sábado, 29 de abril de 2017

Montenegro na NATO ! Para quê ?

Duvido que 1% dos portugueses consiga encontrar Montenegro no Mapa. No entanto este país dos Balcãs vai-se tornar em breve num novo membro de pleno direito da NATO.

Quando se formou a aliança atlântica, o seu propósito era impedir que a União Soviética de Stalin dominasse tanto a Europa ocidental quanto a oriental. Nada mais que isto. No entanto, uma NATO dominada pelos Estados Unidos, sobreviveu à Guerra Fria e mesmo depois do colapso do Pacto de Varsóvia continuou e até acelerou a sua expansão para zona de influência russa, isto quando após o fim da bipolaridade, os europeus rapidamente cortaram o numero de forças e o dinheiro nela envolvido pois o Tio Sam continuava em prontidão.

Foi neste contexto, de necessário repensar da NATO como organização militar e de redução de efectivos e meios, que se percebeu que se devia trabalhar. Este era o discurso do Trump pré-eleitoral. Um discurso que faz todo o sentido.

É por isso que à primeira vista, não se percebe qual o argumento para apoiar o juntar à NATO este pobre país com cerca de 600 000 pessoas, com menos de 2.000 soldados e sete helis e que se encontra há muito na esfera de influência da Rússia, quer histórica, quer socio-economica que geográficamente.

O Montenegro não enfrenta quaisquer ameaças militares. É um dos Estados criados com o fim da Jugoslávia tal como os seus vizinhos. O Montenegro estando na área de influencia da antiga URSS e agora da Rússia não faz fronteira com ela; um novo Exército Vermelho de Putin teria de conquistar a Ucrânia, a Roménia ou a Hungria, e depois a Sérvia, antes de chegar ao Montenegro. Isso é trabalho a mais para tão pouco ganho. Será que vale a pena testar o artigo 5º no caso de termos mais um problema neste pais ? Já não basta a Turquia ?

Mais, ao contrário do que os próprios estatutos da NATO exigem, este estado não está preparado politicamente para a adesão. Há mais nações menos bem governadas na NATO como a Turquia mas, pelo menos, esta última tem poder militar e faz parte dos sistemas NATO à muito. Acrescentar uma democracia semidesenvolvida, de lideres corruptos que unicamente pretendem dinheiro da NATO em troca de gritarem o medo que têm de Putin, um pais sem força militar, com classificações baixas ao nível dos direitos políticos e liberdades civis e com enormes restrições à liberdade de reunião pacífica e assédio e discriminação contra aos LGBT,  não faz qualquer sentido.

Assim sendo, a continuação e aprovação de todo o ocidente à entrada deste estado só pode ser mais um acto de provocação à Rússia, como já tinha sido a ameaça de controle da Ucrânia e da Geórgia pela EU/NATO.

Que não devemos estranhar isso desta EU aceito. Que Trump tenha dado o aval a isto surpreende-me, ou não…parece-me que em torno de Trump, continuam investigações aos seus contactos de pré-campanha com os russos, as afirmações da interferência de Moscovo na sua eleição e perguntas sobre conexões comerciais ou indiscrições pessoais que o tornam vulnerável a Putin. Capturado por estes factos na opinião publica americana, a posição de Trump sobre o Montenegro está agora alinhada com a opinião passada de Obama e os seus democratas intervencionistas bem como com os neo-cons do seu partido. Isto indicia claramente que ele deixou de ser um crítico da NATO, estando agora apostado na sua renovação. Mais uma surpresa pós-eleitoral.


quinta-feira, 27 de abril de 2017

A Rússia e o "New Type of War". Uma aproximação táctica da politica externa russa.

A Rússia não se tem desleixado no que toca ás suas forças armadas, para além do grande investimento económico em novos modelos de espingardas de assalto, novos carros de combate, aviões caça de 5ª geração, etc.
A Rússia alterou também a sua doutrina, algo que se deve admirar, esta admiração deve-se ao facto de que uma alteração de doutrina, para além de ter de ser acompanhada por um enorme esforço monetário, é essencialmente um esforço estrutural, alterando os currículos das academias, os treinos no terreno e a mentalidade com que se definem os objectivos militares, possibilitando assim o emprego de uma força armada russa que é muito diferente da força armada que saiu da URSS.
A Rússia desde 2000 até ao início do esforço na Síria apresentou um crescimento económico positivo, com a intervenção nota-se um crescimento negativo na economia. O crescimento económico tem-se reflectido no rendimento per capita que em 2000 era de 1710 dólares e em 2015 é de 11450 dólares/ano. Os gastos com as Forças Armadas dispararam desde 2011 onde se despendeu 3,4% do PIB, para 5% em 2015, representando as Forças Armadas em 2015 15,8% do gasto total do governo, apreciando-se assim um fortíssimo esforço da Rússia com as suas Forças Armadas, portanto, uma apreciação e compreensão da evolução das Forças Armadas russas parece ser necessário para perceber como está a Rússia no Médio Oriente.
As Forças Armadas russas foram o objecto de uma reformulação depois da campanha contra a Geórgia em 2008 em que Moscovo notou que as forças russas sofriam de deficiências como a falta de capacidade para adquirir informações sobre o inimigo, a falta de organização entre as forças, o estabelecimento de superioridade aérea, e a fraca qualidade do material.
Nota-se que a Rússia tem crescido internamente, cimentando as necessidades em termos de Hard Power para sustentar a política externa, uma população em crescimento em número e economicamente, aumentando também esperança média de vida.
            Isto permite a que Putin reúna à sua volta um grande consenso nacional, o que permite gerar através da propaganda um inimigo, e criar a vontade necessária nesse consenso nacional para que possa aplicar a força russa no terreno, transformando essa força em poder efectivo.
Assim em 2008 procederam-se a reformas e em 2011 iniciou-se um programa de 670 Biliões de dólares para a modernização das Forças Armadas. Já desde 1997 que existem opiniões, esforços e planos para a reforma das Forças Armadas russas, na direcção que estas levaram a partir de 2008, reformas estas que receberam entraves de por exemplo, Boris Yeltsin, mas que apenas diminuiu o ritmo a que estas reformas seguiram
            Em termos de números foi abandonada a ideia de recrutamento massivo da URSS, adaptando-se as Forças Armadas para um sistema mais moderno, mais pequeno, mas mais profissional e mais bem equipado. A ocupação de território não é a principal função das Forças Armadas russas, sendo que segundo o que se pode ver no terreno, as Forças Armadas russas são usadas em apoio dos interesses russos em territórios de amigos e aliados como se pode ver na Síria.
            A Doutrina foi também alterada, intitulando-se de “new-type war”, combinando os conceitos de ‘Guerra Hibrida’ e de ‘New Generation War’, notando o Tenente-General A. V. Kartapolov que se estes conceitos estavam a ser usados pelos Estados Unidos da América e as Forças Armadas russas teriam de ser capazes de combater desta forma
            Esta nova forma de fazer guerra é um conjunto de lições retiradas da acção americana no Médio Oriente, a aplicação de pequenas forças altamente profissionalizadas e motivadas, apoiadas por uma forte base material, que pretendem ajudar em pontos chave, o esforço dos aliados russos, de maneira a possibilitar que esses mesmos aliados avancem ao mesmo tempo que levam os interesses russos com eles .
            A Rússia tem enviado cada vez mais forças para o Médio Oriente (Síria), começando com apoio logístico e doutrinal com conselheiros, passando para a aplicação de forças aéreas até às unidades terrestres.
            Paralelamente à força e vontade demonstrada e da capacidade de lidar com o avanço da guerra, a Rússia tem executado manobras diplomáticas no Médio Oriente, manobras que vão ao encontro das teorias expansionistas eurasiáticas encabeçadas por Alexander Dugin. A Rússia possui entre o Irão, Turquia, Síria e Egipto, um eixo de amigos e aliados capaz de fazer com que a Rússia seja tomada como um novo jogador, e como uma potência capaz no palco mundial, tentando contrabalançar a posição americana na hierarquia dos Estados.



quarta-feira, 26 de abril de 2017

Erdogan e a pena de Morte. A Guiné Equatorial poderá ter uma solução para o problema Turquia União - Europeia

O recente referendo realizado na Turquia que ofereceu uma ligeira maioria a Erdogan não pode ser visto longe da luz dos novos populismos.
Erdogan corre á frente dos seus apoiantes quase implodindo nos seus comentários sobre inimigos externos, sobre problemas de ordem interna e as soluções que promove.
É certo que a Turquia possuí factores potencializadores de uma muito boa amizade com a Europa, mesmo depois do referendo que fez com que Erdogan se tornasse praticamente num Rei de um sistema presidencialista, factores esses como uma posição Geobloqueante em relação á Rússia (visto que uma passagem segura pelos Bósforo é VITAL para a Rússia, e portanto um trunfo precioso para a Europa) ou uma Industria de Defesa que envergonha os esforços europeus na matéria.
Mas com isto tudo, e apesar de se saber que o novo sistema presidencialista turco pouco alteraria as relações Turquia – Oeste, a União Europeia afirma estar em risco sério a adesão da Turquia á União (o que levaria a que a Turquia fortalecesse em muito a posição anti russa da União europeia), este risco advém das razões do populismo em volta de Erdogan, sendo a grande razão para o seu populismo a cedência aos gritos da população pela implementação da pena de morte.
Para fazer parte da União Europeia os países que se candidatam devem cumprir uma série de requisitos.
Estes requisitos englobam a inexistência da pena de morte a quando da adesão e rectificação da adesão dos países candidatos á União Europeia.
A balança que Erdogan criou entre ser amigável ao Oeste e a sua retórica de adesão á União Europeia, contrapondo a sua aparente amizade com a Rússia permitiu a Erdogan elevar a Turquia no ranking dos países no Sistema Internacional, mostrando-se e impondo-se como uma potência regional vital quer para os objectivos do Oeste quer para os objectivos russos, podendo assim retirar o melhor dos dois mundos.
A não tão recente aprovação de Erdogan aos ataques americanos sobre solo sírio demonstram que Erdogan, mesmo com o novo sistema presidencialista, poderá ser coagido a interferir na Síria e nos interesses geopolíticos russos na entrada russa para o Médio Oriente.
E onde é que entre a Guiné Equatorial?
Bem, a Guiné Equatorial demonstrou há já uns anos a sua intenção de entrar para a CPLP, mas a existência da pena de morte no país barrava a sua entrada para a comunidade internacional dos países de língua portuguesa, no entanto um simples ‘congelamento’ da pena de morte permitiu a rectificação da adesão da Guiné Equatorial na CPLP, mantendo a pena de morte, o Presidente da Guiné Equatorial apesar de ter enviado uma proposta para a anulação da pena de morte na lei, esta pena apenas está ‘congelada’, podendo continuar a ser sentenciada.
A Turquia (diga-se antes ‘Erdogan’) pode ter num modelo igual ou parecido a solução para se manter a balança de poder que mantém na região, da qual beneficiam imenso.
Erdogan não se pode dar ao luxo de seguir o exemplo de Trump.
Trump actualmente está barrado entre as suas promessas eleitorais e o populismo que o elegeu e a máquina que é o sistema governativo e interesses dos EUA, sendo que começamos a ver que mesmo Trump é incapaz de parar a máquina de acção externa americana.
Erdogan conseguiu ganhar um referendo dentro dos moldes de populismo de Trump, e como tal terá de ceder em parte á população que lhe deu a vitória.
Erdogan é demasiado importante para a política externa europeia (especialmente quando pode ficar até 2029 no poder de um sistema Presidencialista quase totalitarista) para que possa simplesmente ser alienado, o que levaria a que Erdogan procurasse apoio na Rússia. Algo que ninguém quer.
Neste caso Erdogan poderia aprovar a pena de morte e apaziguar os seus seguidores, consolidando a sua base de poder, oferecendo uma imagem de si mesmo com um homem que cumpre as suas promessas.
Ao mesmo tempo Erdogan poderia, com os seus poderes, congelar a aplicação dessa mesma pena de morte, usando isso como retórica para o Oeste de como está disposto a negociar uma amizade e entrada para a União Europeia, percebendo-se de ante mão que Erdogan e a Turquia são demasiado importantes para a União Europeia e para a sua estratégia a longo termo para que a retórica de que apesar de ter a pena de morte estabelecida na sua legislação, a não aplicação dela possa ser motivo suficiente para que a Europa possa aparecer com as mãos e a cara lavada.
No fim, passará tudo por um golpe de propaganda e retórica.
Ambos os países possuíam o mesmo problema de adesão a uma Organização Internacional, mas a Guiné Equatorial parece ter arranjado solução para o seu caso, a Turquia poderá também.
A escolha tem de ser feita, e como já vimos, existem precedentes que podem ser utilizados.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Pensar a Líbia para agir na Coreia do Norte

Donald Trump afirmou hoje que a Coreia do Norte é “uma real ameaça para o mundo”. Para ele e para quem com ele está no governo norte-americano. “….a Coreia do Norte é um grande problema mundial. E é um problema que temos que resolver de uma vez por todas”, tendo apelado ao conselho de segurança da ONU para “tomar medidas”

Não vou aqui abordar se a Coreia do Norte é ou não um problema para o Mundo, (se bem que me parece que ela é essencialmente um problema para os desgraçados Norte-Coreanos). Essa é uma opinião que deixo para o presidente americano. Quero unicamente lembrar de que forma os EUA, os seus aliados ocidentais no Mundo e especialmente na Europa e a ONU, costumam resolver aquilo que eles unilateralmente decidem que é um “problema do Mundo”. Vou vos falar do caso particular da Líbia e da  doutrina da “responsabilidade de proteger” (R2P).

É aceite que a partir de 1989, os problemas e discussões associados à Segurança internacional mudaram. O fim da Guerra Fria e a emergente multipolaridade, promoveu – como previsto pelos autores neo-Realistas – um aumento dos conflitos entre os Estados, bem como, e de forma ainda mais acentuada, um aumento de conflitos internos, confrontando etnias, religiões, facções que, viviam juntas pela força ou pelo dinheiro transferido pelo Estado.

A tragédia na Somália em 1992, o genocídio no Ruanda em 1994 e a incapacidade de impedir o desastre étnico na Bósnia em 1995, colocaram as Nações Unidas (UN) numa situação delicada. A intervenção no Kosovo pela NATO em 1999 sem autorização da UN, foi o momento charneira para a comunidade internacional perceber que algo tinha que ser efectivamente feito para obviar situações desta gravidade de acontecerem.

Assim afirmou-se uma tendência para apontar que os Estados não podem isentar-se das suas responsabilidades quando perante desastres humanitários, mesmo que estes ocorram em países soberanos. Nesta tendência foi importante a contribuição de Bernard Kouchner, fundador dos médicos sem fronteiras, e o seu conceito de "droit d'ingérence humanitaire" ultrapassando a soberania dos Estados.

Os posteriores conceitos de segurança humana e mesmo de segurança individual, defendidos pela UN vêem materializar uma tendência da globalização e da pós-modernidade em que os Estados são instrumentos a serviço de seus povos, logo, a soberania estatal inclui, além de direitos, uma série de responsabilidade para com os indivíduos. Quando a população sofrer (ou estiver na iminência de sofrer) graves danos (sejam por resultado de guerras, rebeliões, repressão por parte do próprio governo ou pelo colapso de suas estruturas) e que o Estado não possa ou se recuse a evitar tal sofrimento, há responsabilidade subsidiária da comunidade internacional.

O caminho acima apresentado levou a implementação da norma da Responsabilidade de Proteger (R2P). Ela diz que se o Estado não é capaz de proteger sua própria população de atrocidades massificadas, ou não quer fazê-lo, essa responsabilidade recai sobre a comunidade internacional.

A Primavera Árabe começou no fim de 2010, de forma tímida na Tunísia, com uma onda de protestos contra o regime autoritário de Ben Alí, que se encontrava há mais de 20 anos no poder. Esta pequena insurgência causou um efeito dominó e abalou as autocracias e ditaduras no Magreb e Oriente Médio.

Estes eventos foram mais do que causados pelos problemas económicos de escassez e pobreza; foram verdadeiras reacções à falta de liberdade dos povos do Magrebe, após alguma liberalização social havida anteriormente na Tunísia e no Egipto.

A Líbia não fugiu a voragem de acontecimentos que varreram a politica do Norte de Africa. No entanto muitos são aqueles que dizem que a reacção do governo Líbio foi, no entanto mais violenta que a dos outros Estados envolvidos. Uma das visões diz-nos que a autocracia Líbia nunca tinha enfrentado este tipo de movimentos sociais nem tinha estruturas de amortecimento dos embates, ao contrário da Tunísia com uma tradição sindical que confrontou por largos períodos o poder e do Egipto que soube fazer concessões as elites insurgentes, reduzindo a violência. Na Líbia pelo tipo de regime e histórico os confrontos foram imediatos e com vitimas. Relatos de violência extrema e ataques ao seu próprio povo ecoaram mundialmente contra Khadafi.

Estes acontecimentos legitimaram a intervenção de forças internacionais na Líbia, que esteve a um passo de se transformar numa reedição do Kosovo. A Professora Maria Francisca Saraiva afirmou “A necessidade de evitar um desfecho desta natureza poderá ter pesado fortemente na decisão dos membros do Conselho de aprovar a resolução 1973 de 17 de Março de 2011 que autorizou “os Estados-Membros (…) a tomar todas as medidas necessárias para proteger os civis sob a ameaça de ataque na Líbia, incluindo Benghazi, excluindo uma ocupação estrangeira de qualquer forma em qualquer parte do território da Líbia. Na prática, o Conselho de Segurança permitiu a intervenção militar em solo líbio, mas deu à resolução uma redacção em muitos aspectos ambígua, o que viria a criar alguns problemas, (…) pois a operação teve uma execução operacional que excedeu em muito uma interpretação literal do quadro estabelecido pela Resolução 1973”.

Refere ainda esta autora que “…França e RU estariam tão empenhados numa presença militar na Líbia que admitiam a hipótese de avançar unilateralmente caso o CSNU não viabilizasse a entrada em acção da Aliança Atlântica. Neste sentido, a solução encontrada na resolução 1973 permitiu satisfazer os interesses franceses e ingleses, que desejavam entrar na Líbia a todo o custo, e ao mesmo tempo salvar a face dos membros do Conselho que não desejavam um Kosovo bis, uma nova operação militar da NATO fora do quadro multilateral das Nações Unidas.”

Seja de que forma seja, muitos são aqueles que não encontram na intervenção militar suportada pelas UN na Líbia e na adicional execução do seu líder, uma justificação sólida, dizendo que não houve qualquer genocídio ou massacres em larga escala com vincada orientação rácica ou étnica, indo mesmo mais longe e dizendo que havia um plano previsto para desestabilizar todo a região inclusive a Líbia. A Primaveras árabes seriam o epicentro desse plano.

Os factos são que esta intervenção não conduziu a uma transição democrática bem-sucedida, sendo exemplo de um tremendo falhanço da CI a endereçar este tipo de situações. O erro não foi tanto nos esforços pós-intervenção, mas sim na decisão de intervir. A lição para a comunidade internacional deve ser evitar as intervenções militares por razões humanitárias para ajudar os militantes nos casos em que o Estado está a atacar os rebeldes. Esses rebeldes têm incentivos para enganar as audiências internacionais, tanto sobre a magnitude e dimensão da repressão do Estado, bem como sobre a quantidade de apoio popular que esses grupos realmente possuem. Intervir pode resultar em aumentar o conflito e aumentar a quantidade de vítimas, como aconteceu na Líbia.

A Líbia é pelas normas internacionais um Estado falido e um território amável para milícias radicais com ligações ao terrorismo islâmico. Grande parte dos problemas com tráfico de seres humanos para a Europa têm origem na Líbia. O governo líbio está dividido entre duas facções que controlam áreas limitadas do território do país, e a situação dos direitos humanos deteriorou-se a níveisnão experimentados mesmo durante o regime de Kadhafi. Isto é de assinalar negativamente num país que já foi o mais rico e próspero de Africa.

Não será excessivo dizer que a Líbia foi transformada num Estado falhado por uma intervenção R2P mal pensada e mal produzida. É necessário produzir estratégias sendo primeiro necessário perceber os impactos/consequências ao nível do sistema político internacional que esta intervenção promoveu.

Será que Donald Trump está a ter em conta isto quando pretende intervir na Coreia do Norte ?

Para saber mais ler Saraiva, Maria F. (2014). A Líbia Pós-Kadhafi: Geografia, Segurança e Direitos Humanos. IDN Brief, julho, pp.11-14.



sábado, 15 de abril de 2017

Realism is the new black III ( ainda os conceitos como eles são)

Em termos de domínio regional do Golfo não existe qualquer ameaça nacional, o que significa que Trump devia remover a grande maioria das forças militares dos EUA daquela região, colocando unicamente algumas forças offshore. Os Estados Unidos monitorizariam o equilíbrio regional de longe e só reintroduziriam tropas no caso de um país se apresentar como claramente agressivo e com pretensões hegemónicas. Esta política deequilíbrio offshore, juntamente com o fim das “mudança de regime a pataco”, iria melhorar em muito o problema do terrorismo que é alimentado em grande parte pela forte presença militar dos EUA no território árabe, bem como nas guerras sem fim que os Estados Unidos travam no Médio Oriente.

Trump deveria permitir que os países regionais lidassem com o Daesh e limitar os seus esforços ao fornecimento de informações, treino e armas. O Daesh é uma séria ameaça para o Médio Oriente, Europa e Africa, mas um problema menor para a América, e a única solução a longo prazo é a construção de melhores organizações estatais e efectivas economias de mercado livre, algo que os Estados Unidos não podem criar. Em relação à Síria, Washington deve deixar Moscovo assumir a liderança na resolução desse conflito, o que significa ajudar o governo de Assad a restabelecer o controle sobre a maior parte do país. Uma Síria administrada por Assad não representa uma ameaça para os Estados Unidos; De fato, os presidentes democratas e republicanos têm longa experiência de lidar com o regime de Assad. Se a guerra civil continuar será grandemente Moscovo a sofrer as consequências.

Ao contrário do que vamos observando, o presidente americano também devia trabalhar para melhorar as relações com o Irão. Não é do interesse dos EUA que o Irão abandone, ou não renove, o acordo nuclear que recentemente estabeleceu. Teerão abandonará o acordo e voltará a investir seriamente em armas nucleares caso espere um ataque americano. É um facto que as armas nucleares são essencialmente um elemento de dissuasão e portanto, os Estados Unidos deveriam tentar manter boas relações com o Irão para que este não tenha qualquer incentivo para aquisição deste tipo de armas.

Há, no entanto, más notícias no que diz respeito à Ásia Oriental. Se a China continuar a sua impressionante ascensão, é provável que tente dominar a Ásia da maneira como os Estados Unidos dominam o Hemisfério Ocidental. O governo Trump deve fazer grandes esforços para evitar que a China se torne uma hegemonia regional, contando com a ajuda de Seul, Tóquio e mesmo Nova Deli.

O problema da Coreia do Norte é uma questão regional, que deverá ser gerida pelos países da Asia Oriental. Entendo que agitar a Coreia do Norte pode causar problemas à China – algo que agrada a Trump -  mas, causará também questões sérias à Coreia do Sul e ao Japão. Estará Trump e os seus homens como Tillerson, Mattis e McMaster disponíveis para gerirem os problemas que causarem a estes seus aliados só para perturbar a China? Não me parece sensato.

Esta estratégia para conter a China, poderá não funcionar. Não só a China é muito mais poderosa do que os seus vizinhos, mas também estes estão distantes uns dos outros geográfica e culturalmente, dificultando a formação de uma coalização. Os Estados Unidos terão que coordenar esses esforços, com diplomacia e poder militar. A liderança americana é indispensável para lidar com uma China cada vez mais poderosa.

O fato de nenhum país ameaçar dominar a Europa ou o Golfo é uma bênção para os EUA, pois não só permite que Washington concentre as suas forças militares na Ásia, mas também permite que os políticos norte-americanos concentrem seu pensamento estratégico sobre como impedir que a China se torne um concorrente à escala Mundial. Essa missão deve ser central para os Estados Unidos nos próximos anos.

O fim da bipolaridade URSS-EUA trouxe de novo ao Mundo a multipolaridade, com as suas tensões e receios entre Estados soberanos. A crise económica e financeira de 2007/2008 trouxe a desesperança num crescimento continuo. Este é o ambiente natural para a emergência do Realismo nas Relações Internacionais. Neste contexto de tensões e nervos, é minha opinião que, se a atitude liberal e neo-com intervencionista prevalecer na administração Trump, haverá mais terrorismo, mais tentativas fracassadas de espalhar a democracia, mais guerras perdidas e mais mortes e destruição em todo o Oriente Médio e graves consequências na Europa e no Norte de Africa. Mais importante, será difícil para os Estados Unidos se concentrarem em conter a China, principalmente porque os políticos, diplomatas e militares americanos com esta estratégia têm de estar em toda parte, preocupados com tudo e todos. Não me parece de facto ser a melhor opção. Para nós Portugueses e Europeus garantidamente não é.


quinta-feira, 13 de abril de 2017

A Coreia do Norte não é a Síria; ou como a Geografia ainda dita as regras do jogo

Tornou-se popular a análise que o ataque de mísseis dos EUA na sexta-feira a uma base aérea síria constitui um aviso directo a Bashar Al Assad, Vladimir Putin e também a Kim Jong-un. Aos próximos testes nucleares da Coreia do Norte, Trump poderia agir emconformidade.

Não me parece que está seja a decisão mais inteligente porque a Coreia do Norte não é a Síria. E isto nada tem a ver com as personalidades de Kim e Assad mas sim, pelo contexto de poder militar e geográfico da região. A diplomacia será aqui a solução.

Se Damasco ainda conta com misseis e aviões russos para defender seu espaço aéreo, já a Coreia do Norte não tem qualquer hipótese de combater os ataques aéreos dos EUA dadas as conhecidas debilidades militares dos seus radares, dos seus mísseis anti-aéreos e dos seus caças.

Claro que pode contar com a China, que tem sido essencial para a sobrevivência de Pyongyang, mas o facto é que a China nem sempre tem estado satisfeita com um aliado que ameaça permanentemente o Japão, a Coreia do Sul e bases dos EUA no Pacífico, instabilizando uma região muito para além da vontade de Xi Jiping. Esta instabilidade é uma das responsáveis pelo exponencial investimento militar nesta região e pela continuada presença das forças americanas. À China não lhe interessa nada isto.

Tudo indica que os mísseis norte-coreanos conseguem atingir alvos até 10000 km de distância e são, portanto, capazes de atingir o território norte-americano como é o caso do Havaí ou mesmo da California. Se um desses dispositivos escapar a um ataque preventivo americano, Kim Jong-un teria capacidade para atacar os EUA com uma arma atómica.

É certo que todos os arsenais nucleares têm como objectivo a dissuasão e não o ataque e Pyongyang acelerou dramaticamente nos últimos anos o seu próprio programa nuclear para dissuadir EUA de a atacar, ameaçando com retaliações devastadoras, não só a estes mas também os seus inimigos regionais e Kim tem feito variados testes nucleares apresentados como acções de sucesso.

Mesmo admitindo que um primeiro ataque dos EUA é capaz de neutralizar todo o arsenal de mísseis nucleares-terrestre - mesmo os moveis - acredito que outros mísseis balísticos poderão ser enviados a partir de alguns dos setenta submarinos da marinha da Coreia do Norte.

O problema central chama-se Seul. Será impossível, dada a sua distância, impedir Kim Jong-un de desencadear retaliações contra a cidade de Seul usando armas químicas . 

A capital sul-coreana situa-se a algumas dezenas de quilómetros da fronteira do paralelo 38 e é vulnerável a artilharia norte-coreana que se localiza ao longo da fronteira em posições escavadas nas rochas o que torna muito difícil de detectar e atacar pelo ar.

Não quero aceitar o que aconteceria a Seul, habitada por 11 milhões de pessoas, se fosse alvo de centenas de ataques químicos enviados em desespero final pelas forças da Coreia do Norte.

Mesmo a mobilização rápida de todos os sistemas de defesa de mísseis em prontidão  na região e presentes na Coreia do Sul e no Japão, bem como dos navios da 7º frota, seriam incapazes de interceptar os muitos mísseis balísticos enviados sendo impossível proteger Seul de um ataque químico realizado do outro lado da fronteira.

Os custos de uma opção militar são no meu entender inaceitáveis. Como potência regional que é, apenas a China pode "desarmar" a Coreia do Norte. Assim, Trump deve ponderar muito bem os riscos de aventuras militares "punitivas" contra Pyongyang não só pelas possíveis reacções de Pequim, mas especialmente pelos arsenais atómicos e químicos de Kim Jong-un que causariam imenso dano à Coreia do Sul. Tenho a certeza que isto terá sido falado entre ambos num recente jantar.


quarta-feira, 12 de abril de 2017

Assad pode ser negociado, a Síria já não.

             O Cáucaso e a Síria são o Gateway da Rússia para o Médio Oriente e como tal não poderá sair da esfera de influência russa. Tudo o resto estará aberto a discussão, quer seja uma discussão mais acesa ou não.
            Não podemos esquecer que o próprio Assad é propenso a criar caos a Síria com a sua guerra civil, guerra esta que apenas se mantém devido ao auxílio russo. Para além do mais os G7 já afirmaram que estão dispostos a negociar uma Síria sem Assad. E não se pode esquecer que Trump já afirmou (através do seu Twitter) que não pretende entrar na Síria, mas no fim do dia o Twitter não constitui documento legal.
            Assad é portanto a moeda de troca.
            A Rússia pode estar disposta a retirar Assad do poder, mas nunca estará disposta a perder a Síria.
            O que se pode então ver no futuro da Síria?
            O Oeste pode falhar por completo.
            A Síria pode continuar com Assad no poder e com o apoio de Moscovo, mas as hostilidades (pelo menos verbais) de Erdogan já começaram (não nos podemos esquecer que este apoiou o bombardeamento dos EUA).
            Com este continuo apoio a Rússia tende para a desagregação do triângulo que criou entre si a Turquia e a Síria, hostilizando a Turquia.
            Esta Turquia tem vindo a consolidar-se politicamente à volta de Erdogan, de maneira que se cria um Estado NATO, que apesar de ter estado nos últimos tempos mais virado para a Rússia, pode muito bem voltar a retirar para o seio politico da NATO, para mais agora que o Presidente Trump decide agir de maneira tão aguerrida quanto à Síria.
            Erdogan precisa da NATO e EU se se quiser opor à Rússia, tal como a NATO e EU precisam de Erdogan para o mesmo fim, como tal Erdogan não vê ameaça imediata ao seu regime, regime esse criticado pelos EUA e EU a quando do “Golpe de Estado” a quando da viragem pró russa.
            A Turquia será um dos principais actores nesta negociação. Um poder regional que se apercebe que está trancado geograficamente e politicamente, e que portanto terá de saber navegar para se manter como potência regional.
            Seguindo esta lógica e mantendo Putin o apoio a Assad, a Rússia vê a sua influência na área ameaçada (caso os EUA e NATO saibam jogar o jogo unidos), quer pela fragilidade do estado de Assad, quer por uma possível oposição turca.
            A segunda hipótese passa por Putin conseguir uma mudança de cabecilha na Síria.
            Neste caso os EUA, EU e NATO terão de perceber que Putin não abdicará da sua influência geopolítica na Síria, de onde pode estender a sua influência pelo resto do Médio Oriente e por consequente ao Indico, onde foi sempre a sua intenção chegar (já com a URSS).
            Tido isto em conta os G7 e comunidade internacional querem Assad fora, não se falando de outra coisa. A sua expulsão do poder será uma vitória propagandista enorme para o Oeste, sendo isso que o Oeste quer.
            A Turquia será dos poucos que tentará que o substituto de Assad seja bem escolhido, isto porque será a Turquia o Estado que terá de directamente lidar como o novo estadista Sírio.
            Uma negociação bem sucedida entre o Oeste, Turquia e Rússia sobre a saída de Assad apenas daria á Rússia mais tempo. O Oeste tem pelo Médio Oriente outras desculpas para atacar a Rússia e o Médio Oriente, temos o Irão, o DAESH, o Egipto, etc.
            O que Putin necessita é de manter abertos os canais para Sul, para isso terá de perceber que sozinho não possui poder suficiente para sustentar o Médio Oriente com adversários mesmo á porta.
            Os EUA possuem projecção mundial e conseguem exercer pressão no Médio Oriente e na Rússia, a Turquia possui uma das maiores e mais avançadas industrias militares do mundo (vendendo para todo o mundo, até parta os EUA, e por isso a sua integridade será defendida), possibilitando a manutenção de operações, sem falar que o regime de Erdogan parece estar a consolidar-se cravando um possível e perigoso inimigo a Putin na região, mas por ultimo a EU parece ter a Rússia como principal inimigo e parece a partir do seu novo conceito estratégico ter gerado organismos políticos e militares que consigam criar alguma capacidade de pressão sobre a Rússia (como o comando unificado das forças europeias ou a unificação das industrias militares).
            Por fim, a o própria China ainda hoje se manifestou no sentido de se mover para abafar a Coreia do Norte, tendo o próprio Trump dito que está disposto a trabalhar com a China contra a Coreia do Norte, esta é a mesma China que vê que apesar de possui uma enorme frota, esta ainda não possui as capacidades tecnológicas, doutrinais e números para conseguir controlar isoladamente os pontos do “String of Pearls” marítimo, e por isso precisa de mais tempo para reunir capacidades de o fazer, visto que as esmagadora maioria das matérias-primas chinesas provêm de outros continentes, sendo escoados destes por via marítima.
            Um confronto com a China aconteceria pelo controlo destes pontos, que quando controlados asfixiariam a China, que sem petróleo e outras matérias não poderia manter o seu esforço comercial e militar.
            Em suma, a Rússia começa a ser o foco dos EUA e o inimigo mais proeminente.
            A China que poderia ser o centro das pressões parece poder deixar de o ser (por enquanto) e a Rússia se quer ganhar mais tempo terá de negociar ou ir para a guerra, guerra essa que a Rússia não consegue ganhar, quer pelos números, quer pela capacidade de manter um esforço militar prolongado com tantos inimigos à sua volta.

            Assim Assad será moeda de troca por tempo e estabilidade na região, pelo menos por algum tempo.
            O objectivo estratégico a curto prazo é manter a Síria na sua esfera de influência, e como objectivo final chegar ás águas a Sul.
               Se as negociações forem bem feitas Assad não tem que necessariamente fazer parte disto.


sábado, 8 de abril de 2017

Realism is the new black II ( de volta aos conceitos como eles são)

Confesso estar profundamente preocupado com a presidência de Donald Trump depois do que se passou ontem. Acreditei que ele poderia alterar a política externa dos EUA para melhor e por isso lhe dei o meu apoio incondicional, isto porque as suas abordagens proteccionistas não me dizem absolutamente nada. Derrotar Hillary era absolutamente fundamental para alterar a ordem “demo-lib” pro-war que (ainda) infesta a elite política e económica norte – americana e que adora “exportar democracia e mercados pela força de bombas”. Não é o que estou a constatar. O problema da economia americana é um problema doméstico. Será resolvido – ou não -  da forma que Trump achar melhor. Com proteccionismo? Seja. Ele é o líder, ele é que sabe.

Trump fez campanha contra a poderosa comunidade interna neo-con que é intervencionista em matéria de política externa dos Estados Unidos. Os seus membros incluem democratas e republicanos. O presidente acusou-os de produzirem “desastres intervencionistas uns atrás dos outros de enormes proporções” e prometeu "desenvolver uma nova direcção na política externa dos EUA”. Esta era precisamente a mensagem que muitos eleitores queriam ouvir e o presidente eleito tem a oportunidade de mudar a forma como os Estados Unidos violenta e coercivamente exercem o seu poder em todo o mundo.

Nas últimas três décadas os líderes americanos têm perseguido uma política de hegemonia e intervencionismo liberal, que exige que os Estados Unidos dominem o planeta inteiro. Esta estratégia pressupõe que todas as regiões do mundo são críticas para a segurança dos EUA (!!!!) e exige uma presença militar ampla dos EUA em quase todos os países que querem/precisam de protecção regional, isto para além de tentarem espalhar a democracia por toda a parte. Na prática, esse objectivo significa derrubar regimes e depois fazer a reconstrução da nação destruída. Não admira portanto que, com esta estratégia, os Estados Unidos tenham estado em guerra todos os anos desde que a Guerra Fria terminou.

A proposta de hegemonia demo-lib e neo-con é uma estratégia falhada com enormes custos para o Mundo e para os EUA. Os Estados Unidos têm feito o possível e o impossível para derrubar regimes e promover a democracia como fizeram no Afeganistão, Egipto, Iraque, Líbia, Síria e Iémene. Cada tentativa tem sido um fracasso absoluto, pois a guerra nesses países está ao rubro, excepto no Egipto, que é uma ditadura militar tenebrosa. Estas acções militares nada fizeram para mitigar o grande desafio que é o terrorismo. A Al Qaeda transformou-se multiplicou-se e deu origem a múltiplos grupelhos dos quais o Daesh é só o mais bem-sucedido de todos, sendo em grande parte uma consequência da invasão e ocupação dos EUA do Iraque.

Os Estados Unidos, na Europa e após a queda do muro de Berlim, tentaram integrar a Geórgia e a Ucrânia no Ocidente, com o apoio da União Europeia, precipitando uma crise desnecessária com a Rússia, o que perturbou a paz na Europa Oriental e dificultou a cooperação entre Moscovo e Washington em múltiplos assuntos como por exemplo a paz na Síria e no médio oriente em geral.

A difusão da democracia, especialmente pela força, fracassa sempre. O que temos visto são bombas e esforços de engenharia social em sociedades que os americanos – do alto da sua presunção – ignoram profundamente. Desmantelar e, em seguida, substituir as elites e instituições políticas existentes cria, inevitavelmente, vencedores e vencidos e estes últimos, humilhados por estrangeiros, têm a “terrível mania” de pegar em armas quando estão na oposição, o que obriga os militares dos EUA e da NATO a travarem custosas campanhas de contra-insurgência que são extremamente difíceis de vencer. O resultado final é precisamente o tipo de pântano sangrento que encontramos no Afeganistão, na Líbia e no Iraque.

Recuperemos então os princípios realistas e neo-realistas de Carr, Morgenthau, Waltz, Gilpin, Layne ou Mearsheymer.

Trump deve abandonar o liberal interventionism que era tão grato a Obama e Hillary e adoptar uma política externa mais realista. O realismo preocupa-se principalmente com a posição da América no equilíbrio global de poder, e recusa a realização de acções de engenharia social dentro de outros países. Em vez disto, Washington deveria respeitar a soberania dos outros Estados, quaisquer que sejam e qualquer que seja o tipo de regime que tenham, mesmo quando discordasse das suas políticas internas. Os americanos valorizam a sua própria soberania, razão pela qual estão tão perturbados com a ideia de que a Rússia possa ter interferido nas eleições presidenciais. O governo dos Estados Unidos deve tratar os outros países de acordo com o mesmo padrão que quer que o tratem a si e respeitar a sua soberania.

Em vez de tentar espalhar a democracia pelo mundo como quem semeia trigo, o governo de Trump deve concentrar-se na manutenção do equilíbrio de poder nas três regiões vitais para a segurança dos EUA: a Europa, a Ásia Oriental e o Golfo Pérsico.

O Leste Asiático e a Europa são importantes porque são os principais centros de riqueza e são as outras grandes potências do mundo. O Golfo Pérsico tem um interesse estratégico central, porque produz cerca de 30 % do petróleo do mundo, que é um recurso crítico para o funcionamento da economia global. O principal objectivo da América em cada uma dessas regiões deve ser evitar a ascensão de uma hegemonia regional.

Nenhum país é forte o suficiente para dominar a Europa ou o Golfo num futuro próximo. O poder da Alemanha irá diminuir ao longo do tempo, principalmente devido à sua diminuição da população e a sua vocação militar ofensiva que é, desde as guerras, praticamente inexistente. A Rússia tem problemas demográficos semelhantes e uma economia que é muito dependente das receitas de gás e petróleo. Mesmo que a Rússia modernize a sua economia e sua população cresça nos próximos anos, será incapaz de projectar poder militar significativo para além da Europa Oriental não desafiando a Europa no seu todo. Assim, Trump, deverá continuar a encorajar os Europeus a assumirem a responsabilidade pela sua própria segurança, reduzindo gradualmente as tropas dos EUA na Europa e o seu investimento na NATO, que necessariamente tem de se repensar como estrutura de defesa.

Trump também deve fazer um esforço concertado para melhorar as relações com a Rússia, que, como já disse, não é uma ameaça séria para os interesses americanos. Na verdade, os dois países devem ser aliados, pois têm um interesse comum em combater o terrorismo, pondo fim ao conflito sírio e gerindo o Irão e a Turquia. Mais importante, os Estados Unidos precisam da Rússia para ajudar a conter uma China em ascensão mundial. Dada a história da concorrência entre a Rússia e a China, e a longa fronteira que partilham, Moscovo provavelmente estará disponível a falar sobre o assunto, assim Washington abandone a política externa equivocada que empurrou Putin para os braços de Xi Jinping. (continua)


sexta-feira, 7 de abril de 2017

Realism is the new black I (para uma defesa dos conceitos como eles são)

O realismo clássico tem nas suas convicções centrais a certeza que a natureza humana não é benigna, mas sim egoísta e competitiva. Esta é a forma de se estar adequadamente preparado para lidar com a sobrevivência de si próprio e com a inata ambição de supremacia sobre o outro.

É neste contexto que, segundo os realistas, na política internacional o conflito é inevitável e até mesmo necessário. A vontade de poder, o animus dominandi, está no dna do ser humano e guia a condição humana. Para os realistas a segurança e o interesse nacional são centrais em vez das preocupações morais, ideológicas e as reconstruções sociais tão gratas aos liberais.

Os nossos conceitos morais, os nossos valores, fazem com que nos perturbe a forma como o Mundo se nos apresenta. Muitas vezes recusamos o que vemos e nasce em nós a vontade de mudar. Mas o Mundo não é o que nos queremos que seja, mas sim o que friamente se nos apresenta como resultado da acção e interacção de muitos milhões de homens. O que de mais distintivo tem um realista é essa certeza de que ele vê o mundo da forma como ele realmente é desvinculado de princípios morais ou de idealistas utopias.

Neste contexto, os estados têm idêntico comportamento aos seus líderes, eles são o reflexo dos seus comportamentos de procura de poder. De Tucidides a Morgenthau, a continuidade de procura de poder pelos estados está enraizada na biologia de sobrevivência da espécie humana.

Para os realistas quando a diplomacia falha e as disputas não conseguem ser sanadas pela persuasão, a força e a guerra resolverão as questões. Estas são as formas absolutas de resolução das questões entre estados. A ordem existente é precária no sistema internacional função do equilíbrio de poder que se estabelece entre estas entidades.

Um dos elementos teóricos base do realismo é a centralidade do Estado. De fato, os estados e as relações inter-estatais constituem a própria definição do sujeito. As características centrais do estado moderno são que ele tem um território definido e um governo que é investido com autoridade soberana e exerce poder sobre um povo, tendo o reconhecimento dos seus pares sobre o poder que exerce nesse território e no direito de exercer soberania sobre o seu povo.

Todas as obras de autores realistas dão um destaque central a Anarquia do sistema, ou seja, à constatação que não há no ambiente internacional uma autoridade suprema acima dos Estados. Isto não quer dizer que seja caótico ou desordenado, Para eles, o cenário internacional é uma transposição do estado de natureza de Hobbes, onde há vários estados e cada um é unicamente responsável por sua própria sobrevivência. O cenário anárquico é caracterizado por um ambiente altamente competitivo, onde há enorme desconfiança e em que todos visam a sobrevivência que só pode ser atingida à custa dos outros.

O desejo de domínio e a sobrevivência são os maiores desejos de qualquer estado e estes desejos derivam também do conceito de anarquia que vigora no sistema internacional, onde a ausência de um governo mundial deixa cada um a mercê das vontades de poder dos outros.

Em síntese, a incerteza sobre as intenções do “nosso vizinho” num mundo de estados em regime de auto-ajuda, faz com que acumulemos poder para estarmos o melhor preparado possível em caso de sermos atacados. Esse acumular de meios é também um forte dissuasor de acção ofensiva do outro estado.

Como percebemos na frase acima, se há um conceito de extrema importância para os realistas – e para as relações internacionais como disciplina - é o do Poder. Citando Morgenthau “…A política internacional, como toda política, consiste em uma luta pelo poder. Sejam quais forem os fins da política internacional, o poder constitui sempre o objectivo imediato. Os povos e os políticos podem buscar, como fim último, liberdade, segurança, prosperidade ou o poder em si mesmo. Eles podem definir seus objectivos em termos de um ideal religioso, filosófico, económico ou social. Podem desejar que esse ideal se materialize, quer em virtude de sua força interna, quer graças à intervenção divina ou como resultado natural do desenvolvimento dos negócios humanos. Podem ainda tentar facilitar sua realização mediante o recurso a meios não políticos, tais como cooperação técnica com outras nações ou organismos internacionais. Contudo, sempre que buscarem realizar o seu objectivo por meio da política internacional, eles estarão lutando por poder (...) ao falarmos de poder, queremos dizer o controlo do homem sobre as mentes e acções de outros homens. Por poder político, referimo-nos às relações mútuas de controlo entre os titulares de autoridade pública e entre os últimos e o povo de modo geral”. MORGENTHAU, Hans. (2003) A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 

Como já referi acima, eles vêem também o poder como um jogo de soma zero; os indivíduos, como os estados, têm poder à custa dos outros. Mesmo quando cooperam, os estados estão mais preocupados com “quem ganha mais” do que com o “iremos ambos ganhar”, pois qualquer desequilíbrio no ganho dá ao outro mais poder e logo maiores vantagens num mundo competitivo. 

Tradicionalmente os realistas vêem a capacidade militar como a essência do poder em detrimento do poder político, pois a capacidade de agir militarmente dá aos estados a capacidade de, de forma pragmática, repelir os ataques contra si ou atacar o outro e, portanto, de garantir a sua segurança. Os realistas assumiram que é a capacidade militar que conta como definidor máximo de poder, algo que será recusado pêlos idealistas liberais.

Num mundo formado por estados independentes, a força tem sido considerada como o árbitro supremo na solução das diferenças que ocorrem entre eles. Daqui resulta que o potencial de capacidade militar e, por conseguinte, o poder, depende de uma série de factores, tais como o tamanho da população, a abundância de recursos naturais, bem como os factores geográficos e o tipo de governo de um estado.

O poder constitui assim um fim em si mesmo na medida em que impede ataques à sua sobrevivência e permite atacar outros estados para que alcance a hegemonia suprema, objectivo ultimo de qualquer estado. (MEARSHEIMER, John (2001), The Tragedy of Great Power Politics, New York: W. W. Norton, pp 555.)

O realismo pressupõe que, tanto no plano nacional como internacional, todas as acções políticas sejam para a conquista do poder. Na perspectiva internacional, os instrumentos primários são estados, que se esforçam por maximizar seu poder. No campo doméstico são os governantes que se esforçam para maximizar o seu domínio.

O realismo estrutural é desenvolvido a partir do realismo clássico. Para os realistas estruturais, também nomeados como neo-realistas, o sistema político internacional é tal como para o realismo clássico uma luta pelo poder. A grande distinção é que estes não atribuem esse facto à biológica condição humana egoísta e belicista, mas sim a estrutura do próprio sistema internacional, isto é, a procura de poder não está “hard wired” no ser humano como referiu Mearsheimer, mas constituiu sim uma reacção a um sistema onde vigora a auto-ajuda derivada da anarquia.

Esta nova abordagem teórica afasta-se do pensamento realista clássico, para quem o Estado é impelido para a luta pelo poder pelo animus dominandi que existe no homem e centra a sua atenção para a natureza anárquica e competitiva do sistema internacional. Kenneth Waltz, grande responsável por esta teoria, enfoca nos estados como unidades atomizadas e salienta a estrutura – por eles criada como externalidade - onde estes interagem de maneira anárquica e conflituosa, como ferramenta para o estudo e compreensão das grandes linhas das relações internacionais. 

Dêem por isso as boas vindas ao regresso do Realismo. Ele está entre nós. (Continua)




Assad, Erdogan e Putin: O novo triângulo das Bermudas.

Os ataques por parte de forças americanas sobre uma base aérea Síria está a disputar imensa controvérsia na comunidade internacional.
Putin foi o primeiro a vir a público a condenar o ataque americano à Síria, e obviamente também Assad condenou o ataque. A Turquia no entanto veio a público defender o ataque americano.      

Isto denota as fraquezas que existem no flanco Sul russo. Não se pode esquecer que o Cáucaso é a entrada da Rússia no Médio Oriente, e a Síria é a sua ‘cabeça de praia’ actuando como uma zona tampão entre o Estado russo e as ameaças mais directas (DAESH) do Médio Oriente.

A Síria serve assim de profundidade estratégica para a Rússia, algo perdido com a queda da URSS.

O problema da Rússia nos últimos anos tem sido no entanto a Turquia. A Turquia é para todos os teóricos geopolíticos russos um inimigo, de tal modo que em 2004 Alexander Dugin - o homem que é tido como cabecilha da política externa russa no Médio Oriente – afirmava que a Turquia tinha de ser desmantelada com base a apoios a grupos subversivos dentro da Turquia, movimentos estes apoiados pela Rússia.

Mas a sua visão tem vindo a mudar nos últimos 10/12 anos, visto que o próprio Alexander Dugin tem vindo a organizar viagens de diplomatas turcos à Rússia, mas isto também tem de ser metido em contexto, visto que, os únicos estados para além do estado russo que dá ouvidos e decide perceber Dugin é o Estado da Turquia, Irão e EUA, como tal um Presidente como é Erdogan que toma o poder quase total para si, impossibilita em muito esse apoio a movimentos subversivos dentro da Turquia, e visto que não se pode desfazer a Turquia, tem que se viver com ela.

A Turquia apesar de ter visto no seu território a morte de um diplomata russo e de ter recebido um perdão russo pelo facto da Rússia precisar desta (por não a conseguir dividir e destruir) continua a ser 

Esta unidade singular está na NATO, e possui uma das maiores industrias de Defesa/Guerra do mundo (depois de um investimento e política a 30 anos), que lhe possibilita fornecer os meios necessários para combater uma guerra no seu contexto, mas ainda mais importante, tem a capacidade para manter isoladamente essa guerra por um período de tempo suficiente para desequilibrar toda a zona onde consegue actuar.

Assim a Turquia desenvolve capacidades e vontade de fazer actuar essas capacidades em contextos específicos, portanto tendo força e vontade tem também poder.

Este poder turco é a sua defesa, e estando defendida, a Turquia pode perseguir os seus ódios, e um dos seus grandes ódios é a Síria, esta que como já dito é a grande amiga russa na região.

A Síria tem vindo a sofrer ataques por parte da Turquia nos últimos anos, sendo que estes ataques apenas abrandaram devido a pressões russas, visto que a Rússia precisa de estabilidade no seu flanco Sul.

Deste modo vê-se que mesmo existindo uma Turquia amiga da Rússia, esta quer manter para si espaço de manobra estratégica visto que a Turquia tem ainda como objectivo o fim da Síria.

Mas outro ponto que tem de ser tido em conta são os avisos americanos.

Os EUA avisaram a Rússia e outros sobre os ataques de modo a que a Rússia retirasse as suas forças de perto do local de impacto, e mesmo sendo muito cedo para saber se a Rússia deliberadamente suprimiu essa informação da sua aliada ou se Assad deixou que este ataque apanhasse a base aérea desprevenida de propósito para provocar alguma reacção.

No entanto mantém-se o paradigma da Rússia ter sido avisada, isto demonstra que animosidade americana não tem como alvo a Rússia, e como já dito, Assad é para a Rússia, em ultimo caso, uma moeda de troca. Assim sendo este triângulo geográfico e político demonstra ter a capacidade de realizar eventos que possuem explicações que escapam à esmagadora maioria, mesmo aos especialistas.
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A Rússia precisa de manter o estreito dos Bósforo como um estreito amigável, visto que possui o canal do Suez nas mãos de um outro amigo, o Egipto.

 Estes dois pontos são chave para a saída da Rússia para o Indico, um local que o próprio Alexander Dugin tem vindo a dizer que é um dos grandes objectivos russos.

 Deste modo o triângulo Assad, Erdogan, Putin tem de ser gerido muito bem pelo último, sendo que a lógica do Presidente Trump é de acção assertiva e por isso Putin tem duas hipóteses.

A primeira hipótese é a de se manter fiel a Assad, como já fez anteriormente, mas vê-se assim frente a frente com uma América que já demonstrou não recuar, possuindo no seu flanco Sul dois Estados que não se conseguem entender e por isso são instáveis, para além de que a Turquia é um país NATO e assim sendo um redireccionamento de maior inclusão nesta e com os EUA nunca está fora da mesa.

A Segunda hipótese de Putin é manter Assad em cima da mesa, mantendo este no poder até conseguir arranjar um sucessor que permita a Putin reorganizar a geografia política da zona a seu favor de maneira a manter os EUA e a NATO fora do Médio Oriente, algo que tem vindo a conseguir. No final ninguém faz futurologia, e apenas se pode trabalhar com o que se tem.

Tal como no Triângulo das Bermudas em que muito acontece sem explicação e sem ter qualquer razão aparente, também nesta zona se tem vindo a desenvolver (com os últimos eventos como catalisador) um paradigma de grande incerteza.

Nunca se deve esquecer que as inimizades russas e turcas tem vários séculos, e tal como a Rússia tem memória histórica, também a Turquia o tem, e Assad até á intervenção efectiva russa estava á beira de ser deposto.

Temos que ser realistas. Assad está no poder porque assim o convém a Putin. Se Putin achar que Assad não lhe serve mais, então poderá retirar Assad, indo ao encontro do que a Turquia e os EUA desejam.

Com os EUA sem desculpa imediata ou directa para actuar Putin consegue manter a sua hegemonia na região, assegurando matérias-primas e linhas de comércio, conseguindo também um apaziguar da Turquia e por sua vez uma passagem pelo Bósforo segura e garantida.

No entanto tudo pode acontecer.