quinta-feira, 13 de abril de 2017

A Coreia do Norte não é a Síria; ou como a Geografia ainda dita as regras do jogo

Tornou-se popular a análise que o ataque de mísseis dos EUA na sexta-feira a uma base aérea síria constitui um aviso directo a Bashar Al Assad, Vladimir Putin e também a Kim Jong-un. Aos próximos testes nucleares da Coreia do Norte, Trump poderia agir emconformidade.

Não me parece que está seja a decisão mais inteligente porque a Coreia do Norte não é a Síria. E isto nada tem a ver com as personalidades de Kim e Assad mas sim, pelo contexto de poder militar e geográfico da região. A diplomacia será aqui a solução.

Se Damasco ainda conta com misseis e aviões russos para defender seu espaço aéreo, já a Coreia do Norte não tem qualquer hipótese de combater os ataques aéreos dos EUA dadas as conhecidas debilidades militares dos seus radares, dos seus mísseis anti-aéreos e dos seus caças.

Claro que pode contar com a China, que tem sido essencial para a sobrevivência de Pyongyang, mas o facto é que a China nem sempre tem estado satisfeita com um aliado que ameaça permanentemente o Japão, a Coreia do Sul e bases dos EUA no Pacífico, instabilizando uma região muito para além da vontade de Xi Jiping. Esta instabilidade é uma das responsáveis pelo exponencial investimento militar nesta região e pela continuada presença das forças americanas. À China não lhe interessa nada isto.

Tudo indica que os mísseis norte-coreanos conseguem atingir alvos até 10000 km de distância e são, portanto, capazes de atingir o território norte-americano como é o caso do Havaí ou mesmo da California. Se um desses dispositivos escapar a um ataque preventivo americano, Kim Jong-un teria capacidade para atacar os EUA com uma arma atómica.

É certo que todos os arsenais nucleares têm como objectivo a dissuasão e não o ataque e Pyongyang acelerou dramaticamente nos últimos anos o seu próprio programa nuclear para dissuadir EUA de a atacar, ameaçando com retaliações devastadoras, não só a estes mas também os seus inimigos regionais e Kim tem feito variados testes nucleares apresentados como acções de sucesso.

Mesmo admitindo que um primeiro ataque dos EUA é capaz de neutralizar todo o arsenal de mísseis nucleares-terrestre - mesmo os moveis - acredito que outros mísseis balísticos poderão ser enviados a partir de alguns dos setenta submarinos da marinha da Coreia do Norte.

O problema central chama-se Seul. Será impossível, dada a sua distância, impedir Kim Jong-un de desencadear retaliações contra a cidade de Seul usando armas químicas . 

A capital sul-coreana situa-se a algumas dezenas de quilómetros da fronteira do paralelo 38 e é vulnerável a artilharia norte-coreana que se localiza ao longo da fronteira em posições escavadas nas rochas o que torna muito difícil de detectar e atacar pelo ar.

Não quero aceitar o que aconteceria a Seul, habitada por 11 milhões de pessoas, se fosse alvo de centenas de ataques químicos enviados em desespero final pelas forças da Coreia do Norte.

Mesmo a mobilização rápida de todos os sistemas de defesa de mísseis em prontidão  na região e presentes na Coreia do Sul e no Japão, bem como dos navios da 7º frota, seriam incapazes de interceptar os muitos mísseis balísticos enviados sendo impossível proteger Seul de um ataque químico realizado do outro lado da fronteira.

Os custos de uma opção militar são no meu entender inaceitáveis. Como potência regional que é, apenas a China pode "desarmar" a Coreia do Norte. Assim, Trump deve ponderar muito bem os riscos de aventuras militares "punitivas" contra Pyongyang não só pelas possíveis reacções de Pequim, mas especialmente pelos arsenais atómicos e químicos de Kim Jong-un que causariam imenso dano à Coreia do Sul. Tenho a certeza que isto terá sido falado entre ambos num recente jantar.


Sem comentários:

Enviar um comentário