sexta-feira, 7 de abril de 2017

Realism is the new black I (para uma defesa dos conceitos como eles são)

O realismo clássico tem nas suas convicções centrais a certeza que a natureza humana não é benigna, mas sim egoísta e competitiva. Esta é a forma de se estar adequadamente preparado para lidar com a sobrevivência de si próprio e com a inata ambição de supremacia sobre o outro.

É neste contexto que, segundo os realistas, na política internacional o conflito é inevitável e até mesmo necessário. A vontade de poder, o animus dominandi, está no dna do ser humano e guia a condição humana. Para os realistas a segurança e o interesse nacional são centrais em vez das preocupações morais, ideológicas e as reconstruções sociais tão gratas aos liberais.

Os nossos conceitos morais, os nossos valores, fazem com que nos perturbe a forma como o Mundo se nos apresenta. Muitas vezes recusamos o que vemos e nasce em nós a vontade de mudar. Mas o Mundo não é o que nos queremos que seja, mas sim o que friamente se nos apresenta como resultado da acção e interacção de muitos milhões de homens. O que de mais distintivo tem um realista é essa certeza de que ele vê o mundo da forma como ele realmente é desvinculado de princípios morais ou de idealistas utopias.

Neste contexto, os estados têm idêntico comportamento aos seus líderes, eles são o reflexo dos seus comportamentos de procura de poder. De Tucidides a Morgenthau, a continuidade de procura de poder pelos estados está enraizada na biologia de sobrevivência da espécie humana.

Para os realistas quando a diplomacia falha e as disputas não conseguem ser sanadas pela persuasão, a força e a guerra resolverão as questões. Estas são as formas absolutas de resolução das questões entre estados. A ordem existente é precária no sistema internacional função do equilíbrio de poder que se estabelece entre estas entidades.

Um dos elementos teóricos base do realismo é a centralidade do Estado. De fato, os estados e as relações inter-estatais constituem a própria definição do sujeito. As características centrais do estado moderno são que ele tem um território definido e um governo que é investido com autoridade soberana e exerce poder sobre um povo, tendo o reconhecimento dos seus pares sobre o poder que exerce nesse território e no direito de exercer soberania sobre o seu povo.

Todas as obras de autores realistas dão um destaque central a Anarquia do sistema, ou seja, à constatação que não há no ambiente internacional uma autoridade suprema acima dos Estados. Isto não quer dizer que seja caótico ou desordenado, Para eles, o cenário internacional é uma transposição do estado de natureza de Hobbes, onde há vários estados e cada um é unicamente responsável por sua própria sobrevivência. O cenário anárquico é caracterizado por um ambiente altamente competitivo, onde há enorme desconfiança e em que todos visam a sobrevivência que só pode ser atingida à custa dos outros.

O desejo de domínio e a sobrevivência são os maiores desejos de qualquer estado e estes desejos derivam também do conceito de anarquia que vigora no sistema internacional, onde a ausência de um governo mundial deixa cada um a mercê das vontades de poder dos outros.

Em síntese, a incerteza sobre as intenções do “nosso vizinho” num mundo de estados em regime de auto-ajuda, faz com que acumulemos poder para estarmos o melhor preparado possível em caso de sermos atacados. Esse acumular de meios é também um forte dissuasor de acção ofensiva do outro estado.

Como percebemos na frase acima, se há um conceito de extrema importância para os realistas – e para as relações internacionais como disciplina - é o do Poder. Citando Morgenthau “…A política internacional, como toda política, consiste em uma luta pelo poder. Sejam quais forem os fins da política internacional, o poder constitui sempre o objectivo imediato. Os povos e os políticos podem buscar, como fim último, liberdade, segurança, prosperidade ou o poder em si mesmo. Eles podem definir seus objectivos em termos de um ideal religioso, filosófico, económico ou social. Podem desejar que esse ideal se materialize, quer em virtude de sua força interna, quer graças à intervenção divina ou como resultado natural do desenvolvimento dos negócios humanos. Podem ainda tentar facilitar sua realização mediante o recurso a meios não políticos, tais como cooperação técnica com outras nações ou organismos internacionais. Contudo, sempre que buscarem realizar o seu objectivo por meio da política internacional, eles estarão lutando por poder (...) ao falarmos de poder, queremos dizer o controlo do homem sobre as mentes e acções de outros homens. Por poder político, referimo-nos às relações mútuas de controlo entre os titulares de autoridade pública e entre os últimos e o povo de modo geral”. MORGENTHAU, Hans. (2003) A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 

Como já referi acima, eles vêem também o poder como um jogo de soma zero; os indivíduos, como os estados, têm poder à custa dos outros. Mesmo quando cooperam, os estados estão mais preocupados com “quem ganha mais” do que com o “iremos ambos ganhar”, pois qualquer desequilíbrio no ganho dá ao outro mais poder e logo maiores vantagens num mundo competitivo. 

Tradicionalmente os realistas vêem a capacidade militar como a essência do poder em detrimento do poder político, pois a capacidade de agir militarmente dá aos estados a capacidade de, de forma pragmática, repelir os ataques contra si ou atacar o outro e, portanto, de garantir a sua segurança. Os realistas assumiram que é a capacidade militar que conta como definidor máximo de poder, algo que será recusado pêlos idealistas liberais.

Num mundo formado por estados independentes, a força tem sido considerada como o árbitro supremo na solução das diferenças que ocorrem entre eles. Daqui resulta que o potencial de capacidade militar e, por conseguinte, o poder, depende de uma série de factores, tais como o tamanho da população, a abundância de recursos naturais, bem como os factores geográficos e o tipo de governo de um estado.

O poder constitui assim um fim em si mesmo na medida em que impede ataques à sua sobrevivência e permite atacar outros estados para que alcance a hegemonia suprema, objectivo ultimo de qualquer estado. (MEARSHEIMER, John (2001), The Tragedy of Great Power Politics, New York: W. W. Norton, pp 555.)

O realismo pressupõe que, tanto no plano nacional como internacional, todas as acções políticas sejam para a conquista do poder. Na perspectiva internacional, os instrumentos primários são estados, que se esforçam por maximizar seu poder. No campo doméstico são os governantes que se esforçam para maximizar o seu domínio.

O realismo estrutural é desenvolvido a partir do realismo clássico. Para os realistas estruturais, também nomeados como neo-realistas, o sistema político internacional é tal como para o realismo clássico uma luta pelo poder. A grande distinção é que estes não atribuem esse facto à biológica condição humana egoísta e belicista, mas sim a estrutura do próprio sistema internacional, isto é, a procura de poder não está “hard wired” no ser humano como referiu Mearsheimer, mas constituiu sim uma reacção a um sistema onde vigora a auto-ajuda derivada da anarquia.

Esta nova abordagem teórica afasta-se do pensamento realista clássico, para quem o Estado é impelido para a luta pelo poder pelo animus dominandi que existe no homem e centra a sua atenção para a natureza anárquica e competitiva do sistema internacional. Kenneth Waltz, grande responsável por esta teoria, enfoca nos estados como unidades atomizadas e salienta a estrutura – por eles criada como externalidade - onde estes interagem de maneira anárquica e conflituosa, como ferramenta para o estudo e compreensão das grandes linhas das relações internacionais. 

Dêem por isso as boas vindas ao regresso do Realismo. Ele está entre nós. (Continua)




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