terça-feira, 27 de junho de 2017

Israel: A Geografia é o seu maior inimigo

Fundado em 1948, o Estado de Israel está localizado na margem oriental do Mar Mediterrâneo. O país tem fronteira com a Faixa de Gaza, Cisjordânia, Líbano, Síria, Jordânia e Egipto. O território de Israel tem historicamente sido uma atracção para os grandes poderes, desde os romanos até os britânicos. Para um poder mediterrâneo, Israel pode servir como uma ponte estratégica continental e para um poder oriental, o controle de Israel é necessário para garantir a defesa do flanco desse poder.

Israel contém varias partes de quatro regiões topográficas distintas. O Negev é uma extensão do deserto do Sinai e representa mais da metade de Israel. A planície costeira começa na Faixa de Gaza e estende-se para o norte até a fronteira com o Líbano. A região da colina estende-se do monte Hermon, no norte ate ao sul de Jerusalém. O vale do rio Jordão segue o comprimento deste e continua até o Mar Vermelho. Israel também reivindica os dois terços ocidentais dos Montes Golan, um planalto estratégico. O núcleo do país está na planície costeira e na região norte e central da colina. Mais de 3 milhões dos aproximadamente 8 milhões de habitantes de Israel vivem na grande area metropolitana de Gush Dan, que tem por núcleo central Tel Aviv

O principal desafio geográfico de Israel é a falta de recursos naturais, isto combinado com a falta de profundidade estratégica: O seu ponto mais estreito é de apenas 15 quilómetros de largura. Israel actualmente tem a capacidade de se defender, mas deve manter uma postura de constante prontidão militar. Embora os avanços na tecnologia de dessalinização da água o tenham ajudado a resolver os problemas de escassez e as descobertas de campos de gás natural offshore relativamente grandes em Tamar e Leviathan tenham melhorado o acesso de Israel ao gás natural, Israel ainda é um país muito pobre em recursos.

Israel historicamente sempre dependeu do apoio de um grande patrocinador do poder, e muitas vezes teve de equilibrar as suas relações com as potências regionais que não nutrem por ele qualquer respeito que não seja o militar. Qualquer brecha séria na unidade interna pode ser aproveitada pelas potências regionais para destruir este Estado.



sábado, 24 de junho de 2017

O que se vê e o que não se vê

O que aconteceu no passado fim de semana em Portugal é só mais uma manifestação de algo muito mais abrangente que, neste momento, se verifica em todas as sociedades avançadas do planeta; o falhanço do Estado como forma de organização de sistemas complexos, como o é a sociedade global e híper-conectada no séc. XXI. 

O fim das grandes narrativas ideológicas, que nos levaram à pós-modernidade e que tiveram o seu clímax no fim da bipolaridade, não deram origem a nenhuma estrutura alternativa, porque impossível estar formada uma desde já, levando a um estado de letargia onde novos problemas são endereçados por soluções antigas. Só assim se entende que pessoas intelectualmente privilegiadas continuem a defender mais Estado perante a incapacidade total das soluções tradicionais deste modelo organizativo em responder aos princípios estratégicos básicos que lhe deram origem, a saber; promover a segurança e o bem-estar das pessoas.

Estamos numa fase de transição. Temo que o fim possa ser abrupto, violento e obviamente doloroso, mas só ele poderá levar a aceitação, nestas ditas sociedades avançadas, de novas formas de organização, menos centralizadas e colectivistas, menos coercivas e mais voluntárias e partilhadas. 


quarta-feira, 14 de junho de 2017

Uma nova grande estratégia para os EUA; Tim Kaine propõe uma na FA

Interessante artigo de Tim Kaine na Foreign Affairs (FA), com o titulo A New Truman Doctrine, Grand Strategy in a Hyperconnected World. Kaine, Democrata, Jesuíta e apoiante de Hillary Clinton de quem era o proposto vice-presidente na eleição recente contra Trump, refere que os Estados Unidos estão a deriva no que a Politica Externa (PE) diz respeito, não tendo uma estratégia clara para um Mundo que segundo Kaine é "....Today’s world is not bipolar, as it was during Truman’s day. It’s tripolar: power is now exercised by democratic states, authoritarian states, and nonstate actors. A contemporary U.S. security doctrine must operate in that framework and offer a guide for action that treats each group distinctly.". Para ele a Doutrina Truman, que deu origem a guerra fria, já não faz sentido mas não houve até agora outra que a substituísse. Felizmente digo eu !

Normalmente quando um Democrata intervencionista diz que não há estratégia de PE para o Mundo e propõe uma nova doutrina Truman, eu fico preocupado pois antecipo o pedir de mais intervencionismo bélico e económico. Sendo Kaine o numero dois de quem era, esperava um forte ataque a Trump e mais do mesmo; intervencionismo. O Senedor Kaine não me deixou ficar mal. O artigo está bem feito e parece que os Democratas aprenderam algumas lições passadas sobre o Iraque, a Líbia ou a Síria, No entanto os laivos intervencionistas continuam lá e para Kaine tem que haver mais músculo contra os Estados não democráticos, de forma a que os valores dos EUA voltem a ser respeitados ( quiçá temidos...)

Quais são assim as propostas ? Em relação as Democracias ele propõe uma liderança pelo exemplo; em relação aos Estados autoritários ele apresenta como abordagem " The United States should skillfully challenge such states in the hopes that they will increase their commitment to democratic values, as well as their commitment to peaceful relations with other nations and their integration into global institutions. Challenging authoritarian nations requires different tactics depending on the issue. Sometimes the United States should cooperate, sometimes compete, and sometimes confront." e finalmente em relação ao actores não estatais destaca a necessidade de combater o ISIS e o terrorismo, frisando a necessidade de alinhar com a Rússia nesta acção e dizendo que  "Trump is therefore right when he argues that the United States should work with Russia to defeat groups such as ISIS. While there are many reasons to be skeptical about Russian intentions in other areas, fighting terrorist organizations has long been a key Russian priority, and there is no reason not to work together toward that end."

Kaine apresenta posteriormente uma serie de ideias que chamo de intervencionismo soft, ou seja os EUA devem "To protect itself in the future, the United States must always send a clear message to those who mean Americans harm: don’t mess with us. And Washington must back that message up by always defending the country, the American people, and U.S. institutions with swift, visible, and overwhelming force. Failure to do so emboldens U.S. enemies and undermines American allies’ confidence that Washington will come to their aid when needed.". Parece-me que o medo de uma Rússia forte ao nível do ciber, faz com que Kaine reafirme a necessidade de os EUA entrarem em guerras preventivas, se bem que aprendendo com os erros passados.

No entanto a parte do texto que mais me chamou a atenção foi o apontar para a América como Continente como espaço geográfico de acção a privilegiar pela PE dos EUA. Kaine afirma em dois parágrafos centrais do artigo;

"...Finally, as the United States seeks to define a new grand strategy for the twenty-first century, it needs to correct one long-term trend. Since the country’s earliest days, its policymakers have tended to think in East-West terms. We have focused most of our attention on Europe, Japan, the Soviet Union, the Middle East, China, Southeast Asia, and Russia, while neglecting the global South. We have seldom paid enough attention to the Americas, in particular, and when we have—whether through the Monroe Doctrine or by battling communist movements during the Cold War—we have focused more on blocking outsiders from building influence in the Western Hemisphere than we have on the nations already there.

That must change. The United States needs an “all Americas” national security policy that places primacy on North, Central, and South America. It should not be an “Americas only” policy, one that limits the United States’ involvement with democracies elsewhere. But the United States should shift its focus. The 35 nations that make up the Americas share significant cultural similarities and boast a combined population of more than one billion. Thanks to the cease-fire that Washington helped broker in Colombia, for the first time in recorded history, there are now no wars being fought in the hemisphere. The region is also home to two of the United States’ top three trading partners, Canada and Mexico, and the United States’ commercial ties to these and other countries in the Americas will continue to be critical to the U.S. economy. Meanwhile, the move toward the normalization of U.S. relations with Cuba has removed a perennial obstacle to improved relations with other parts of Latin America." Isto é de facto novo e merece, pela minha parte, uma atenção futura maior a este tema. 

Recomendo a leitura de um artigo que vale pelo seu todo aos que se interessam por Relações Internacionais e Politica Externa dos Estados Unidos. (NT: aproveitem a "borla" da FA e leiam o artigo todo no link )



sexta-feira, 9 de junho de 2017

Qatar; It’s the Gas Stupid !

A recente visita de Trump a Arábia Saudita foi de uma enorme importância. Para além dos negócios associados, Trump reforçou o apoio a esta monarquia, legitimando-a ainda mais na região. A Arábia Saudita e os sunitas sabem que podem contar com Trump e com os EUA.

É a luz destes recentes acontecimentos que tento compreender o que se passa no Qatar. As acusações de apoio ao terrorismo e de ligações ao Irão - verdadeiras ou não - não chegam para enquadrar todo o isolamento que os Sauditas entre outros estados do Médio Oriente, impuseram ao pequeno Estado, isto quando ja se fala mesmo de uma intervenção militar.

É meu entendimento que as razões estão no gás natural do Qatar.

O gás natural tornou-se a fonte de “energia limpa” favorita para sec. XXI e a UE é o mercado com maior potencial de crescimento. Este é um dos principais motivos para Trump querer acabar com a relação de dependência da Gazprom russa que domina a UE no fornecimento de gás.

O maior reservatório de gás natural conhecido do mundo está no meio do Golfo Pérsico e encontra-se nas águas territoriais do Qatar e do Irão. A parte iraniana é chamada South Pars e a do Qatar North Field. 

Em Julho de 2011, os governos da Síria, do Irão e do Iraque assinaram um acordo para construção de um gasoduto com inicio perto do campo de gás South Pars no Golfo Pérsico, até Damasco na Síria, através do território iraquiano. Este acordo tornaria a Síria o centro de estratégico de toda a operação futura de colocação de gás na Europa. A outra opção é a construção futura de um gasoduto Qatar -Turquia, que se ligue ao Nabucco que alimenta a UE.

As razões para o gás ser fonte de discórdia começam em 1995 quando começou o transporte de gás natural líquido do maior reservatório do mundo; o campo norte offshore, que fornece o Qatar e é partilhado com o Irão, o grande rival da Arábia Saudita. Rapidamente o Qatar se tornou um dos Estados mais ricos do Mundo - com uma renda per capita anual de  130.000 US - sendo capaz de competir com a Gazprom Russa e afastando-se dos interesses focados unicamente no petróleo que os seus vizinhos apresentam.

Facto é que o Qatar teve esta exploração bastante condicionada para estudos tendo levantado a moratória a que se auto prescreveu em 2005 começando a explorá-lo agora com maior intensidade, porque a Austrália, os EUA e a Rússia estão a aumentar também a sua produção, tal como o Irão que tem a parte norte do banco de gás partilhado com o Qatar. O mercado ficou bem mais agressivo. Esta foi a forma de o Qatar se posicionar estrategicamente para 2020 na luta pelo mercado do GNL. Obviamente que estando o Irão a explorar a mesma reserva de gás, haja possibilidade e necessidade de se trocarem informações e de se fazerem acordos.

Neste momento um estado pequeno e que sempre teve um papel menor no Médio-Oriente, começa a ser objecto de preocupação por parte dos seus vizinhos, num clássico fenómeno de balanço de poder regional.

Vejamos o seguinte. No que ao futuro diz respeito há duas opções centrais (ver figura):

1) O pipeline Irão-Iraque-Síria que vai dos campos de gás do sul do Irão e passa por este pais, o Iraque, a Síria e o Líbano para alcançar a costa da Síria e fornecer aos clientes europeus directamente dos terminais da Síria, evitando passar pela Turquia. Esta rota tem o apoio e protecção da Rússia;

2) O pipeline proposto pelo Qatar-Turquia que começa nos campos de gás iraniano-qatariano e atravessa a Arábia Saudita, a Jordânia e a Síria e a Turquia para se ligar com o gasoduto Nabucco na Turquia abastecendo os mercados turco e europeu. A UE e os EUA preferem e apoiam esta rota, mas para tristeza de muitos Assad na Síria recusa-se a permitir que o gasoduto passe pelo território sírio para a Turquia.

Com a iminente vitoria de Assad e Putin na Síria, a monarquia baseada em Doha terá compreendido rapidamente que a Rússia não irá permitir que o pipeline que tinha previsto, passe na Síria, sendo estrategicamente mais interessante os qataris alinharem com o Irão e com a Rússia, isto mesmo quando o Qatar é anfitrião da maior base militar dos EUA na região. 

Estes sinais desagradaram e muito quer a Arábia Saudita, que não quer aliados do Irão na fronteira, nem um estado com o nível de autonomia que o líder sheik Tamim Ben Hamad Al-Thani tem (relembro que a Al-Jazeeera tem neste pais a sua base e que o Qatar tem apoiado a Irmandade Muçulmana o que desagrada profundamente aos Sauditas) bem como aos EUA, que ali têm uma base central e a quem um alinhamento do Qatar com o Irão e Rússia só pode causar problemas na sua estratégia de redução da dependência da UE do gás russo.

Percebe-se assim que o recente backup de Trump à casa de Saudi tenha dado o mote para que estes últimos tenham hostilizado seriamente o Qatar. Nada faz prever que as coisas arrefeçam, o que leva a mais instabilidade à região o que não interessa a ninguém que seja da ...região ! Como disse Bill Clinton certa vez com outras palavras mas com a mesma intenção; Its the gas Stupid !



domingo, 4 de junho de 2017

O terror voltou a Londres. Quem tem razão; Roy ou Kepel ?

O terror voltou a Londres. Pergunto a mim próprio que mais poderei dizer ou escrever sobre este assunto. Lembro-me dos que morreram. Do que poderia ter sido a sua vida. Das famílias destruídas. Penso que temos de perceber tudo isto, para resolver esta situação e sinto até uma certa responsabilidade em contribuir para a compreensão. O conformismo que alguns denotam é a mais imoral das atitudes. A força bruta irracional dos que querem “arrasar tudo” alivia mas não resolve nada.Unicamente adia até à próxima vez.

Lembrei-me assim da disputa acalorada entre os dois mais notáveis estudiosos franceses do islão político, Gilles Kepel e Olivier Roy e sobre as suas respostas à questão de porquê é europeus se tornam terroristas islâmicos.

O seu vincado desacordo não é apenas uma disputa intelectual. A forma como entendemos o extremismo islâmico - e quais as respostas políticas adequadas – dependem das perguntas e respostas que temos a questão acima. É por isso que acho a querela Kepel vs Roy tão importante nos dias que correm.

Os terroristas são principalmente…Europeus !

A maioria dos assassinos dos ataques de Bruxelas, Paris e Londres foram criados nestes países. Por que é essas pessoas se revoltam contra os seus próprios compatriotas - e quem é/são os culpados? Oliver Roy defende que não estamos falando de uma "radicalização do Islão", mas sim a "islamização do radicalismo". Ele acha que devemos parar de procurar explicações religiosas ou culturais, já que apenas uma pequena fracção de muçulmanos europeus tem sido atraída por tal extremismo. Ele também refuta a ideia de que o racismo ou a discriminação é que radicalizou os muçulmanos nas sociedades europeias. Se este fosse o caso, diz ele, por que é um número substancial de convertidos europeus brancos se juntou a grupos como o Estado islâmico?

Em vez disso, Roy argumenta que estes terroristas estão envolvidos numa revolta geracional idealista - como quando furiosos jovens europeus na década de 1970 aderiram aos grupos terroristas de extrema esquerda como as Brigadas Vermelhas, a ETA, o IRA ou os Baden Mayhoff . De acordo com Roy, os niilistas de hoje voltam-se para uma versão deformada do Islão, como a melhor forma de se revoltarem contra a sociedade que consideram opressora, imoral e injusta. Eles  usam a promessa do paraíso, das virgens e da vida eterna com Alá, para justificar as suas acções, depois de serem manipulados por organizações extremistas e autoproclamados Imãs.

Roy vai mais longe e refere que muitos dos terroristas Europeus não eram particularmente religiosos. Eles eram mais propensos a serem encontrados em discotecas do que em mesquitas e muitas vezes têm uma história de pequenos crimes, alcoolismo e droga. Roy concorda que a religião tem alguma relevância, mas argumenta que os factores psicológicos e de alienação são os mais importantes na radicalização.

Devemos responsabilizar especificamente o salafismo?

Kepel acha que a (auto)-marginalização social, económica e política dos muçulmanos nascidos na França e também em UK, ajudou a criar o que ele chama de "terceira geração de jihadistas" - aqueles que surgiram entre 2005 e 2015. A sua marginalização levou-os as formas extremas de islamismo como o salafismo; uma versão altamente conservadora do islamismo, importado do Médio Oriente com a ajuda dos petrodólares da Arábia Saudita e do Qatar. Kepel acha que não se pode separar o jihadismo violento do salafismo islâmico e enfatiza a importância de tais crenças religiosas e dos seus conteúdos violentos e anti-ocidentais na criação das condições para atrair o terrorismo. 

Num debate histórico no Liberation, Roy afirmou  que não ignora o papel da religião e concordou com Kepel sobre a extensão do salafismo nos subúrbios pobres da França, Bélgica e mesmo na Grã-bertanha. No entanto, ele diz que isso não pode explicar a radicalização extrema, suicida e violenta de jovens. Roy rejeita a noção de que o salafismo ajude a incubar o extremismo violento - ou que os perpetradores das atrocidades de Bruxelas, Paris ou Londres sejam simplesmente classificados como Salafistas. Kepel, por sua vez, admitiu que existem algumas semelhanças entre diferentes formas de extremismo, mas reiterou a sua crença na ligação entre o Islão, o terrorismo Jihadista e o salafismo.

Os pontos de vista de Kepel e Roy talvez sejam complementares. É importante que todos os que se dedicam a estas áreas trabalhem juntos e em diferentes disciplinas para percebermos por que é que na sua maioria são os jovens os atraídos para estes comportamentos extremos como o terrorismo.

Para saber mais;

The Professor and the Jihadi - Gilles Kepel

Who are the new jihadis? - Oliver Roy