sexta-feira, 5 de maio de 2017

A "One Belt-One Road" Chinesa e Mackinder; a Geografia ainda importa.

A tecnologia pode moldar a forma como as forças militares interagem com a geografia definindo o campo de batalha. Os aviões podem voar sobre as altas montanha, os navios podem cruzar os vastos oceanos, os mísseis intercontinentais podem voar sobre as montanhas e os vastos mares. As redes ciber estão em todo o lado.

No entanto, apesar da tecnologia, a realidade geográfica permanece a mesma. As montanhas ainda são altas, os oceanos ainda são vastos. A distancia entre as coisas é real.

Passou despercebido a muitos que no dia 18 de Janeiro de 2017, chegava ao Eurohub de Londres no Reino Unido o primeiro comboio de contentores da China. Concluída em 18 dias, esta conexão ferroviária ameaça perturbar as cadeias logísticas entre a China-Europa, com os fretes aéreos a serem especialmente vulneráveis devido ao elevado custo / beneficio que têm. O trânsito de 10.000 a 12.000 quilómetros leva de 12 a 18 dias, dependendo da rota. Este comboio, no entanto, teve origem em Yiwu na província chinesa oriental de Zhejiang. O comboio, carregado de têxteis e bens de consumo, percorreu uma rota de 11 600 km em 18 dias - metade do tempo que os navios levam por via marítima através do Canal de Suez, apesar de serem ainda significativamente mais baratos.

O comboio foi operado pelo InterRail Group, um operador de transporte multinacional com sede na Suíça, em nome da China Railway. Os contentores tiveram de ser descarregados e recarregados várias vezes nos vagões, devido à incompatibilidade das bitolas ferroviárias ao longo da rota.

O carregamento, o primeiro a chegar a Londres, foi o mais recente exemplo da iniciativa "One Belt-One Road" de Pequim para desenvolver vários corredores de transporte das cidades costeiras da China para a Europa Ocidental. Até à data os comboios chineses foram enviados para Hamburgo, Madrid, Cabul e Riga. Também viajaram de Hamburgo para a província chinesa de Hefei.

Em 2016, cerca de 40 mil contentores foram transportados por via férrea da China para a Europa. Esse número deverá aumentar para 100 mil até 2020. Em comparação, em 2014, a China enviou 5,75 milhões de contentores para a Europa por via marítima.

A iniciativa "One Belt-One Road" é um investimento comercial e político proposto por Xi Jinping em Setembro de 2013. Esta iniciativa foi projectada para criar canais de transporte eficientes entre as cidades costeiras da China e o resto da Eurásia.

O programa tem duas componentes separadas: um amplo programa de infra-estruturas de transportes terrestres, composto por oleodutos, estradas e ligações ferroviárias de alta velocidade por toda a Ásia, ligando a costa do Pacífico à já extensa infra-estrutura de transportes da Europa. apelidado de " Silk Road Economic Belt ", sendo acompanhado por uma igualmente extensa " Maritime Silk Road ", que é ancorada no desenvolvimento de novos portos e expansão dos existentes em todo o Oceano Índico.

O "Silk Road Economic Belt", por sua vez, consistirá em três eixos distintos. Um “ north belt” que atravessa a Ásia Central e a Rússia até à Europa. O “central belt” que atravessa a Ásia Central e Ocidental até ao Golfo Pérsico e ao Mediterrâneo, e o  south belt que passa pelo Sudeste e Sul da Ásia até o Oceano Índico.

A região abrangida pelas duas iniciativas vai da África Oriental até a Ásia Central, Sul e Leste e abrange a bacia do norte do Oceano Índico. Há cerca de 60 países envolvidos no programa "One Belt-One Road". Pequim estimou que a iniciativa exige entre 4  a 8 triliões de dólares de investimento para se concretizar plenamente.

No Oceano Índico e no Sul da Ásia, o investimento chinês está a financiar o desenvolvimento de ligações ferroviárias de alta velocidade a partir das cidades costeiras da China através de Myanmar para o Oceano Índico.Pequim está também fortemente envolvido no desenvolvimento e expansão de instalações portuárias em toda a região.

No Sri Lanka, por exemplo, a China forneceu mais de 5 biliões de dólares de ajudas e empréstimos e prometeu mais 10 biliões em investimentos nos próximos três anos. O China Merchants Port Holdings adquiriu uma participação de 80 por cento no porto de Hambantota no Sri Lanka e investiu mais 1,4 biliões de dolares no desenvolvimento das infra-estruturas do porto de Colombo - capital do Sri Lanka.

O investimento chinês inclui 45 biliões em vários investimentos no Paquistão principalmente no desenvolvimento de um porto novo no Oceano Índico em Gwadar. A China também alugou uma pequena ilha nas Maldivas por 50 anos em troca de um pagamento de 4 milhões de dolares. Mais importante, Pequim está a construir a sua primeira base no exterior em Djibouti, África Oriental, na junção do Mar Vermelho com o Oceano Índico.

A iniciativa possibilitará assim integrar a região da Eurasia e do Oceano Índico numa zona económica coesa, combinando um extenso programa de infra-estruturas de transporte, desenvolvimento de recursos, intercâmbios comerciais, culturais e políticos.

Ao pensarmos que muitos dos países da Ásia Central e do Sudeste são também investidores no Asian Investment Infrastructure percebemos que o sucesso desta iniciativa chinesa implicará grandes mudanças no equilíbrio económico  e geopolítico da Eurásia e do Oceano Índico com consequências imediatas no equilíbrio político e eventualmente militar.

A iniciativa "One Belt-One Road" da China mostra semelhanças interessantes com uma geoestratégia, teorizada em 1904 pelo geógrafo e político britânico Sir Halford John Mackinder. Nesta teoria, a que deu o nome de "Pivot Geográfico da História" ou "Heartland Theory", Mackinder argumenta que a geografia do mundo poderia ser dividida numa "ilha do mundo" que consistia nos continentes interligados da Europa, Ásia e África, "as ilhas" da Grã-Bretanha e do Japão e as "ilhas periféricas", formadas pelos continentes insulares da Austrália, América do Norte e América do Sul.

A “Ilha do Mundo” contêm a maior parte da população e recursos do mundo. É a maior região e, teoricamente, a mais rica. No centro da Ilha do Mundo estava o Heartland, uma área que se estende do Volga ao Yangtze e dos Himalaias ao Árctico. Para Mackinder, o desenvolvimento do caminho de ferro tornou possível, pela primeira vez na história, uma potencia dominar o Heartland e, tendo em conta os recursos e a posição central, dominar a “Ilha do Mundo” e ao fazê-lo, tornar-se a potencia mais proeminente do mundo.



Mackinder acreditava que a Europa Oriental era a chave para controlar o Heartland. Ele resumiu assim sua visão estratégica:

"Quem governa a Europa Oriental comanda o Heartland;"
"Quem governa o Heartland comanda a “Ilha do Mundo;"
"Quem governa a Ilha do Mundo comanda o Mundo".

O Heartland era impenetrável ao poder marítimo. O árctico gelado no norte, as montanhas e os desertos no sul protegiam-no. Antes do desenvolvimento do caminho de ferro, a vastidão do Heartland tornava impossível a uma única potencia terrestre dominá-lo. Ao longo da história, grandes impérios tentaram dominar este vasto território; os persas com Ciro, os gregos com Alexandre, os árabes com o Califado Abássida e dinastias posteriores e os mongóis. Durante grande parte do século XIX, os impérios russo e  britânico discutiram o controle desta região, o que os historiadores chamaram de Grande Jogo.

Na visão de Mackinder, a Rússia, ou quem eventualmente controlasse o Heartland, representava a maior ameaça ao Império Britânico. Contra um poder de terra tão poderoso, o poder marítimo britânico seria insuficiente para balancear. A expansão contínua da Rússia pela Ásia iria inevitavelmente levar ao controle russo de todo o continente euro-asiático. Na época, Mackinder viu três possíveis actores que poderiam potencialmente dominar o Heartland:

Alemanha, que primeiro dominaria a Europa Oriental - porta de entrada para o Heartland, - e, em seguida, conquistaria o Império Russo;
Uma aliança germano-russa. Como a de Catarina II e Frederico da Prússia;
Um Império Sino-Japonês que se expandiria para o oeste, absorvendo o Império Russo.

A tese de Mackinder revelou-se errada. Um ano depois de publicar sua teoria, a Grã-Bretanha e a Rússia assinaram a Convenção Anglo-Russa, deixando de lado suas diferenças para formar, com a França, uma aliança anti-alemã. No entanto, as teorias de Mackinder tiveram ampla aceitação e influência no pensamento geoestratégico.

Os paralelos entre a teoria de Mackinder e a iniciativa chinesa "One Belt-One Road" ficam por aqui. Este foi um exercício exploratório que deu gosto fazer mas, não é de facto credível que Pequim se tivesse inspirado num estrategista geopolítico britânico para construir a sua grande estratégia.

A iniciativa económica, politica e diplomática da China baseia-se na necessidade de Pequim garantir o acesso a matérias-primas vitais, bem como o seu acesso aos mercados externos para a sua produção. A"Silk Road Economic Belt " e a " Maritime Silk Road ",  são uma estratégia paralela para garantir o sucesso dessa iniciativa.

Não, a China não quer controlar a “Ilha do Mundo”, mas o sucesso económico da estratégia "One Belt-One Road" provavelmente pressupõe um grau de influência política e diplomática que a China não tem nessa região desde o Império Mongol. E tudo vai fazer por tê-la.

Trata-se de uma estratégia incompatível com os interesses de Donald Trump, ideia a que voltarei um destes dias. Mas esta estratégia também prova que mesmo agora, um século depois, apesar das sucessivas revoluções tecnológicas e uma reorganização completa das principais potências do mundo - a geografia ainda importa.


Sem comentários:

Enviar um comentário