Estimulado por uma recente troca de ideias entre amigos do facebook, como o Eduardo Freitas e o Telmo Azevedo Fernandes, entre outros, decidi fazer um (extenso) post sobre Open Borders, tendo por base um trabalho académico meu sobre este tema. À vossa melhor consideração.
1 - Introdução
Existirá alguma boa razão para fecharmos as fronteiras aos outros? Em Março deste ano completaram-se seis anos do início da guerra na Síria. O que começou como um protesto inspirado na Primavera Árabe, que em 2011 nasceu no Egipto e na Tunísia, tornou-se num dos mais terríveis e complexos conflitos da actualidade. A guerra na Síria já matou mais de 200.000 pessoas e estima-se que existam actualmente cerca de 4 milhões de refugiados em países da região. Além dos Sírios que procuraram refúgio em outros países, existem cerca de 7,5 milhões de deslocados dentro das fronteiras da Síria, vivendo uma situação desesperada.
As migrações colocam questões éticas importantes. Uma das mais relevantes diz respeito à questão de se as sociedades democráticas liberais têm ou não obrigações morais para admitir imigrantes.
Historicamente, percebemos que os pensadores e académicos de inclinação liberal / libertária que se ocuparam de pensar este assunto argumentam que os Estados liberais são moralmente livres para restringir a imigração, assim o entendam necessário para os seus objectivos nacionais. No entanto, existem entre estes pensadores posições muito variadas e por vezes totalmente contrárias, indo essas posições da implementação de uma politica de fronteiras totalmente abertas à exclusão e proibição radical de entrada.
Neste contexto coloco a pergunta se existirá alguma "boa" razão para um conjunto de países como os que compõem a Europa, negarem a entrada a pessoas que desejam imigrar, - fugindo da morte pela guerra ou com esperança numa vida melhor, produzindo e gerando riqueza, - mas que não são desejados como imigrantes por alguns ou pela maioria dos cidadãos desse conjunto de países.
Neste ensaio pretendo, após apresentar posições de liberais / libertárias que demonstram a amplitude de posições sobre o tema, demonstrar a falta de homogeneidade nestas posições sobre a matéria em estudo. Pretendo também apresentar a minha posição sobre o tema frisando que as abordagens economicistas por muito validas que sejam, não resolvem o problema central, que é político e que se centra numa contradição entre uma sociedade que preza os direitos do individuo e das suas identidades mais que os direitos do colectivo, mas que tem um contrato social, naturalmente colectivo, para ser gerido politicamente.
Abordarei assim o ensaio do Joseph H. Carens “Aliens and Citizens: The Case for Open Boarders”; o trabalho de Brian Caplan, “Why Should We Restrict Immigration ?” e o ensaio de Jesus Huerta de Soto “A Libertarian Theory of Free Immigration”, sendo todos estes autores favoráveis a um politica de fronteiras abertas e os textos de Hans-Herman Hoppe “The Case for Free Trade and Restricted Immigration” e o ensaio de John Isbister “ A Liberal Argument for Border Controls: Reply to Carens”, sendo estas contra a hipótese das fronteiras abertas.
As posições Liberais e Libertarias sobre migrantes e fronteiras abertas
A visão convencional sobre a imigração afirma que os Estados têm um amplo direito de controle das suas fronteiras, incluindo o direito de gerir a imigração de acordo com as suas prioridades. Segundo Wilcox (2009) é o filósofo comunitarista Michael Walzer quem oferece a defesa filosófica mais robusta desta posição. Para Walzer, numa comunidade, a adesão política é um bem social, constituído pelo entendimento partilhado do que é uma comunidade política. Isso implica que os indivíduos que já são membros de uma comunidade política devem ser livres para decidir o que entenderem por bem - ou seja, para determinar quem é admitido e/ou excluído de acordo com o seu entendimento sobre a natureza da sua comunidade.
Uma vez que as sociedades liberais ocidentais e democráticas tendem a ser comunidades políticas grandes e abstractas, a sua natureza pode ser difícil de compreender. Assim, Walzer considera útil comparar sociedades democráticas liberais com outras associações de menor dimensão como os bairros, clubes e famílias, e as políticas de associação e gestão de associados que constituem a sua governance. Wilcox, refere que Walzer começa por analisar o bairro - uma associação aleatória de indivíduos vivendo em proximidade um do outro. Os bairros não têm formalidades legais ou políticas de admissão; as pessoas mudam-se para os bairros por razões pessoais, limitadas apenas pelas contingências dos custos de oportunidade e de mercado.
Os moradores podem optar por não receber os recém-chegados, mas o Estado não impede que indivíduos se estabeleçam numa qualquer vizinhança que escolham. Waltzer pergunta então se devem as sociedades democráticas liberais adoptar estas políticas de adesão análogas aos bairros, ou seja, se os Estados liberais devem manter fronteiras abertas, permitindo que os indivíduos se instalem em qualquer país que desejem, sujeitos apenas às capacidades de mercado. Walzer afirma que não. Os cidadãos devem ter a capacidade de regular a imigração conforme necessário para proteger a sua liberdade, bem-estar e cultura, não estando dependentes das leis de mercado para tal. Se os Estados não conseguem controlar a imigração a nível nacional, os bairros assumiriam a tarefa e uma vez que tal dependência de localização e do mercado é indesejável nas sociedades liberais, os Estados são moralmente livres para regular a imigração. Waltzer conclui, no entanto, que o direito geral de regular a imigração inclui o direito de prevenir a imigração, mas não implica um correspondente direito de restringir a emigração. Com excepção das emergências nacionais, os cidadãos devem ser livres para sair do seu país como desejam.
Em síntese, Walzer defende uma versão moderada da visão convencional sobre imigração, que defende que os Estados liberais têm direito a regular a imigração de acordo com as prioridades nacionais, tendo obrigações relativamente limitadas de conceder prioridade de admissão aos familiares dos cidadãos actuais e de refugiados desde que previamente definidas as suas características e origens.
Joseph Carens, um dos mais relevantes defensores da livre circulação de pessoas e das fronteiras abertas vai discordar de Walzer e referir que a aplicação dos princípios liberais implica que estes não tenham uma ampla autoridade para regulamentar a imigração, isto é, que estes Estados, devido aos seus princípios, têm o dever prima facie de manter fronteiras abertas.
No seu trabalho “Aliens and Citizens” ele começa por dizer que irá defender a ideia de que os Estados têm o dever moral de ter fronteiras abertas, seja para entrar, seja para sair de um pais. Ele começa por abordar o filosofo libertário minarquista norte americano, Robert Nozick (1938 – 2002) defendendo que mesmo que este filosofo assente toda a sua teoria em direitos de propriedade, as suas teorias não têm em conta quaisquer direitos colectivos, mas sim individuais. Desta forma o Estado não tem quaisquer direitos de interferir nos direitos individuais, “… According to Nozick the state has no right to do anything other than enforce the rights which individuals already enjoy in the state of nature. […] The state is obliged to protect the rights of citizens and noncitizens equally because it enjoys a de facto monopoly over the enforcement of rights within its territory. Individuals have the right to enter into voluntary exchanges with other individuals. They possess this right as individuals, not as citizens. The state may not interfere with such exchanges so long as they do not violate someone else's right” . (Carens deduz assim que uma abordagem de fronteiras fechadas estará em directa contradição com os princípios inerentes à teoria Nozickiana de direitos de propriedade.
Seguidamente Carens aborda o filosofo contratualista e liberal igualitário John Rawls (1921 – 2002). O problema que Rawls tenta resolver nos seus escritos mais relevantes é o problema da justiça social, isto é, qual é a mais justa distribuição de recursos entre os membros de uma comunidade politica. Carens parte do trabalho de Rawls “A Theory of Justice”, para deduzir qual seria a posição deste filósofo sobre migrantes e fronteiras, isto apesar de naquela obra o filósofo americano ter considerado, para efeitos de construção argumentativa, uma sociedade fechada. No entanto, a posição original conseguida com o véu de ignorância, que é suposto evitar contingências factuais que são “arbitrárias do ponto de vista moral" (Carens 1987:256) e capazes de influenciar nossa escolha de princípios de justiça, parecia adequada a reflexão sobre as relações internacionais.
De acordo com leitura cosmopolita de Rawls, quem estiver na posição original irá escolher princípios de justiça que se apliquem globalmente e não ao contexto do Estado-nação. Carens argumenta que quem parta desta posição original, identificaria a liberdade de movimentos internacional - sem ser condicionada por fronteiras - como uma liberdade básica, possuída por todas as pessoas. Assim, uma vez que a liberdade de movimentos internacional inclui o direito de imigrar para o país de escolha, os Estados liberais têm o dever prima facie de manter as fronteiras abertas.
Ele conclui a sua análise favorável as fronteiras abertas nos espaços liberais democráticos, analisando o utilitarismo. Se nos concentrarmos unicamente nas consequências económicas, a melhor imigração de uma perspectiva utilitária seria aquela que maximize os ganhos económicos globais. Neste cálculo, os cidadãos nascidos ou nacionais de um país, não desfrutariam de uma posição privilegiada em relação a estrangeiros. A visão dominante entre Economistas clássicos e neoclássicos é que a livre mobilidade do capital e do trabalho é essencial para a maximização dos ganhos numa economia global. Mas a livre mobilidade do trabalho exige fronteiras abertas. Assim, apesar do fato dos custos económicos para os cidadãos actuais serem moralmente relevantes, no quadro utilitário eles provavelmente não seriam suficientes para justificar as restrições à entrada.
Wilcox (2009) apresenta um outro argumento de Carens para as fronteiras abertas, mas já não presente no trabalho que temos vindo a apresentar, sendo relevante para este ensaio dado assentar directamente nas características dos regimes democráticos liberais ocidentais; ideais liberais e igualitários no que a moral e a igualdade de oportunidades diz respeito. Para Carens, estas ideias exigem que direitos e posições sociais desejáveis sejam distribuídas com base nas capacidades e mérito das pessoas, e não de acordo com características não escolhidas, e moralmente arbitrárias como a raça ou o género. Contudo, Carens acredita que a cidadania é tão moralmente arbitrária quanto essas características porque as pessoas não escolhem a sua origem ou local de nascimento tal como não escolhem o género ou raça. Desta forma ele argumenta que a cidadania não é uma base apropriada para a distribuição de direitos e posições sociais. No entanto, as restrições de imigração fazem exactamente isso: impedem um grupo de pessoas de terem acesso a direitos e posições sociais disponíveis aos cidadãos de um país.
Mas assim como ficam os esperados impactos entre pessoas que querendo partilhar a cidadania podem não querer partilhar ou abdicar da sua religião ou aspectos culturais do território de onde são originarias? Talvez a melhor síntese possível do pensamento de Carens sobre este tópico, surja na conclusão do seu artigo quando ele diz “In a liberal society, the bonds and bounds should be compatible with liberal principles. Open immigration would change the character of the community but it would not leave the community without any character. It might destroy old ways of life, highly valued by some, but it would make possible new ways of life, highly valued by others.” (1987:271).
Nem todos os Liberais igualitários partilham desta visão de Carens. Um dos seus críticos é John Isbister e expressa-o no seu trabalho “A Liberal Argument for Border Controls: Reply to Carens”. Isbister começa por enquadrar o seu argumento afirmando que o núcleo central do liberalismo é o compromisso com, em primeiro lugar, a aceitação de que todas as pessoas no mundo têm o mesmo valor moral e, segundo, a proposição de que os direitos dos indivíduos são anteriores e “a priori” aos direitos das comunidades em que se inserem. Seguidamente ele refere que o primeiro passo que deve ser assumido por um liberal na defesa dos controles das fronteiras é mostrar que as fronteiras nacionais têm alguma relevância moral. Se elas são simplesmente linhas arbitrárias num mapa que dividem pessoas em jurisdições sem razão eticamente defensável, então nenhuma distinção importante deve depender sobre onde se encontram essas linhas. (Isbister, 2000:630).
Ibster frisa que no centro de qualquer argumento contra as fronteiras abertas está que devemos aceitar, apesar de as pessoas terem um valor moral idêntico, que isso não nos compromete com um tratamento igual a cada um, introduzindo o conceito de “intense connections” que segundo este autor “give rise to particular obligations” como são as familiares, de amizade e de vidas partilhadas. Deste argumento Isbister deriva a consequência de que será uma necessidade moral de um Estado dar particular atenção aqueles que ele considera uma “extensão da família” em detrimento de outros de fora, sem minimizar a valorização moral destes que são excluídos.
Na segunda parte do seu artigo Isbister passa a apresentar os quatro argumentos Liberais que defendem as fronteiras fechadas e que provam a não suportabilidade de um welfare state global mundial; eficiência, impossibilidade, santos morais e conexões desiguais.
O argumento da eficiência – apresentado por Peter Singer – diz-nos que as pessoas podem ser melhor ajudadas por aqueles que estão perto e que melhor podem perceber a situação, sendo ineficiente o governo americano preocupar-se da mesma maneira com o “homem de Chicago como com o “homem de Nova Deli”; Impossibilidade diz nos que é impossível para um governo próspero tratar todas as pessoas do Mundo de forma a ser Justo na distribuição de riqueza, não sabemos qual o montante e garantidamente que se fossemos perfeitamente equitativos o Estado próspero não teria fundos para tal; Santos Morais, este argumento foi apresentado segundo Ibster por Susan Wolf ( 1952) e ele diz-nos que não podem existir obrigações morais das pessoas dos países ricos em disponibilizar os seus meios de forma voluntária para os dos países menos prósperos, como fazem algumas pessoas de forma totalmente altruísta. Para Wolf esta abordagem é similar à do pecado original, e torna-se injusto querer que abdiquemos de nós em orientação aos outros, mesmo que estejam em situação material mais debilitada; conexões desiguais, aqui o autor cita John Rawls para dizer que as instituições que se criam nacionalmente não têm qualquer relevância moral para uma justiça colectiva referindo que “…Rawls argues that international system of states exists, the consequence being that states have obligations to respect each other sovereignty and to refrain from intervening in their domestics affairs however, neither states nor individuals have obligations to individuals across borders […]It is reasonable to conclude, however, that institutional e emotional connections across national borders are typically weaker then within borders, so the obligation to provide justice to foreigners, while it eists is weaker than the obligation to provide justice to fellow cirizens” (Isbister, 2000:632).
Percebemos assim que a mais importante característica que todos os quatro argumentos partilham é que eles são baseados nos princípios liberais. Estes argumentos não se alinham com definições de cultura e comunidade – como os referidos por Walzer e que apresentei no início do ensaio – e negam que ter importância moral requer igual tratamento a cidadãos e estrangeiros.
Entramos na última parte do trabalho de Isbister em que ele associa a necessidade de fronteiras é do seu controlo com a necessidade de justiça referindo que Carens as considera como um símbolo de egoísmo e que servem para protecção económica e privilegio político. Isbister não deslustra a hipótese, mas refere que isso também se verifica no que a protecção e apoio dos pobres de uma determinada nação mais próspera diz respeito, isto é, “an uncontrolled influx of poor people from third world might make the condition of the poor in rich countries much worse” (Isbister, 2000:633), argumentando de forma “económica” que se a imigração fosse irrestrita garantidamente que devido a disponibilidade de mão de obra aumentaria o gap entre ricos e pobres. Ele conclui a análise e o artigo dizendo que. “…In sum, the two prongs of a liberal argument in favor of immigration controls are 1) that a country is justified in meeting the needs of its own disadvantaged citizens before the needs of disadvantaged foreigners, and 2) That unlimited immigration poses a threat to the most disadvantaged residents of rich countries.” (Isbister, 2000:634)
Passemos agora a apresentar e analisar as ideias de dois autores nas margens do liberalismo e que se enquadram na teoria dos direitos de propriedade: Hans-Hermann Hoppe e Jesús Huerta de Soto, libertários anarco-capitalistas, que têm posições antagónicas no que respeita às fronteiras abertas, sendo o primeiro contra e o segundo a favor.
Hoppe, recusa o proteccionismo estatal como forma de defesa dos interesses dos nacionais, referindo que qualquer argumento a favor do proteccionismo internacional é simultaneamente um argumento a favor do proteccionismo inter-regional e inter-local, sendo por isso absolutamente incoerente não aplicar o conceito proteccionista até chegar ao nível do “self-sufficient isolation” o que é um retrocesso civilizacional absoluto (Hoppe, 1998:222). Este autor afirma também e rebatendo o proteccionismo, que a relação entre comércio e a migração é elástica, isto é, quanto mais temos um menos precisamos do outro, salientado no entanto que estamos a trabalhar um cenário em que não existe uma intervenção governamental coerciva e legalista no processo, as empresas passam para áreas de salários baixos e o trabalho move-se para áreas de salários mais elevados, levando assim uma tendência para a equalização das taxas salariais (para o mesmo tipo de trabalho) bem como a localização ideal do capital.
No entanto, para Hoppe, a livre circulação de pessoas e bens, elemento central nas premissas das sociedades liberais democráticas ocidentais, não pode ser aplicado em conjunto havendo a necessidade de dividir a premissa em duas partes; a livre circulação de mercadorias é assumida como válida dado que ela se estabelece por acordo voluntário entre partes, já a circulação de pessoas não o é, dado que estas migrações são impostas por uma das partes – os migrantes - sem haver necessariamente acordo de outra – os residentes - considerando que as migrações são muitas vezes acções de invasão territorial e de afectação dos direitos de propriedade dos cidadãos naturais desses países. A intervenção governativa, subsidiando e intervindo à custa de impostos de cidadãos nacionais na economia irá criar segundo Hoppe duas classes distintas sendo isso uma causa potencial de graves tensões sociais e de desagregação social, eliminado por completo a justificação de existência de um governo com a missão de prover segurança e bem estar aos cidadãos. Hoppe conclui o seu artigo dizendo que num modelo anarco-capitalista nada disto ocorre, pois a propriedade é privada e os acordos voluntários. As questões de migrações e fronteiras não se colocam numa organização desta ordem, sendo o problema migratório criado pela existência de Estado e governo. (Hoppe, 1998:233)
Soto ( 2014 ) parte da mesma base; uma sociedade anarcocapitalista é a mais justa dado que todos os acordos são voluntários e os direitos de propriedade estão defendidos de onde se deduz que o reconhecimento de que fronteiras — meras linhas políticas imaginárias — representam um acto de intervencionismo e coerção institucional da parte do Estado, o que frequentemente tende a afectar, proibindo ou obrigando integrações de seres humanos, condicionando a livre movimentação destes.
O argumento de Soto afasta-se de Hoppe quando ele afirma que a abundância de mão-de-obra não é prejudicial aos salários da classe trabalhadora pois os seres humanos não são um factor de produção uniforme, e não se comportam em termos biológicos em relação aos recursos escassos — como fazem, por exemplo, os ratos, cujo aumento populacional tende sempre a diminuir os recursos disponíveis para cada indivíduo. Os seres humanos, ao contrário, são dotados de uma inata capacidade criativa e empreendedora, o que significa que um aumento no número de pessoas permite, num ambiente dinâmico, um crescimento sem limites de descobertas e da exploração de novas oportunidades capazes de fazer evoluir o padrão de vida dos indivíduos em todos os aspectos. (Soto, 2014: 189). Assim a emigração quando sujeita ao principio geral da leia da oferta e procura não apresentam nenhum problema de integração forçada ou de custos externos, sendo força motriz do desenvolvimento económico e cultural de uma civilização.
Soto concorda com Hoppe quando refere que o problema é sempre o governo e o Estado, que, com o intuito de criar barreiras para diminuir ou proibir movimentos que foram voluntariamente acordados e aceites pelos agentes envolvidos e o governo, de forma involuntária e artificialmente estimula migrações em massa de estrangeiros em decorrência dos programas sociais e assistencialistas fornecidos pelos seus programas de bem-estar social, programas esses financiados pelos impostos dos nativos e implantados por meio de políticas redistributivas.
Soto conclui referido que há quatro princípios base que condicionam a aceitação de fronteiras abertas; 1) As pessoas devem emigrar por conta e risco delas sem qualquer beneficio estatal; 2) Os emigrantes não devem contribuir para a previdência social e devem recorrer unicamente a serviços privados de saúde e educação; 3) os migrantes não devem ter o direito de votar a não ser após um período de tempo razoável para não estimular o governo e eles próprios a serem utilizados como meio de exploração politica de subsídios suportados pêlos impostos dos nativos; 4) e última - para de Soto a mais importante - todos os imigrantes devem respeitar as leis do país, principalmente as leis criminais, independentemente de raça e credo. devem respeitar todos os direitos de propriedade já estabelecidos na sociedade que os recebe. Qualquer violação desses direitos deveria ser punida, com a expatriação (definitiva na maioria dos casos) do imigrante em questão.
Concluo esta analise com a obra de Brian Caplan, Why Should We Restrict Immigration? de 2012, da área da Empírical Ethics. Para este autor as restrições de imigração não são necessárias para proteger os trabalhadores. Para ele e abordando o caso do USA a maioria dos americanos beneficia da imigração, e os que perdem não perdem muito. As restrições de imigração não são necessárias para proteger os contribuintes americanos.
As restrições de imigração não são necessárias para proteger a cultura americana. Pois para Caplan os imigrantes construíram e ainda hoje melhoram a nossa cultura e os seus filhos aprendem inglês. Os imigrantes têm também baixa participação nos eleitores e aceitam o status quo político. Ao aumentar a diversidade, eles reduzem o apoio aos nativos através do Estado de bem-estar social.
Mesmo que todas essas afirmações empíricas estejam erradas, as restrições de imigração permaneceriam inadmissíveis moralmente. Por quê? Porque há soluções mais baratas e mais humanas. Podemos por exemplo cobrar aos imigrantes maiores impostos ou taxas de admissão e usar as receitas para compensar os mais desfavorecidos. Se os imigrantes sobrecarregam os contribuintes americanos, podemos tornar os imigrantes inelegíveis para benefícios sociais. Se os imigrantes prejudicarem a cultura americana, podemos impor testes de fluidez e alfabetização cultural em inglês. Se os imigrantes ferirem a liberdade americana, podemos recusar-nos a dar-lhes o direito de votar. Seja qual for a sua queixa, as restrições de imigração são um remédio desnecessariamente violento.
Pretendi neste bloco do trabalho dar conta das múltiplas posições que ocorrem dentro dos pensadores liberais /libertários no que à migração e fronteiras abertas diz respeito. Todos de alguma forma, se inscreveram numa lógica argumentativa presente em grupos da filosófia politica perfeitamente definidos; Clarens no Liberal Egalitarism, Singer no Utilitarism, Ibster no Contratualism mas também Liberal Egalitarism, Caplan na Empírical Ethics e de Soto e Hoppe ( e também Nozick) nos Libertarian Rights Theory. Percebemos que pertencer a estes grupos não indicia as suas posições sobre se defendem ou não as fronteiras abertas ou fechadas, sendo as suas posições função da forma como articulam os seus argumentos dentro do quadro das teorias que adoptaram.
Fronteiras abertas ou fechadas, a minha posição
Existirá alguma boa razão para fecharmos as fronteiras aos outros? Existirá alguma boa razão para um conjunto de países como os que compõem a Europa, negarem a entrada a pessoas que desejam chegar a esses países fugindo da morte pela guerra ou com esperança numa vida melhor, produzindo e gerando riqueza, - mas que não são desejados como imigrantes por alguns ou pela maioria dos cidadãos desse conjunto de países?
Dos autores escolhidos fica-nos a ideia de que a resposta que tivermos estará sempre moldada pelo entendimento que fazemos e pelo peso que damos aos conceitos de comunidade e de identidade política e de como estes podem ser deformados ou melhorados pelo contacto entre naturais e migrantes, seja de forma material – económica – seja imaterial – socio-cultural e identitária.
Em termos gerais, existem duas perspectivas na defesa das fronteiras abertas: 1) as fronteiras abertas são obrigatórias porque a capacidade de nos movimentarmos como queremos é um exercício fundamental da liberdade. Os movimentos são permitidos porque o Estado não tem o direito de restringi-lo. a outra perspectiva baseia-se na ideia de que os governos têm a obrigação de prestar serviços sociais aos residentes. Para os liberais, o Estado assume certas responsabilidades morais quando admite novos residentes. Para os libertários, admitir um novo residente não pode ter custos para o governo, porque para estes não é tarefa do Estado fornecer redes de segurança social.
O caso utilitarista para a imigração é persuasivo e, no meu entender, é o mais coerente ao nível argumentativo de todos os apresentados, mas é também, um argumento limitado, sugerindo que os seres humanos devem ser tratados de uma certa maneira porque geram benefícios económicos e não necessariamente porque é moralmente necessário aceitá-los e defendê-los.
No campo liberal, com enfoque na moralidade e na igualdade, sejam os argumentos defendendo justamente a coesão de uma comunidade pela homogeneidade, seja querendo que ela seja ou mais multicultural possível, o facto é que uma solução óptima não será nunca possível.
O que nos deve guiar então? No meu entender devemos começar por aceitar como central a perspectiva que vivemos na Europa, e que temos uma identidade política que nos distingue e que foi acordada entre os Estados, compostos por cidadãos, de uma forma que considero amplamente voluntária.
As bases dos Estados Europeus assentam centralmente na sua soberania, na democracia plural e representativa, na justiça e na lei separada da religião, na igualdade moral entre as pessoas, na defesa dos seus direitos, com especial enfoque na dignidade das minorias e dos mais desfavorecidos e na liberdade de escolha, de expressão e na tolerância. Daqui deriva um contrato social com regras implícitas que devem ser observadas com risco de caso não o sejam derivemos para outras opções que não a de viver em Estados democráticos liberais e livres.
Não acolher os refugiados de guerra que fogem da morte e da fome, que lutam pela sobrevivência não é de facto ser fiel à identidade politica europeia. Não é possível entender como não foi possível implementar um sistema (de informação) que permitisse perceber claramente quem, nesta altura particular constitui um refugiado ou um migrante económico. Esta distinção tem de ser feita pois só ela permite ser moralmente correcto e economicamente razoável, numa altura em que os políticos tentam desesperadamente gerir as expectativas dos cidadãos numa Europa acossada pelo terrorismo islâmico. Se entendermos que muitos dos refugidos são de Estados com esta marca religiosa / cultural e que as identidades são construídas por oposição “ao outro”, percebemos a razão para a tensão tremenda entre os políticos Europeus e os seus representados quando se aborda a perspectiva das fronteiras abertas aos migrantes.
Como sempre a resposta está com os políticos. Cabe-lhes a eles estar à altura da situação e responder aos grandes desafios que a coesão da Europa apresenta, perante uma comunidade de Estados heterogéneos, marcados por muitos anos de História e de Geografia, sendo estas produtoras de múltiplas identidades culturais, unidas maioritariamente pela herança do cristianismo.
Bibliografia citada e consultada
Brito, Miguel Nogueira, (2009) As Andanças de Cândido - Introdução ao Pensamento Político do Século XX, Colecção o Saber da Filosofia, Edições 70, ISBN 9789724415888, 188 págs.
Caplan, Bryan (2012) Why Should We Restrict Immigration? Cato Journal, Vol. 32, No. 1 (Winter 2012).
Carens, Joseph (1995), Aliens and Citizens: The Case for Open Borders.’Theorizing Citizenship. Ed. Ronald Beiner. Albany, NY: State University of New York Press, 229–54 (originally published in 1985)
Hoppe, Hans-Hermann; (1998) The case for free trade and restricted immigration, Journal of Libertarian Studies 13:2 (Summer 1998): 221-233;
Isbister, John (2000) “ A Liberal Argument for Border Controls: Reply to Carens”, The International Migration Review, Vol. 34, No. 2 (Summer, 2000), pp 629-635, Center for Migration Studies of New York, Inc.
Inglehart, Ronald & Norris, Pippa, (2003) The True Clash of Civilizations, Foreign Policy, No. 135. (Mar. - Apr., 2003), pp. 62-70.
Meilaender, Peter C. (1999) Liberalism and Open Borders: The Argument of Joseph Carens, The International Migration Review, Vol. 33, No. 4 (Winter, 1999), pp. 1062-1081. Center for Migration Studies of New York, Inc.
Soto, Jesús Huerta de (2000) A Libertarian Theory of Free Immigration, Journal of Libertarian Studies 13:2 (Summer 1998): 187–197
Wilcox, Shelley (2009); Open Borders Debate on Immigration, Philosophy Compass 4/1 (2009): 1–9, Blackwell Publishers.
A questão é obviamente política. Mas a política é a arte de gerir interesses conjunturais ou circunstanciais dos Estados.
ResponderEliminarA questão derime-se, portanto, entre opções políticas de Poder essencialmente esquerdistas, igualitárias e internacionalistas por um lado e opções de direita, liberais e nacionalistas por outro. Os Estados com Constituições e Governos esquerdistas são favoráveis à miscelânea rácica e religiosa e logo, aceitam de bom grado todo o tipo de imigrantes. Os Estados com Constituições e Governos direitistas não aceitam imigrantes a não ser que precisem deles por razões circunstanciais. É simples. Quanto à União Europeia, é ela própria uma miscelânea política, cultural e económica cheia de contradições insanáveis, cujo objectivo final (a união política) se revelou impossível e que vive de interesses meramente económicos e financeiros. É um projecto politicamente falhado a que o futuro próximo se encarregará de pôr termo, em simultâneo com a marcha a trás da globalização a nível global. Nesse contexto, as experiências falhadas de integração massiva de imigrantes que não aceitam as leis, as regras de convivência, as tradições e as práticas dos autóctones tem um fim à vista a curto ou médio prazo, coincidente com o regresso às fronteiras fechadas.