O realismo clássico tem nas suas convicções centrais a certeza que a natureza humana não é benigna,
mas sim egoísta e competitiva. Esta é a forma de se estar adequadamente preparado
para lidar com a sobrevivência de si próprio e com a inata ambição de
supremacia sobre o outro.
É neste contexto que, segundo os realistas, na política internacional o conflito é
inevitável e até mesmo necessário. A vontade de poder, o animus dominandi, está no dna do ser humano e guia a condição
humana. Para os realistas a
segurança e o interesse nacional são centrais em vez das preocupações morais,
ideológicas e as reconstruções sociais tão gratas aos liberais.
Os nossos conceitos morais, os nossos valores, fazem com
que nos perturbe a forma como o Mundo se nos apresenta. Muitas vezes recusamos
o que vemos e nasce em nós a vontade de mudar. Mas o Mundo não é o que nos
queremos que seja, mas sim o que friamente se nos apresenta como resultado da
acção e interacção de muitos milhões de homens. O que de mais distintivo tem um realista é essa certeza
de que ele vê o mundo da forma como ele realmente é desvinculado de princípios
morais ou de idealistas utopias.
Neste
contexto, os estados têm idêntico comportamento aos seus líderes, eles são o
reflexo dos seus comportamentos de procura de poder. De Tucidides a Morgenthau,
a continuidade de procura de poder pelos estados está enraizada na biologia de
sobrevivência da espécie humana.
Para os realistas quando a diplomacia falha e as disputas
não conseguem ser sanadas pela persuasão, a força e a guerra resolverão as
questões. Estas são as formas absolutas de resolução das questões entre estados.
A ordem existente é precária no sistema internacional função do equilíbrio de
poder que se estabelece entre estas entidades.
Um dos elementos teóricos
base do realismo é a centralidade do Estado. De fato, os estados e as relações inter-estatais constituem a
própria definição do sujeito. As características centrais do estado moderno são
que ele tem um território definido e um governo que é investido com autoridade
soberana e exerce poder sobre um povo, tendo o reconhecimento dos seus pares
sobre o poder que exerce nesse território e no direito de exercer soberania
sobre o seu povo.
Todas as
obras de autores realistas dão um destaque central a Anarquia do sistema, ou seja, à constatação que não há no ambiente
internacional uma autoridade suprema acima dos Estados. Isto não quer dizer que
seja caótico ou desordenado, Para eles, o cenário internacional é uma
transposição do estado de natureza de Hobbes, onde há vários estados e cada um
é unicamente responsável por sua própria sobrevivência. O cenário anárquico é
caracterizado por um ambiente altamente competitivo, onde há enorme
desconfiança e em que todos visam a sobrevivência que só pode ser atingida à
custa dos outros.
O desejo de
domínio e a sobrevivência são os maiores desejos de qualquer estado e estes
desejos derivam também do conceito de anarquia que vigora no sistema
internacional, onde a ausência de um governo mundial deixa cada um a mercê das
vontades de poder dos outros.
Em síntese, a incerteza sobre as intenções do “nosso
vizinho” num mundo de estados em regime de auto-ajuda, faz com que acumulemos
poder para estarmos o melhor preparado possível em caso de sermos atacados.
Esse acumular de meios é também um forte dissuasor de acção ofensiva do outro estado.
Como
percebemos na frase acima, se há um conceito de extrema importância para os
realistas – e para as relações internacionais como disciplina - é o do Poder. Citando Morgenthau “…A política
internacional, como toda política, consiste em uma luta pelo poder. Sejam quais
forem os fins da política internacional, o poder constitui sempre o objectivo
imediato. Os povos e os políticos podem buscar, como fim último, liberdade,
segurança, prosperidade ou o poder em si mesmo. Eles podem definir seus
objectivos em termos de um ideal religioso, filosófico, económico ou social.
Podem desejar que esse ideal se materialize, quer em virtude de sua força
interna, quer graças à intervenção divina ou como resultado natural do
desenvolvimento dos negócios humanos. Podem ainda tentar facilitar sua
realização mediante o recurso a meios não políticos, tais como cooperação
técnica com outras nações ou organismos internacionais. Contudo, sempre que
buscarem realizar o seu objectivo por meio da política internacional, eles
estarão lutando por poder (...) ao falarmos de poder, queremos dizer o controlo
do homem sobre as mentes e acções de outros homens. Por poder político,
referimo-nos às relações mútuas de controlo entre os titulares de autoridade
pública e entre os últimos e o povo de modo geral”. MORGENTHAU, Hans. (2003) A política entre as nações: a luta
pelo poder e pela paz. Brasília: Editora Universidade de Brasília.
Como já
referi acima, eles vêem também o poder como um jogo de soma zero; os
indivíduos, como os estados, têm poder à custa dos outros. Mesmo quando
cooperam, os estados estão mais preocupados com “quem ganha mais” do que com o
“iremos ambos ganhar”, pois qualquer desequilíbrio no ganho dá ao outro mais
poder e logo maiores vantagens num mundo competitivo.
Tradicionalmente
os realistas vêem a capacidade militar como a essência do poder em detrimento
do poder político, pois a capacidade de agir militarmente dá aos estados a
capacidade de, de forma pragmática, repelir os ataques contra si ou atacar o
outro e, portanto, de garantir a sua segurança. Os realistas assumiram que é a
capacidade militar que conta como definidor máximo de poder, algo que será
recusado pêlos idealistas liberais.
Num mundo
formado por estados independentes, a força tem sido considerada como o árbitro
supremo na solução das diferenças que ocorrem entre eles. Daqui resulta que o
potencial de capacidade militar e, por conseguinte, o poder, depende de uma
série de factores, tais como o tamanho da população, a abundância de recursos
naturais, bem como os factores geográficos e o tipo de governo de um estado.
O poder
constitui assim um fim em si mesmo na medida em que impede ataques à sua
sobrevivência e permite atacar outros estados para que alcance a hegemonia
suprema, objectivo ultimo de qualquer estado. ( MEARSHEIMER,
John (2001), The Tragedy of Great Power Politics, New York: W. W. Norton, pp
555.)
O realismo pressupõe que, tanto no plano nacional como
internacional, todas as acções políticas sejam para a conquista do poder. Na
perspectiva internacional, os instrumentos primários são estados, que se
esforçam por maximizar seu poder. No campo doméstico são os governantes que se
esforçam para maximizar o seu domínio.
O realismo estrutural é desenvolvido a partir do realismo
clássico. Para os realistas estruturais, também nomeados como neo-realistas, o
sistema político internacional é tal como para o realismo clássico uma luta
pelo poder. A grande distinção é que estes não atribuem esse facto à biológica
condição humana egoísta e belicista, mas sim a estrutura do próprio sistema
internacional, isto é, a procura de poder não está “hard wired” no ser humano
como referiu Mearsheimer, mas constituiu sim uma reacção a um sistema
onde vigora a auto-ajuda derivada da anarquia.
Dêem por isso as boas vindas ao regresso do Realismo. Ele está entre nós. (Continua)
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