domingo, 27 de agosto de 2017

Pátria, Estado e Nação. Uma pequena aproximação ao seu significado.

As palavras "Pátria", "Estado" e "Nação" têm sido, nos últimos anos, usadas em defesa de diferentes grupos e das suas acções, maioritariamente com chavões para desculpar e legitimar acções e ideologias, como tal, é necessário um esclarecimento quanto ao significado destas palavras que, carregam consigo um enorme peso.
A pátria pode-se começar a compreender como a memória de um colectivo de homens e mulheres que, da perpetuação de mitos e ritos associados a esses mesmos mitos, que conseguem erguer uma imagem e um significado com o qual o individuo se identifica e se faz representar, esta pátria, apesar de se apresentar e de assentar na representação de cada individuo que com ela se identifique e que dela faça parte, esta é uma herança comunitária e que por sua vez se torna em uma das chaves da coesão cívica, tornando-se a Pátria e ou sentimento que advém desta na base do que será a comunidade representante desta.
A pátria assim será a “virtude cívica[1], deixando de criar uma ligação aos instintos básicos de subsistência física, ligações estas que seriam primeiramente consigo e com os membro imediatos da sua família, passando a pátria ser algo de mítico e por vezes espiritual. Esta evolução no psicológico humano que se pode rever já na Grécia Antiga, quando se referiam à Cidade-estado como a Pátria, evolui no sentido de abranger uma comunidade que se vê identificada por essa Pátria (Cícero afirma que esse conjunto é a Plebe e a Aristocracia) e que abrange outros pertencentes a essa pátria. Conseguindo-se assim entre os constituintes dessa pátria a boa gerência da “coisa pública[2].
Com a modificação deste pensamento, a pátria é tomada então com uma herança, algo anterior a cada homem e que ele recebe no acto do seu nascimento, como tal esta pátria torna-se susceptível de ser defendida e mantida como foi recebido, tal como de ser transmitida às gerações futuras, assim sendo ela é algo intemporal, mas também é algo físico, a pátria é onde se nasce, uma terra, a qual normalmente será tida como a terra dos país, mas a pátria de hoje em dia pode ser adoptada, sendo que nesse campo entra-se numa área de afeição e ideia do gosto de cada um. Pode-lhe ser atribuído o valor Paternal ou Maternal, sendo que a pátria é representativa de todos, 
Na contemporaneidade esta pátria assume um carácter mais feminino e maternal, sendo que em épocas anteriores mais dominadas pelo homem esta assumia um carácter mais Patriarcal, tal como na antiguidade Clássica na qual o chefe e representante da família era o “Pater Familias”, daí a radicação da própria palavra Pátria. Esta conexão familiar torna então, todos aqueles que se identificam com esta mesma “mãe” ou “pai” e que a defendem, que se identifiquem com a mesma mitologia e ritos, seja tidos como “irmãos[3] tornando uma comunidade como uma enorme família, gerando como já foi dito a base para a Nação e por consequência a formação do Estado.
Esta pátria susceptível de ser herdada e de se entregar às gerações futuras tem algo físico que a represente sendo que, essa herança se relaciona com a terra dos pais, essa terra serve na ideia de pátria como elemento agregador, elemento agregador esse que levou a pátria a erguer-se do sei familiar para a chamada “patria communis[4], mas ao longo do tempo tem tomado um significado mais abrangente, sendo que hoje em dia muitas vezes dentro da pátria se incluí não só a terra em que se habita, mas também a língua que se fala e se escreve, as artes como musica, pintura e escultura fazem parte da pátria, monumentos e mitologias, a história de um país faz parte hoje da Pátria.
O conjunto dos indivíduos que fazem parte da pátria constituem a Nação, sendo que hoje me dia é complicado por vezes fazer a diferenciação entre Pátria a e Nação, essa difícil distinção torna-se fácil de ver no chamado Patriotismo Nacionalista que leva às revoluções liberais, que leva a extinção ou separação com antigos regimes como foi a Revolução Americana ou a Revolução Francesa, a exemplo disto o caso do Exército português é um dos melhores para perceber, quando o exército carregava sobre o inimigo gritava “Por S. Miguel e Portugal” estando a pátria simbolizada em S. Miguel, Portugal forma-se depois de uma série de batalhas com a presença da divindade na decisão favorável destas batalhas a favor dos portugueses o que permitiu o “nascer” da nação portuguesa, ao que esta é a herança que Portugal recebe, a sua concepção é por vontade divina assim S. Miguel no grito de guerra português representa a pátria, a Mitologia por de trás da Nação que é aqui representada por Portugal, Portugal que é encabeçado pelo Rei, o Rei é o pai da nação, tem de aplicar a justiça, manter a paz e criar condições para a prosperidade, o Rei representa assim a população que se identifica com essa pátria e essa mística, mas o Rei representa também a lei que é aplicada no território da Pátria. Aludindo a um sentimento de pretensa á terra um sentido também de pertença a uma entidade que rege o território, mais uma vez Cícero aqui distingue estas duas entidades com que o homem se identifica, uma por nascimento e outra por escolha “uma pátria geográfica, e outra de direito”.[5]
Claro que aqui também se pode falar de que o Rei seja o estado, e é certo que a Nação pode também se definir como a instância que faz a ligação entre a pátria e o estado, mas é claro que a definição política de estado só se firma no final do Séc. XVIII, e inícios do Séc. XIX, neste período conturbado em que existiram várias experiencias no âmbito da governação durante as revoluções liberais, nas quais a aclamação ao patriotismo levou as massas a legitimar o movimento revolucionário como vindo tendo o propósito entre outros o de salvaguardar a nação contra um estado que a tentava deturpar, dete modo entende-se que “a pátria é o alfa fundador de todas as filiações étnico-culturais e políticas[6], ao que, nestes Estado-Nação, o estado como elemento dirigente muitas vezes tentava legitimar o seu poder como vindo da pátria e por consequente tentaria moldar a nação ao seu tipo de estado dando-lhe veracidade. Pode-se assim ver a nação como um movimento político já que os povos possuem uma vontade que se tenta passar para o governo dessa nação, mas claro que pode não ser assim. Existe no entanto na nação a ideia politica.
A ideia de pátria e uma nação formam-se em contra posição com outra pátria e nação, o “nós” só pode existir se existir o “eles”, o caso português é claro nisso, por vezes esta diferença foi apenas vista em termos de religião como foi o movimento da “Cristianitas” na Idade Média, que reagia contra o Islão, recorrendo a Europa à formação Greco-Romana, em que a ideia de patria communis extravasa também para estas ideias medievais.
É interessante perceber os estados multinacionais, a exemplo disso no início do Séc. XIX possui-se imensos casos desses, como o Reino da Inglaterra e da Irlanda, o Império Otomano e o Império Austro-húngaro, que debaixo de um Estado, existem mais que uma nação que se irão possuir as suas histórias, mitologias e ritos. “Pelo menos até á Revolução Francesa e, sobre tudo, a partir do século XIX, existem pátrias que não são, não querem ser, ou não as deixam ser nações. Assim sendo, pode defender-se que a pátria e, em particular, a pátria comum é logicamente anterior á nação politica moderna que dela se nutre[7]. Aqui se pode ver e em mais preciso o caso do Império Austro-húngaro, o exemplo de um Estado que tenta moldar a nação à sua imagem, confrontos existem dentro deste Império que irão possuir o seu clímax na primeira guerra mundial. Estes estados-nação que tentaram criar modelos de governação totalitário radicam no Séc. XIX com os tal estado-nação, mas existiu logo desde as revoluções liberais quem fala-se contra a “tendência monopolizadora do novo patriotismo cívico e nacional[8], como Barruel, Joseph de Maistre e De Bonald, que falavam de um «regresso às constituições históricas, pois estas teriam respeitado a autonomia e os patriotismos das “pequenas pátrias”»[9]
Contrariando esta ideia de “nós contra eles” também existe uma nação que sendo constituída por pequenos estados irá, no final do Séc. XIX ser uma única nação, debaixo de um único estado, a Itália, que durante vários anos consegue a unificação de vários Estados, formando a unidade politica da Itália. Mas muito antes disso em 1621 no que é hoje Espanha, o Duque de Olivares escreve a Filipe IV que se digne a unificar todas as suas posses e que passe a ser Rei de uma Nação.
Existe também a ideia Europeia de civilização, que é defendida inicialmente por Quizot, um homem moderado e liberal.
Hoje esta ideia de uma nação europeia é apoiada por facões mais liberais de cada nação, mas existem grupos nacionalistas, nas mais suas variadas faces (nacionalismo liberal, o social nacionalismo, etc.) que invocando a memória da sua pátria e munindo-se de desculpas patriotas resistem a este movimento de aglomeração, tentando manter a sua individualidade. Tem de ser tido em conta no entanto que “se todo o nacionalismo se escuda num patriotismo (porque toda a nação requer uma pátria, pelo menos), nem todo o patriotismo foi (e é) um nacionalismo[10].
Esta individualidade é marcada fortemente no caso da Nação portuguesa.
O português é português como Nação, Estado e Pátria porque é diferente, independente de outro, no caso de Portugal durante muito tempo o outro era Castela que depois no Séc. XVII se torna Espanha. Portugal foi o primeiro estado europeu que definiu as suas fronteiras que ainda hoje as mantém isso ajudou a criar mais um factor de pátria e de agregação ao território. Esta ideia de conquista do território e de progressão para além mar assentando na ideia de que estamos sós e de que estes avanços funcionam de baixo de uma óptica feudalista, que apenas haveria de cair nas revoluções liberais e com a Constituição de 1822, a partir desta data só haveria em 1974 outro acontecimento que marcaria a memória e que seria uma marca guardada pela Nação, uma revolução sem sangue, que nos daria uma total república na qual “A ultima versão do verbete demarca a República, como regime politico, da semântica tradicional de coisa pública ou Commonwealth. É que, se, por um lado, ela é sinónimo de «Estado em geral, qualquer que seja a forma de governo; o que respeita ao interesse geral dos cidadãos; v.g., Convém á República que todos trabalhem»”[11].
O processo na fundação do que será Portugal, assenta primeiramente na ideia de reconquista cristã, liderada a pátria e a nação pelo estado monárquico que se apoia no feudalismo, criando-se uma individualidade contra Leão e Castela que se propagandearia e se lutaria na crise de 1383-85 com D. João I. Estas lutas tanto pela reconquista cristã da Península Ibérica como a vitória de D. João I na crise de 1383-85, pode talvez ser visto na definição de nacionalismo do Oxford English Dictionnary de 1833, que define nacionalismo como a “doutrina segundo a qual certas nações são o objecto da preferência divina[12]
Esta individualização e luta por uma Nação e Pátria independente gerou outra lenda constituinte da pátria portuguesa, que será característica do messianismo que na nossa nação se afirma na figura de D. Sebastião, o rei que foi e que se espera que volte, mas que se sabe que não volta, a memória que se fez parte integrante da pátria e que a nação faz questão de guardar para se afirmar como diferente.
Quando se geram os conflitos liberalistas[13] em Portugal que irão culminar na guerra civil, irá haver um “confronto entre o internacionalismo e o nacionalismo, tão visível no iluminismo e na reação aos iluministas, nos aderentes á Revolução Francesa e nos contrários, nas duas facções da guerra civil, no internacionalismo socialista e da reacção à sua implantação[14], aqui se tenta por parte de D. Pedro IV de criar um Portugal europeu, D. Pedro que se torna nos Messias do mundo contemporâneo, sendo que desde as Revoluções Liberalistas os Messias têm tomado a pele de dirigentes políticos e estadistas, sendo que a sua ideia de redenção se torna no mundo contemporâneo “essencialmente económica”, para mais desde esta altura o Estado tem criado a ideia de neutralidade da Nação portuguesa é levada a cabo devido a essa mesma ideologia económica messiânica, esta ideologia decorre das nossas vulnerabilidades e da crónica dependência de outras potências que foi crescendo especialmente durante as guerras Napoleónicas, “Porém esta dependência para a neutralidade choca-se com a nossa própria fraqueza, porque não tendo força suficiente para suficiente para sermos neutrais, acabamos por optar, ou seja, por deixar de o ser[15], a exemplo disso temos a Segunda Guerra Mundial.
A Individualidade da Nação e Estado português pode muito bem ser exemplificado num poema de Fernando Pessoa chamado de nevoeiro:
“Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, / Define com perfil e ser / Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer / Brilho sem luz e sem arder, - Como o que o fogo - fátuo encerra. / Ninguém sabe que coisa quer, / Ninguém conhece que alma tem, / Nem o que é mal nem o que é bem. / (Que ânsia distante perto chora?) / Tudo é incerto e derradeiro. / Tudo é disperso, nada é inteiro. / Ó Portugal, hoje és nevoeiro... / É a hora!”[16]
O Estado é, por encargo dos seus poderes o órgão governador de uma sociedade politicamente organizada, ou mais precisamente, é uma colectividade fixa num território, na qual existe uma diferenciação entre governantes e governados e uma autoridade soberana. O elemento essencial e específico de todo o estado é pois, o poder soberano, poder este de formular leis e fazer cumprir as mesmas.
O Fim do Estado é realizar o bem comum dos cidadãos e é para atingir esse fim que o Estado faz as leis e formula o Direito[17]
No que toca ao conceito de Nacionalismo é referido em 1945 na reedição do Morais como “preferência, por vezes exclusiva, por tudo o que diz respeito à nação de que se depende[18], ou seja, é a defesa dos interesses da nação.
A ideia de que o Estado é uma forma de autonomia estará demonstrada desde 1890, momento em que se consolida a ideia de Estado-Nação em Portugal, Fernando Catroga afirma que em 1890 a ideia de Estado Nação seria a de um “conjunto dos cidadãos, e também o território ou circunscrição política que constitui um Estado independente, regido por leis próprias com um governo absolutamente autónomo[19]
            Assim, sendo o Estado a entidade regulamentadora da individualização de um povo, e o responsável pela sua conduta e seu guardião, o Estado é um resultado da própria nação, sendo que a cada Estado corresponde uma Nação, claro que isto não se verifica em todos os casos, a vertente imperialista que foi combatida em todo o Séc. XX em África e na Ásia demonstra isso, mas essas mesmas novas nações que nascem do jugo imperial, fará-lo-ião segundo Catroga, protegidas pelo “princípio wilsoniano segundo o qual a cada nação deve caber um Estado, e irromperá dos escombros dos impérios multiculturais[20].
Hoje em dia os vários países, sobre tudo os europeus não se podem afirmar estanques, e com tal as pessoas que circulam de outros países para a Europa e que aí se fixam criam uma resistência á uniformização de consciências.

         


[1] CATROGA, Fernando; PÁTRIA, NAÇÃO, NACIONALISMO; P.13.
[2] P.14.
[3] CATROGA, Fernando; O Afecto das Palavras in Ensaio Respublicano; FFMS; p. 12.
[4] CATROGA, Fernando; PÁTRIA, NAÇÃO, NACIONALISMO; P.12.
[5] CATROGA, Fernando; PÁTRIA, NAÇÃO, NACIONALISMO; P.14.
[6] CATROGA, Fernando; PÁTRIA, NAÇÃO, NACIONALISMO; P.27.
[7] CATROGA, Fernando; O Afecto das Palavras in Ensaio Respublicano; FFMS; p. 21.
[8] CATROGA, Fernando; PÁTRIA, NAÇÃO, NACIONALISMO; P.33.
[9] CATROGA, Fernando; PÁTRIA, NAÇÃO, NACIONALISMO; P.33.
[10] CATROGA, Fernando; O Afecto das Palavras in Ensaio Respublicano; FFMS; p. 21.
[11] CATROGA, Fernando; O Nacionalismo in Ensaio Respublicano; FFMS; p. 21.
[12] CATROGA, Fernando; PÁTRIA, NAÇÃO, NACIONALISMO; P.41
[13] Quanto a utilização de expressões patrióticas Fernando Catroga afirma que: “… a proliferação de expressões de cunho patriótico, que tiveram uma grande utilização durante as invasões francesas e, depois, no decorrer da revolução liberal de 1820-1822, recebia guarida no dicionário.” P.45.
[14] BARRETO, António; Portugal in Da Estratégia; Tribuna da História; Lisboa; 2010; p.323.
[15] BARRETO, António; Portugal in Da Estratégia; Tribuna da História; Lisboa; 2010; p.334.
[17] AFONSO, A. Martins; Princípios fundamentais de Organização política e administrativa da Nação; Papelaria Fernandes; Lisboa; p. 13.
[18] P.47
[19]CATROGA, Fernando; PÁTRIA, NAÇÃO, NACIONALISMO;  P.47
[20] CATROGA, Fernando; PÁTRIA, NAÇÃO, NACIONALISMO; P.51.

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