Com o fim da bipolaridade URSS / EUA, o ambiente social, político
e económico mundial mudou. Agudizaram-se os conflitos étnico-religiosos,
aumentou o risco de proliferação das armas de destruição maciça nas suas
dimensões nuclear, biológica e química, acentuou-se o fenómeno da imigração
ilegal e o terrorismo internacional, bem como os desequilíbrios socioecónomicos.
Surgiram novas ameaças que se juntam as já existentes e aos riscos conhecidos.
A Europa e Portugal não ficaram imunes a estas tensões potenciadoras de crises.
Assim, porque as ameaças são, na sua maioria, de
natureza transversal e afectam vários actores, as respostas exigirão a
combinação dos diversos vectores, bem como a rentabilização das parcerias
estratégicas.
A articulação, cooperação e partilha entre entidades
das forças armadas e serviços e forças de segurança assume um papel central, senão mesmo critico, para o sucesso das acções e prevenções. Necessita-se de uma segurança integrada.
Cabe à Defesa implementar as medidas e actividades
com as quais se providencia a segurança. Podemos assim definir a “defesa
nacional como o conjunto de medidas, tanto de carácter militar, como político,
económico, social e cultural que, adequadamente integradas e coordenadas e
desenvolvidas global e sectorialmente, permitem reforçar as potencialidades da nação
e minimizar as suas vulnerabilidades com vista a torná-la apta a enfrentar
todos os tipos de ameaças que, direta ou indirectamente, possam pôr em causa a
Segurança Nacional” (Cardoso, 1981: 23-4). Por sua vez, “a Segurança Nacional é
a condição da Nação que se traduz pela permanente garantia da sua sobrevivência
em Paz e Liberdade, assegurando a soberania, independência e unidade, a
integridade do território, a salvaguarda coletiva de pessoas e bens e dos
valores espirituais, o desenvolvimento normal das tarefas do Estado, a
liberdade de ação política dos órgãos de soberania e o pleno funcionamento das
instituições democráticas” (Cardoso, 1981: 23). - Cardoso, Leonel (1981).
“Defesa Nacional – Segurança Nacional”. Nação e Defesa, nº 17, Janeiro, pp. 11-24.
Enquadrado contextualmente pelos parágrafos acima vejo
com particular preocupação as noticias de hoje que dão nota do aumento
exponencial da participação das Forças Armadas (FA) na Protecção Civil,
concretamente em áreas onde esta mesma Protecção Civil deveria ter os meios e
as formas para se bastar sozinha ou onde as FA já tem papel, através do
Exercito, como é o caso de recentíssimo Regimento
de Apoio Militar de Emergência (RAME) em Abrantes, levantado o ano passado e enquadrado devidamente pelo Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN
2013) e pelo CE Militar (CEM 2014).
Apesar de serem um agente de protecção civil, às
Forças Armadas não cabe a missão de se substituir em meios e estruturas à
referida Protecção Civil. Às Forças Armadas cabe a elevada missão de defender
Portugal em caso de haver um incumprimento da manutenção da paz pela via
política. É as Forças Armadas que cabe a defesa da integridade do Estado contra
ofensivas externas. Esta é a missão das Forças Armadas.
A participação das Forças Armadas em situações
criticas como as de Pedrogão ou do passado fim de semana é necessária e importante,
mas, deveríamos exigir, que fossem adquiridos meios e fosse ministrado treino aos profissionais e voluntários civis para as missões que também eles têm. São os civis
que tem sempre de ser o actor principal nestas questões de crise e catástrofe
interna e é a estrutura civil que tem de ter a capacidade de resposta e os
meios ao dispor para a sua missão.
A estrutura vertical das Forças Armadas funciona bem
no contexto actual porque os meios estão estruturalmente centralizados. As
aeronaves pertencem à FA, os navios à Marinha, etc. A ANPC, deve ser mais que
uma entidade meramente coordenadora devendo possuir meios e pessoal próprios, permanentes,
capacitados e adequados.
Se ela possui os meios, se estão adaptados às
necessidades ou se são em número suficiente para o cumprimento da missão a que
se propõe, ou se deve ou não ser comandada por um oficial das FA são questões sobre as quais não me vou debruçar.
Numa situação de crise futura, em que haja empenhamento
das Forças Armadas no combate ou controlo a uma agressão, e em que
simultaneamente catástrofes destas se verifiquem, qual é a prioridade? Iremos nós
ter o mesmo problema que actualmente nos consome, onde a defesa da floresta
contra incêndios é sempre subalternizada e a defesa de pessoas e bens que
existe privilegiada? Ou teremos de abdicar absolutamente da nossa soberania e
depender de um exército
único europeu para defender o nosso território porque as nossas tropas andam a combater incêndios rurais ou a tratar de catástrofes urbanas ?
A utilização frequente das Forças Armadas em cenários
que deveriam ser excepcionais, pode ser financeiramente e politicamente interessante mas reflecte unicamente a incapacidade da estrutura
civil em dar resposta às necessidades das populações. Cabe ao Governo saber
distinguir as coisas e dotar quem deve de meios e pessoas capazes e competentes para uma segurança integrada, em vez de por e simplesmente extinguir e subalternizar as estruturas civis só porque são essas as
brisas do momento.
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