A
Coreia do Norte voltou a lançar um míssil que sobrevou o Japão.
É a segunda vez que o faz este ano e é uma acção agressiva, obrigando-nos a
pensar no curso futuro dos acontecimentos. Analisemos assim o que se está a
passar, a luz da teoria neo-realista das Relações Internacionais.
A península coreana é o único
lugar no mundo onde a Guerra Fria persiste e se existe algum lugar onde o
pensamento neo-realista de Waltz e Mearsheimer é seguramente válido é aqui. O
neo-realismo, ou realismo estrutural, definido por Kenneth Waltz,
afirma que os estados são agentes racionais que actuam no seu interesse próprio
dentro de um sistema em anarquia e em que cada Estado tenta assegurar a sua perpetuação
e manter um equilíbrio de poder.
O realismo estrutural é
desenvolvido a partir do realismo clássico. Para os realistas estruturais,
também nomeados como neo-realistas, o sistema político internacional é tal como
para o realismo clássico uma luta pelo poder. A grande distinção é que estes não
atribuem esse facto à biológica condição humana egoísta e belicista, mas sim a
estrutura do próprio sistema internacional, isto é, a procura de poder não está
“hard wired” no ser humano como referiu Mearsheimer, constitui sim uma reacção
a um sistema onde vigora a auto-ajuda derivada da anarquia, sendo esta caracterizada por não existir acima dos Estados mundiais,
nenhuma entidade que possa ter a capacidade de os punir ou obrigar a algo.
Nesta teoria, os estados são actores
que competem dentro de um sistema anárquico para manter seu poder e
estabilidade. É a anarquia que define a estrutura onde estes actuam. O sistema
regional do Leste Asiático tem uma dinâmica de segurança muito semelhante
aquela que prevaleceu na Guerra Fria durante a segunda metade do século
XX. Como a Guerra da Coreia terminou com um acordo de armistício e não com
um tratado de paz, a Guerra Fria na península continua tendo produzindo uma proliferação
nuclear.
A
crise aumentou desde que a Coreia do Norte (RPCN) anunciou em Maio de 2009 que
não mais aceitava mais o armistício. Como durante a Guerra Fria, as
relações externas na região baseiam-se em análises de custo-benefício
supostamente racionais e na execução das políticas apropriadas a essa mesma
racionalidade. O foco dos Estados do Nordeste Asiático tem sido gerir os
resultados inerentes ao que tão bem foi caracterizado pelo conceito de dilema de segurança; crescimento / proliferação
militar e manutenção de um equilíbrio de poder para evitar a guerra.
Assim como durante a Guerra Fria
do século XX entre os EUA e a URSS, o objectivo de cada ator não é envolver-se
em guerra e sofrer seus custos e consequências; Em vez disso, cada estado
está mais interessado em prevenir a guerra e manter a estabilidade regional nas
suas esferas de hegemonia. No entanto, o sistema regional do Leste
Asiático é diferente da bipolaridade da Guerra Fria; Em vez disso, tem uma
dinâmica multipolar, na qual a China, a Coreia do Sul e os EUA – as vezes através
do Japão - competem pela hegemonia
regional e procuram ter boas relações uns com os outros ou tentam no mínimo
minimizar as hostilidades. Esta lógica reflecte-se nas políticas realistas
defensivas da China e da Coreia do Sul, enquanto a Coreia do Norte adoptou uma
abordagem mais ofensiva de afirmação de poder.
O realismo ofensivo é a
estratégia perseguida pela Coreia do Norte, teoria com a marca de John
Mearsheimer. Esta teoria afirma que os Estados procuram maximizar o poder
através da capacidade militar, como é visível nas ambições nucleares da Coreia
do Norte. Quer a RPCN esteja ou não em busca de hegemonia na região, o
facto é que a sua nova capacidade nuclear é a única ferramenta de política
externa efectiva que dispõe; sem armas nucleares, a “marginal” Coreia do
Norte estaria totalmente a mercê dos ataques provenientes dos outros actores
regionais. A RPDC actuou como um estado realista clássico na construção da sua
força nuclear em resposta às ameaças à segurança do regime de Kim Jong-Un.
O medo de um confronto com os EUA
foi exacerbado no final da década de 1960, quando os EUA colocaram armas
nucleares no solo da Coreia do Sul. Havia nessa altura a preocupação de
Pyongyang de que os aliados comunistas da Coreia do Norte não lhes forneceriam mais
o apoio desejado, pois observaram a crise dos mísseis cubanos, a Revolução
Cultural Chinesa e a divisão Sino-Russa. O ambiente de segurança da Coreia
do Norte deteriorou-se com o fim da Guerra Fria: perdeu financiamento da URSS,
a Coreia do Sul cresceu economicamente e militarmente, a China concentrou-se na
sua própria economia e alcançou a Coreia do Sul e chegou a segundo maior país
do Mundo, e a Rússia reconheceu a Coreia do Sul, afastando-se da RPCN. Sem
poder se apoiar nos soviéticos e com o seu programa de armas convencionais em
declínio, as armas nucleares ofereceram à Coreia do Norte segurança e,
portanto, eram uma opção lógica. Finalmente, com a invasão dos EUA no
Afeganistão e no Iraque, Pyongyang preocupou-se que poderia ser o próximo foco
da política externa americana e, assim, criou sua dissuasão nuclear. Ao contrário da opinião da
Prof Diana Soler, Waltz não se enganou e a prova é o que se tem passado na
região leste asiática. O equilíbrio nuclear evitou a guerra até agora.
Com
as provocadoras ameaças de Trump a um regime acossado tudo isto se agudizou.
Ameaças intencionais e que são parte da estratégia para a Asia.
O realismo defensivo compartilha
os princípios estruturais do realismo ofensivo; ambos focam na importância
de equilibrar os comportamentos num sistema internacional caótico, porque anárquico. No
entanto, o realismo defensivo propõe que a busca desenfreada do poder seja
contrabalançada e, portanto, não seja desejável. A China e a Coreia do Sul
reagiram ao realismo ofensivo da Coreia do Norte com uma política externa
realista defensiva, visando equilibrar o comportamento agressivo desta e exigir
restrições, agindo, no entanto, também com suspeitas sobre as intenções do Japão,
dos EUA e mesmo entre si.
A preocupação mais urgente da
região é evitar um conflito entre Pyongyang, Seul ou Tóquio, e é este desejo que
impulsiona as relações entre a Coreia do Norte e os seus vizinhos. Um conflito
na região levaria a vários desastres derivados da mudança de regime ou do
colapso da Coreia do Norte, desastres esses que incluem 1) uma crise de
refugiados para a China e para a Coreia do Sul 2) uma crise económica para Seul
que teria de absorver a Coreia do Norte como a Alemanha Federal fez a
Democrática; 3) uma crise económica para a China e para o Japão, uma vez
que a região instabilizava e experimentaria a fuga de capitais e investimentos
sem precedentes. Todas as partes percebem que entre as opções a contenção da Coreia do Norte é o mais
atraente resultado porque permite controlar, ou pelo menos influenciar,
Pyongyang. Esta análise custo-benefício é o quadro em torno do qual a
política realista defensiva é pensada na China e na Coreia do Sul.
A China e a Coreia do Sul - e
mesmo Tóquio – têm um interesse total numa segurança compartilhada que
impeça uma guerra na península coreana e evite uma mudança de regime na Coreia
do Norte. Enquanto a Coreia do Norte se comportava de forma realista
ofensiva à medida que se nucleariza na tentativa de acumular e exibir poder, a
República Popular da China e a Coreia do Sul responderam com políticas
realistas defensivas, destinadas a manter a estabilidade na península coreana
com a intenção de evitar conflitos indesejados.
No meu entender só há um actor
com interesse em desestabilizar toda a região e esse actor são os Estados
Unidos da América. Conforme já disse em post anteriores, “Trump desde o início da sua presidência que apontou a
China como o grande challenger aos interesses norte-americanos no
Mundo. Trump quer os EUA “grandes outra vez” no palco mundial e a China é –
muito mais que a Rússia ou a EU – o grande problema com o seu poderio demográfico,
financeiro e económico.”
Os Estados continuam a actuar em
função do seu interesse percepcionado com ênfase na segurança e nas relações de
poder regionais e mundiais. É isto que nos ensina o realismo estrutural. Para os EUA de Trump, coadjuvado nas decisões
por homens como Mc
Master e James Mattis, o objectivo continua a ser, a nível Mundial, evitar que a China
adquira a hegemonia, nem que para isso se desestabilize uma região inteira. Como
disse o experiente Ministro Russo dos Negócios Estrangeiros, Lavrov, “I hope common sense will prevail," certamente
da parte do elo mais forte! Este é só mais
um capítulo de um livro que estamos a ver escrito em tempo real.
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