuro terão por base a posse dos recursos
naturais.
Se
colocarmos as zonas do mapa que possuem conflitos sistémicos de antigas
civilizações (Huntington), sobrepondo
as zonas do mapa que possuem os recursos (Klare),
então evidencia-se o Shatterbelt de Cohen, correspondendo no caso em estudo,
ao Médio Oriente.
Klare
afirma que as guerras do futuro serão pelos recursos, podendo-se colocar
paralelamente a ideia de autocracia de Haushofer,
além dos postulados e leis de Ratzel
que afirmam que a expansão de um Estado procura saciar as suas necessidades.
Por
fim temos de caracterizar a Rússia. Para isso será útil olhar para Raul Castex com a sua teoria do
perturbador continental e para Henri Pirenne
e a sua definição de nações epirocráticas.
Pirenne
descreve estas como sendo “introvertidas,
vivendo voltadas para os seus próprios valores que sublinhariam e estimulariam,
cultivando a ideia de superioridade étnica, recusando aculturações, sendo
constituídas por grupos sociais fechados, com estruturas muito coesas, cm que o
indivíduo se submete ao grupo intolerante e rigidamente disciplinado.”
(MARTINS, p.49), inserindo-se aqui a Rússia. Pirenne introduz ainda as ideias de «maritimidade» e
«continentalidade», definindo as características de uma potência terrestre ou
marítima.
A
Rússia encaixa na definição de «continentalidade» tendo pouca história
marítima, fracas características geográficas para uma forte relação com o mar e
possui um vasto território continental, o que segundo Pirenne promove a «continentalidade», indo ao que Maham usa para caracterizar um Estado
terrestre em oposição ao marítimo. (MARTINS, p. 49-54).
Castex
afirma existirem duas potências perturbadoras, a Alemanha e a Rússia. Apesar de
ser um teórico do poder marítimo escreve sobre as características dos Estados
de eminência terrestre que correm para o mar.
Castex
cria o conceito de «Posições Geobloqueantes», descrevendo estas como “posições geográficas dos territórios de
determinados Estados, com potencialidades para interceptar saídas das armadas
de outros Estados para o mar livre. ou para dominarem importantes rotas que
sirvam esses outros Estados.” (MARTINS, p.59). .Para aceder ao mar aberto
a Rússia possui imensos estados que possuem «Posições Geobloqueantes», integrados
numa união (NATO) hostil à Rússia. Assim tem de procurar zonas de saídas
alternativas através dos Gateways de Cohen, que no caso da Rússia será o
Cáucaso oferecendo-lhe acesso ao Shatterbelt
do MO.
Após
esta análise teórica pode-se concluir que Alexander
Dugin define a política externa russa como expansionista (apoiado em vários
autores), mas uma expansão de influências permitindo um acesso ao mar aberto.
A
Rússia aplica-se em bases de apoio como a Síria, Irão e Egipto à parte de uma
Turquia que tende para ser – tanto quanto lhe é possível – autónoma na região.
A
partir de 2008 a Geórgia passou a estar sobre o controlo russo, aliando-se a
Síria a isto, está constituída a Gateway russa
para o Sul. Aliado a isto também está o emprego das Forças Armadas russas na Síria para o
mantimento do regime de Assad, este
regime que lhe é favorável precisando do apoio russo.
A
capacidade de apoio e mantimento da Síria para o lado russo, possibilita que
mais estados possam tender para um bloco pró russo capaz de contra balançar o
bloco pró EUA, criando uma nova bipolaridade evidente num mundo cada vez mais
polarizado, onde os conflitos regionais servem para desestabilizar os vários
lados.
O
Irão tem sido hostilizado pelos EUA, e tem possuído um combate aguerrido contra
o EI que tem também criado problemas na Síria e no Iraque.
O
Egipto, tal como a Turquia, possuem posições geográficas que bloqueiam a saída
da Rússia, mas, uma aproximação diplomática por parte da Rússia a estes países
permite o desbloquear dos estreitos que se tornam cada vez mais importantes ao
tráfego marítimo internacional.
Para finalizar existe
que tomar as ideias de Vladímir Jirinóvski,
ele que propões uma redefinição das esferas de influência, caído para a Rússia,
o Báltico, Afeganistão, Irão e Turquia (NOGUEIRA; 2011; p.439).
[1] “é uma reformulação do Eurasianismo, movimento político que surge na
década de 1920 como resposta aos movimentos eslavófilo e ocidentalista do séc.
XIX. Seus fundadores foram o linguista Nikolai S. Trubetskoy, o historiador
Peter Savitsky, o teólogo G.V. Florovsky e o geógrafo e filósofo Lev Gumilev.”.
Em: SOUSA, Danilo Rogerio; A Nova Geopolítica Russa e o Euroasianismo; Revista
de Geopolítica, Natal - RN, v. 3, nº 2, p. 61 – 70, jul./dez. 2012; p. 67.
[5] “A teoria do “espaço vital” (Lebensraum) foi perspectivada pela
geopolítica alemã tendo por base organicismo de Kjellén e as “leis do
crescimento” de Ratzel. Para o autor, o conceito de “fronteira” situava-se mais
além do seu valor jurídico, devendo antes ser perspectivada como confluência de
factores históricos, geográficos ou biológico.”. Em: FREITAS, Jorge Manuel
da Costa; Karl Haushofer, Geopolitik e
Actualidade: breves notas; Revista Militar N.º 2434 ; Novembro de 2004; p.3
[6] World War II Geostrategy:
The Heratland and Rimland Theories. Em: http://www.carolmelton.com/399B6_mackinder.pdf
[8]
“the very scale and diversity of Eurasia,
as well as the potential power of some of its states, limit the depth of
American influence and the degree of control over the course of events.”.
BRZEZNSKI, Zbigniew; The grand
Chessboard. America Primacy and its Geostratigic Imperatives; Sasic; 1997;
p. 197-198.
[9] EnerGeoPolitics: https://energeopolitics.com/about/classical-geopolitics-a-summary-of-key-thinkers-and-theories-from-the-classical-period-ofgeopolitics/
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