sexta-feira, 24 de março de 2017

Lobos pouco solitários

Um ano depois de Bruxelas o terror voltou a Londres. O terrorista foi identificado como sendo Khalid Masood, 52 anos de idade, nascido no Reino Unido, que tinha vivido recentemente em Birmingham.

Era casado e tinha filhos. A polícia já o tinha investigado anteriormente, mas determinou que ele não era um risco para a segurança. Ontem, à medida que mais prisões foram feitas em Birmingham e Londres, ficou claro que Masood não agira sozinho .Masood fazia parte de uma rede de extremistas jihadistas baseados em Birmingham, que o The Times refere ser um campo de recrutamento para o Estado Islâmico.

Em 14 de julho de 2016, Lahouaiej Bouhlel, tunisino residente na França, matou mais de 80 pessoas e feriu centenas ao varrer, com um camião de carga de 19 toneladas, uma multidão que celebrava em Nice o dia da Bastilha. Poucos dias depois deste massacre, um emigrante afegão de 17 anos que procurava asilo na Alemanha atacou passageiros com um machado e uma faca num comboio em Würzburg, ferindo quatro antes que a polícia o matasse.

Tempos depois o ISIS reivindicou a responsabilidade pelo ataque em Wurzburg lançando um vídeo com o autor que demonstrou que o ISIS tinha conhecimento prévio do que pretendia atacar. Menos de uma semana após o ataque de Nice, as autoridades francesas revelaram que Lahouaiej Bouhlel não podia ter agido sozinho. Vários indivíduos foram detidos conectados com o massacre. Um suspeito tinha mesmo posado para uma foto no camião que Lahouaiej Bouhlel utilizou para matar. Além disso, o perpetrador, planeava o ataque à meses. O Estado islâmico tomou o crédito da acção e apresentou fotos do assassino levantando seu dedo indicador no ar.

Anis Amri, tunisino, utilizou o mesmo meio que Bouhlel e atacou um praça do mercado de Berlim, em 19 de dezembro de 2016, matando 12 pessoas. Fazia parte de uma rede composta de radicalizados do Daesh e de outros extremistas locais. Uma câmara de CCTV apanhou Amri, pouco depois do ataque, apontando seu dedo indicador e indicando seu compromisso para com a causa do grupo. Quatro dias depois, em 23 de Dezembro, Amri foi morto numa operação casual em Milão. Ficou claro que o ataque tinha sido cuidadosamente planeado.

A natureza da radicalização e do planeamento operacional na era digital transtornou os esforços para perceber e analisar os ataques realizados por indivíduos isolados. Os Jihadistas que planeavam os assassinatos no Ocidente costumavam reunir-se pessoalmente em pequenos grupos em mesquitas, casas ou outros locais discretos. A radicalização ocorria através do contacto pessoal em bairros problemáticos ou prisões e as autoridades antiterroristas faziam o seu trabalham vigiando os centros de recrutamento, monitorizando telemóveis e vídeos de vigilância, para obter provas de que as células se estavam a reunir preparando algo.

Com o boom das redes sociais e o crescimento e banalização das aplicações para comunicações criptografadas, a radicalização e o planeamento operacional podem facilmente ocorrer inteiramente em ambientes digitais. O Daesh capitalizou a seu favor as tecnologias de comunicação, construindo comunidades on-line que promovem um senso de comunidade e, assim, facilitam a radicalização.

O grupo também estabeleceu uma equipa de recrutadores digitais que usam a Internet para identificar indivíduos com apetência para a causa e para coordenar e dirigir ataques, isto feito sem qualquer conhecimento pessoal dos terroristas.

Perante esta verdadeira transformação digital das organizações terroristas, o termo “lobo solitário” não parece mais que uma sound bite que soa bem nos media generalistas e que tantas vezes os próprios comentadores subscrevem. Estes terroristas nada tem de solitário, só o sendo no dia e hora em que executam o que células organizadas e hierarquizadas planearam durante muito tempo. Este conceito interessa ao terrorismo por duas razões centrais 1) dá uma imagem de incapacidade da policia perante um único elemento terrorista 2) promove o medo entre a população, fazendo com que pensemos que “todos podem ser terroristas em qualquer lugar em qualquer instante". É tempo de mudarmos de discurso por muito “romântico” que soe à comunicação social.

Uma alcateia é uma estrutura altamente organizada e hierarquizada sendo que todos os membros obedecem a leis determinadas pelo colectivo. Esta é a única forma de, em ambientes muito adversos, se garantir a sobrevivência do grupo. Esta estrutura social promove como prioridade a unidade e ordem, reduzindo os conflitos e os comportamentos agressivos entre os integrantes. Como o Daesh.




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