terça-feira, 29 de agosto de 2017

A Coreia do Norte, A China, os EUA e os seus amigos; Uma análise de realismo estrutural

A Coreia do Norte voltou a lançar um míssil que sobrevou o Japão. É a segunda vez que o faz este ano e é uma acção agressiva, obrigando-nos a pensar no curso futuro dos acontecimentos. Analisemos assim o que se está a passar, a luz da teoria neo-realista das Relações Internacionais. 

A península coreana é o único lugar no mundo onde a Guerra Fria persiste e se existe algum lugar onde o pensamento neo-realista de Waltz e Mearsheimer é seguramente válido é aqui. O neo-realismo, ou realismo estrutural, definido por Kenneth Waltz, afirma que os estados são agentes racionais que actuam no seu interesse próprio dentro de um sistema em anarquia e em que cada Estado tenta assegurar a sua perpetuação e manter um equilíbrio de poder. 

O realismo estrutural é desenvolvido a partir do realismo clássico. Para os realistas estruturais, também nomeados como neo-realistas, o sistema político internacional é tal como para o realismo clássico uma luta pelo poder. A grande distinção é que estes não atribuem esse facto à biológica condição humana egoísta e belicista, mas sim a estrutura do próprio sistema internacional, isto é, a procura de poder não está “hard wired” no ser humano como referiu Mearsheimer, constitui sim uma reacção a um sistema onde vigora a auto-ajuda derivada da anarquia, sendo esta caracterizada por não existir acima dos Estados mundiais, nenhuma entidade que possa ter a capacidade de os punir ou obrigar a algo.

Nesta teoria, os estados são actores que competem dentro de um sistema anárquico para manter seu poder e estabilidade. É a anarquia que define a estrutura onde estes actuam. O sistema regional do Leste Asiático tem uma dinâmica de segurança muito semelhante aquela que prevaleceu na Guerra Fria durante a segunda metade do século XX. Como a Guerra da Coreia terminou com um acordo de armistício e não com um tratado de paz, a Guerra Fria na península continua tendo produzindo uma proliferação nuclear.

A crise aumentou desde que a Coreia do Norte (RPCN) anunciou em Maio de 2009 que não mais aceitava mais o armistício. Como durante a Guerra Fria, as relações externas na região baseiam-se em análises de custo-benefício supostamente racionais e na execução das políticas apropriadas a essa mesma racionalidade. O foco dos Estados do Nordeste Asiático tem sido gerir os resultados inerentes ao que tão bem foi caracterizado pelo conceito de dilema  de segurança; crescimento / proliferação militar e manutenção de um equilíbrio de poder para evitar a guerra.

Assim como durante a Guerra Fria do século XX entre os EUA e a URSS, o objectivo de cada ator não é envolver-se em guerra e sofrer seus custos e consequências; Em vez disso, cada estado está mais interessado em prevenir a guerra e manter a estabilidade regional nas suas esferas de hegemonia.  No entanto, o sistema regional do Leste Asiático é diferente da bipolaridade da Guerra Fria; Em vez disso, tem uma dinâmica multipolar, na qual a China, a Coreia do Sul e os EUA – as vezes através do Japão -  competem pela hegemonia regional e procuram ter boas relações uns com os outros ou tentam no mínimo minimizar as hostilidades. Esta lógica reflecte-se nas políticas realistas defensivas da China e da Coreia do Sul, enquanto a Coreia do Norte adoptou uma abordagem mais ofensiva de afirmação de poder.

O realismo ofensivo é a estratégia perseguida pela Coreia do Norte, teoria com a marca de John Mearsheimer. Esta teoria afirma que os Estados procuram maximizar o poder através da capacidade militar, como é visível nas ambições nucleares da Coreia do Norte. Quer a RPCN esteja ou não em busca de hegemonia na região, o facto é que a sua nova capacidade nuclear é a única ferramenta de política externa efectiva que dispõe; sem armas nucleares, a “marginal” Coreia do Norte estaria totalmente a mercê dos ataques provenientes dos outros actores regionais. A RPDC actuou como um estado realista clássico na construção da sua força nuclear em resposta às ameaças à segurança do regime de Kim Jong-Un. 

O medo de um confronto com os EUA foi exacerbado no final da década de 1960, quando os EUA colocaram armas nucleares no solo da Coreia do Sul. Havia nessa altura a preocupação de Pyongyang de que os aliados comunistas da Coreia do Norte não lhes forneceriam mais o apoio desejado, pois observaram a crise dos mísseis cubanos, a Revolução Cultural Chinesa e a divisão Sino-Russa. O ambiente de segurança da Coreia do Norte deteriorou-se com o fim da Guerra Fria: perdeu financiamento da URSS, a Coreia do Sul cresceu economicamente e militarmente, a China concentrou-se na sua própria economia e alcançou a Coreia do Sul e chegou a segundo maior país do Mundo, e a Rússia reconheceu a Coreia do Sul, afastando-se da RPCN. Sem poder se apoiar nos soviéticos e com o seu programa de armas convencionais em declínio, as armas nucleares ofereceram à Coreia do Norte segurança e, portanto, eram uma opção lógica. Finalmente, com a invasão dos EUA no Afeganistão e no Iraque, Pyongyang preocupou-se que poderia ser o próximo foco da política externa americana e, assim, criou sua dissuasão nuclear. Ao contrário da opinião da Prof Diana Soler, Waltz não se enganou e a prova é o que se tem passado na região leste asiática. O equilíbrio nuclear evitou a guerra até agora.

Com as provocadoras ameaças de Trump a um regime acossado tudo isto se agudizou. Ameaças intencionais e que são parte da estratégia para a Asia.

O realismo defensivo compartilha os princípios estruturais do realismo ofensivo; ambos focam na importância de equilibrar os comportamentos num sistema internacional caótico, porque anárquico. No entanto, o realismo defensivo propõe que a busca desenfreada do poder seja contrabalançada e, portanto, não seja desejável. A China e a Coreia do Sul reagiram ao realismo ofensivo da Coreia do Norte com uma política externa realista defensiva, visando equilibrar o comportamento agressivo desta e exigir restrições, agindo, no entanto, também com suspeitas sobre as intenções do Japão, dos EUA e mesmo entre si.

A preocupação mais urgente da região é evitar um conflito entre Pyongyang, Seul ou Tóquio, e é este desejo que impulsiona as relações entre a Coreia do Norte e os seus vizinhos. Um conflito na região levaria a vários desastres derivados da mudança de regime ou do colapso da Coreia do Norte, desastres esses que incluem 1) uma crise de refugiados para a China e para a Coreia do Sul 2) uma crise económica para Seul que teria de absorver a Coreia do Norte como a Alemanha Federal fez a Democrática; 3) uma crise económica para a China e para o Japão, uma vez que a região instabilizava e experimentaria a fuga de capitais e investimentos sem precedentes. Todas as partes percebem que entre as opções a contenção da Coreia do Norte é o mais atraente resultado porque permite controlar, ou pelo menos influenciar, Pyongyang. Esta análise custo-benefício é o quadro em torno do qual a política realista defensiva é pensada na China e na Coreia do Sul.

A China e a Coreia do Sul - e mesmo Tóquio – têm um interesse total numa segurança compartilhada que impeça uma guerra na península coreana e evite uma mudança de regime na Coreia do Norte. Enquanto a Coreia do Norte se comportava de forma realista ofensiva à medida que se nucleariza na tentativa de acumular e exibir poder, a República Popular da China e a Coreia do Sul responderam com políticas realistas defensivas, destinadas a manter a estabilidade na península coreana com a intenção de evitar conflitos indesejados. 


Os Estados continuam a actuar em função do seu interesse percepcionado com ênfase na segurança e nas relações de poder regionais e mundiais. É isto que nos ensina o realismo estrutural.  Para os EUA de Trump, coadjuvado nas decisões por homens como Mc Master e James Mattis, o objectivo continua a ser, a nível Mundial, evitar que a China adquira a hegemonia, nem que para isso se desestabilize uma região inteira. Como disse o experiente Ministro Russo dos Negócios Estrangeiros, Lavrov, “I hope common sense will prevail," certamente da parte do elo mais forte!  Este é só mais um capítulo de um livro que estamos a ver escrito em tempo real.


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