sexta-feira, 9 de junho de 2017

Qatar; It’s the Gas Stupid !

A recente visita de Trump a Arábia Saudita foi de uma enorme importância. Para além dos negócios associados, Trump reforçou o apoio a esta monarquia, legitimando-a ainda mais na região. A Arábia Saudita e os sunitas sabem que podem contar com Trump e com os EUA.

É a luz destes recentes acontecimentos que tento compreender o que se passa no Qatar. As acusações de apoio ao terrorismo e de ligações ao Irão - verdadeiras ou não - não chegam para enquadrar todo o isolamento que os Sauditas entre outros estados do Médio Oriente, impuseram ao pequeno Estado, isto quando ja se fala mesmo de uma intervenção militar.

É meu entendimento que as razões estão no gás natural do Qatar.

O gás natural tornou-se a fonte de “energia limpa” favorita para sec. XXI e a UE é o mercado com maior potencial de crescimento. Este é um dos principais motivos para Trump querer acabar com a relação de dependência da Gazprom russa que domina a UE no fornecimento de gás.

O maior reservatório de gás natural conhecido do mundo está no meio do Golfo Pérsico e encontra-se nas águas territoriais do Qatar e do Irão. A parte iraniana é chamada South Pars e a do Qatar North Field. 

Em Julho de 2011, os governos da Síria, do Irão e do Iraque assinaram um acordo para construção de um gasoduto com inicio perto do campo de gás South Pars no Golfo Pérsico, até Damasco na Síria, através do território iraquiano. Este acordo tornaria a Síria o centro de estratégico de toda a operação futura de colocação de gás na Europa. A outra opção é a construção futura de um gasoduto Qatar -Turquia, que se ligue ao Nabucco que alimenta a UE.

As razões para o gás ser fonte de discórdia começam em 1995 quando começou o transporte de gás natural líquido do maior reservatório do mundo; o campo norte offshore, que fornece o Qatar e é partilhado com o Irão, o grande rival da Arábia Saudita. Rapidamente o Qatar se tornou um dos Estados mais ricos do Mundo - com uma renda per capita anual de  130.000 US - sendo capaz de competir com a Gazprom Russa e afastando-se dos interesses focados unicamente no petróleo que os seus vizinhos apresentam.

Facto é que o Qatar teve esta exploração bastante condicionada para estudos tendo levantado a moratória a que se auto prescreveu em 2005 começando a explorá-lo agora com maior intensidade, porque a Austrália, os EUA e a Rússia estão a aumentar também a sua produção, tal como o Irão que tem a parte norte do banco de gás partilhado com o Qatar. O mercado ficou bem mais agressivo. Esta foi a forma de o Qatar se posicionar estrategicamente para 2020 na luta pelo mercado do GNL. Obviamente que estando o Irão a explorar a mesma reserva de gás, haja possibilidade e necessidade de se trocarem informações e de se fazerem acordos.

Neste momento um estado pequeno e que sempre teve um papel menor no Médio-Oriente, começa a ser objecto de preocupação por parte dos seus vizinhos, num clássico fenómeno de balanço de poder regional.

Vejamos o seguinte. No que ao futuro diz respeito há duas opções centrais (ver figura):

1) O pipeline Irão-Iraque-Síria que vai dos campos de gás do sul do Irão e passa por este pais, o Iraque, a Síria e o Líbano para alcançar a costa da Síria e fornecer aos clientes europeus directamente dos terminais da Síria, evitando passar pela Turquia. Esta rota tem o apoio e protecção da Rússia;

2) O pipeline proposto pelo Qatar-Turquia que começa nos campos de gás iraniano-qatariano e atravessa a Arábia Saudita, a Jordânia e a Síria e a Turquia para se ligar com o gasoduto Nabucco na Turquia abastecendo os mercados turco e europeu. A UE e os EUA preferem e apoiam esta rota, mas para tristeza de muitos Assad na Síria recusa-se a permitir que o gasoduto passe pelo território sírio para a Turquia.

Com a iminente vitoria de Assad e Putin na Síria, a monarquia baseada em Doha terá compreendido rapidamente que a Rússia não irá permitir que o pipeline que tinha previsto, passe na Síria, sendo estrategicamente mais interessante os qataris alinharem com o Irão e com a Rússia, isto mesmo quando o Qatar é anfitrião da maior base militar dos EUA na região. 

Estes sinais desagradaram e muito quer a Arábia Saudita, que não quer aliados do Irão na fronteira, nem um estado com o nível de autonomia que o líder sheik Tamim Ben Hamad Al-Thani tem (relembro que a Al-Jazeeera tem neste pais a sua base e que o Qatar tem apoiado a Irmandade Muçulmana o que desagrada profundamente aos Sauditas) bem como aos EUA, que ali têm uma base central e a quem um alinhamento do Qatar com o Irão e Rússia só pode causar problemas na sua estratégia de redução da dependência da UE do gás russo.

Percebe-se assim que o recente backup de Trump à casa de Saudi tenha dado o mote para que estes últimos tenham hostilizado seriamente o Qatar. Nada faz prever que as coisas arrefeçam, o que leva a mais instabilidade à região o que não interessa a ninguém que seja da ...região ! Como disse Bill Clinton certa vez com outras palavras mas com a mesma intenção; Its the gas Stupid !



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