quinta-feira, 31 de agosto de 2017

A memória Histórica, Charlottesville e o erro da Esquerda americana.

A marcha “Unite the Right” que pretendia unir as várias facções da Direita americana (onde se encontravam membros da chamada Alt-right, Neo-confederate, Traditional Workers Party, e os The Knights Party) e, ao mesmo tempo, protestar contra a remoção de uma estátua de homenagem ao General da Confederação Robert E. Lee, foi contra posta com protestos por parte dos já famosos grupos Blacks Live Matter (BLM) e Antifa, para além de apoiantes individuais dos dois lados
            O Argumento do lado do movimento BLM e Antifa era de que a estátua do General Robert E. Lee significava racismo e supremacia branca pela parte Sul dos Estados Unidos da América (EUA), necessitando assim de ser removida, provocando um clima de perigo e ameaça para minorias, isto segundo os grupos que se identificam à esquerda.
            Em quanto não posso negar (quer por senso comum, quer por não ter estado presente) que não existam suprematistas brancos e racistas do lado reconhecido como de Direita, não posso deixar de apontar que do lado do movimento BLM e Antifa existem enormes e crassas faltas de conhecimento que levam a que o acto de remover a estátua do General Robert E. Lee leve a ramificações graves na sociedade americana.
            Os movimentos de BLM e Antifa falharam redondamente, ou não quiseram de maneira alguma, em perceber o simbolismo da estátua do General e da Guerra Civil Americana para os Estados que fizeram parte da Confederação.
            Vejamos então o que tudo isto significa.
            Todos os Estados, mais novos ou mais velhos, possuem pilares onde assentam a sua identidade, ou seja, onde legitimam, quer para meios internos ou externos, a sua legitimidade a existir como entidade autónoma e reconhecida.
            O caso de Portugal é um dos melhores, desde á Reconquista iniciada há quase 1000 anos, passando pela conquista de Lisboa, os Descumprimentos, o domínio dos Filipes de Espanha, a Restauração, a queda da Monarquia e estabelecimento da República, a Guerra Colonial, o 25 de Abril, e todos os tratados, homens e acontecimentos derivados de toda a nossa história são marcos que erguem pilares da nossa identidade, independência como Estado e legitimam as nossas leis, a nossa existência e o facto de podermos dizer que somos quem somos, quer tenhamos gostado ou não, quer concordemos ou não, durante centenas de anos, os portugueses têm vindo a construir a sua identidade, o que permite uma maior paz interna e coesão nacional.
            No caso dos EUA o caso é muito diferente.
            Os EUA estabelecem-se como um Estado independente a 4 de Julho de 1776 (há 241 anos), o que faz de si um dos Estados mais novos do globo, este período de tempo é relativamente pequeno no que toca á construção de uma identidade nacional, especialmente quando os EUA são na sua esmagadora maioria um país de emigrantes, sendo que ser 3ª geração americana é considerado como ser americano há muito tempo.
            Para agravar ainda mais a situação, os EUA sofreram enormes mudanças internas ao logo dos anos de existência, tiveram que combater os nativos americanos, os mexicanos, os franceses e tiveram uma guerra civil, isto tudo antes da primeira guerra mundial (128 anos).
            A guerra civil americana decorreu de 1861 a 1865, tendo os EUA 85 anos de existência, muito pouco tempo para um Estado amadurecer, especialmente nas condições dos EUA.
            A Confederação forma-se em oposição ao governo Republicano da União liderado por Lincon, este que visava uma proibição da proliferação do trabalho escravo nos Estados do Sul, os Estados do Sul (Virgínia e a Sul deste Estado) possuíam uma economia baseada na produção de algodão, este que derivava na sua esmagadora maioria de plantações que eram trabalhadas por escravos.
            Desta forma pode-se perceber como os Estados Confederados aparecem como os racistas, visto que pretendiam proteger a escravatura que, na sua maioria, assentava sobre Africanos (Não podemos também esquecer que é verdade que também existiam, no Sul, negros que teriam escravos).
            É de notar no entanto que, apesar de existir racismo, os escravos eram vistos como um meio de produção barato, caso existisse um outro meio mais rentável ter-se-ia tomado esse meio, no entanto não podemos afirmar que todos os donos de escravos ter-se-iam desfeito dos seus escravos se assim fosse.
            Desta forma podemos já desarmar os grupos BLM e Antifa quanto às suas generalizações de Racismo totalitário por parte de todo o Sul.
            Os Estados Confederados viam a sua economia ameaçada, e tinham razão, tanto que no final da guerra e com a abolição da escravatura o Sul mergulhou numa crise económica de tais proporções que ainda nos dias de hoje se sente, passando de ser uma das zonas mais ricas do mundo para uma das mais pobres, isto pela incapacidade ou falta de vontade da União de arranjar meios alternativos para a produção da principal indústria do Sul.
            Esta queda levou a que as populações do Sul, para além da ocupação militar que sofreram, perdessem imensa qualidade de vida, quer os proprietários de plantações quer as populações que nunca teriam tido escravos, afectando igualmente as populações escravizadas que a guerra visava libertar.
            Mas passemos á memória histórica e ao que significa esta guerra para as populações do Sul.
            A Guerra Civil Americana ficou assim conhecida porque a União ganhou a guerra após a rendição do General Robert E. Lee.
            No Sul, e para os Estados Confederados em 1861, a Guerra Civil, chamou-se de 2ª Guerra de Independência.
            Isto tem muito que se lhe diga e um impacto para os Estados que fizeram parte da Confederação, impacto este completamente desconhecido ou negado/descartado pelos grupos BLM e Antifa, e que explica muitas das reacções contra estes grupos das populações actuais do Sul.
            No início da década de 1930 muitas das estátuas que estes grupos querem derrubar foram erguidas em homenagem aos militares que perderam a sua vida, ainda com Veteranos vivos, Veteranos esses que combateram pelo seu Estado.
            Aqui é que começa a ficar interessante.
            Robert E. Lee foi chamado a assumir o comando de 75 mil homens para combater os revoltosos do Sul (assim eram chamados pelo governo a União). Robert E. Lee, ainda Coronel, recusou assumir este Comando. Será que era Racista?
            De maneira nenhuma, Robert E. Lee libertou todos os seus escravos e era famoso por ser contra a escravidão. O então Coronel recusa esta enorme Comissão porque o Exército que estava a ser levantado teria como principal missão invadir territórios americanos e ocupar os mesmos como se de uma terra estrangeira fossem e, um desses territórios era o Estado da Virgínia, Estado do qual Robert E. Lee era originário.
            O Coronel Lee recusa-se a assumir o Comando destes 75 mil homens porque não se atreve a invadir a sua casa, segundo o mesmo, e apesar de ser um militar leal que ama os EUA, este militar ama mais a sua casa, e no final do dia a sua lealdade assentava com a sua casa primeiro e depois com os EUA.
            Este era um sentimento que era geral no Sul, cada homem amava mais o seu Estado que os EUA, e viam o governo Republicano como uma ameaça á sua casa, assim, e em reacção ao que agora percebiam como sendo um invasor externo, os estados do Sul uniram-se na conhecida Confederação.
            Esta “2ª Guerra da Independência” como ainda é conhecida no Sul é, para falta de mais algum, o pilar central da identidade Pátria dos Estados do Sul, a negação desta sua herança, quer concordem ou não com ela, é negar a sua existência como indivíduos e como Estado.
            A remoção da Estátua de um Herói nacional como o General Robert E. Lee que é talvez visto como o D. Afonso Henriques dos Estados do Sul seria, de certo modo, como a remoção da estátua de Viriato em Viseu ou como a estátua de D. Afonso I que está em Guimarães, argumentando que é uma ofensa contra uma minoria.
            Seria impensável a remoção destes monumentos portugueses para o povo que se identifica como português, tal como a remoção da estátua do General Robert E. Lee é impensável para uma grande e forte população dos Estados da antiga Confederação.
            Apesar de existirem racistas e supremacistas brancos nos movimentos à direita que se apresentaram em Charlottesville, muitos dos que se apresentavam contra o grupo BLM e Antifa faziam-no, não por serem racistas como afirmam esses grupos, mas porque vêm a sua identidade, história e liberdade a serem atacadas por identidades que eles mais uma vez começam a perceber como exteriores.
            Estes factos são completamente ignorados pelos grupos reconhecidos como à Esquerda do espectro político, visto que desarmam as suas narrativas de racismo e xenofobia muito rapidamente.
            Qualquer população que quer ter estabilidade no seu seio tem que ter pilares identitários que não podem ser simplesmente destruídos por narrativas fracas, para mais num contexto como é oi dos EUA, isto apenas gera mais conflito.
            A História serve, em parte para isto, para assegurar que, compreendendo a história de uma comunidade, coisas destas não aconteçam.

            Deve ser dito que, este tipo de manifestações, não só em Charlottesville, mas por todo o EUA, têm sido a causa de mortes desnecessárias, mortes que neste caso, com um conhecimento correcto da história e do seu impacto poderia ter poupado muitos problemas, estragos, feridos, um morto e a provocação de um conflito contra populações que se calhar, até agora, se teriam mantido à parte destes confrontos mas, vendo ameaçada a sua identidade, herança e história se vêm, mais uma vez, a ter que se levantarem.


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