sábado, 8 de abril de 2017

Realism is the new black II ( de volta aos conceitos como eles são)

Confesso estar profundamente preocupado com a presidência de Donald Trump depois do que se passou ontem. Acreditei que ele poderia alterar a política externa dos EUA para melhor e por isso lhe dei o meu apoio incondicional, isto porque as suas abordagens proteccionistas não me dizem absolutamente nada. Derrotar Hillary era absolutamente fundamental para alterar a ordem “demo-lib” pro-war que (ainda) infesta a elite política e económica norte – americana e que adora “exportar democracia e mercados pela força de bombas”. Não é o que estou a constatar. O problema da economia americana é um problema doméstico. Será resolvido – ou não -  da forma que Trump achar melhor. Com proteccionismo? Seja. Ele é o líder, ele é que sabe.

Trump fez campanha contra a poderosa comunidade interna neo-con que é intervencionista em matéria de política externa dos Estados Unidos. Os seus membros incluem democratas e republicanos. O presidente acusou-os de produzirem “desastres intervencionistas uns atrás dos outros de enormes proporções” e prometeu "desenvolver uma nova direcção na política externa dos EUA”. Esta era precisamente a mensagem que muitos eleitores queriam ouvir e o presidente eleito tem a oportunidade de mudar a forma como os Estados Unidos violenta e coercivamente exercem o seu poder em todo o mundo.

Nas últimas três décadas os líderes americanos têm perseguido uma política de hegemonia e intervencionismo liberal, que exige que os Estados Unidos dominem o planeta inteiro. Esta estratégia pressupõe que todas as regiões do mundo são críticas para a segurança dos EUA (!!!!) e exige uma presença militar ampla dos EUA em quase todos os países que querem/precisam de protecção regional, isto para além de tentarem espalhar a democracia por toda a parte. Na prática, esse objectivo significa derrubar regimes e depois fazer a reconstrução da nação destruída. Não admira portanto que, com esta estratégia, os Estados Unidos tenham estado em guerra todos os anos desde que a Guerra Fria terminou.

A proposta de hegemonia demo-lib e neo-con é uma estratégia falhada com enormes custos para o Mundo e para os EUA. Os Estados Unidos têm feito o possível e o impossível para derrubar regimes e promover a democracia como fizeram no Afeganistão, Egipto, Iraque, Líbia, Síria e Iémene. Cada tentativa tem sido um fracasso absoluto, pois a guerra nesses países está ao rubro, excepto no Egipto, que é uma ditadura militar tenebrosa. Estas acções militares nada fizeram para mitigar o grande desafio que é o terrorismo. A Al Qaeda transformou-se multiplicou-se e deu origem a múltiplos grupelhos dos quais o Daesh é só o mais bem-sucedido de todos, sendo em grande parte uma consequência da invasão e ocupação dos EUA do Iraque.

Os Estados Unidos, na Europa e após a queda do muro de Berlim, tentaram integrar a Geórgia e a Ucrânia no Ocidente, com o apoio da União Europeia, precipitando uma crise desnecessária com a Rússia, o que perturbou a paz na Europa Oriental e dificultou a cooperação entre Moscovo e Washington em múltiplos assuntos como por exemplo a paz na Síria e no médio oriente em geral.

A difusão da democracia, especialmente pela força, fracassa sempre. O que temos visto são bombas e esforços de engenharia social em sociedades que os americanos – do alto da sua presunção – ignoram profundamente. Desmantelar e, em seguida, substituir as elites e instituições políticas existentes cria, inevitavelmente, vencedores e vencidos e estes últimos, humilhados por estrangeiros, têm a “terrível mania” de pegar em armas quando estão na oposição, o que obriga os militares dos EUA e da NATO a travarem custosas campanhas de contra-insurgência que são extremamente difíceis de vencer. O resultado final é precisamente o tipo de pântano sangrento que encontramos no Afeganistão, na Líbia e no Iraque.

Recuperemos então os princípios realistas e neo-realistas de Carr, Morgenthau, Waltz, Gilpin, Layne ou Mearsheymer.

Trump deve abandonar o liberal interventionism que era tão grato a Obama e Hillary e adoptar uma política externa mais realista. O realismo preocupa-se principalmente com a posição da América no equilíbrio global de poder, e recusa a realização de acções de engenharia social dentro de outros países. Em vez disto, Washington deveria respeitar a soberania dos outros Estados, quaisquer que sejam e qualquer que seja o tipo de regime que tenham, mesmo quando discordasse das suas políticas internas. Os americanos valorizam a sua própria soberania, razão pela qual estão tão perturbados com a ideia de que a Rússia possa ter interferido nas eleições presidenciais. O governo dos Estados Unidos deve tratar os outros países de acordo com o mesmo padrão que quer que o tratem a si e respeitar a sua soberania.

Em vez de tentar espalhar a democracia pelo mundo como quem semeia trigo, o governo de Trump deve concentrar-se na manutenção do equilíbrio de poder nas três regiões vitais para a segurança dos EUA: a Europa, a Ásia Oriental e o Golfo Pérsico.

O Leste Asiático e a Europa são importantes porque são os principais centros de riqueza e são as outras grandes potências do mundo. O Golfo Pérsico tem um interesse estratégico central, porque produz cerca de 30 % do petróleo do mundo, que é um recurso crítico para o funcionamento da economia global. O principal objectivo da América em cada uma dessas regiões deve ser evitar a ascensão de uma hegemonia regional.

Nenhum país é forte o suficiente para dominar a Europa ou o Golfo num futuro próximo. O poder da Alemanha irá diminuir ao longo do tempo, principalmente devido à sua diminuição da população e a sua vocação militar ofensiva que é, desde as guerras, praticamente inexistente. A Rússia tem problemas demográficos semelhantes e uma economia que é muito dependente das receitas de gás e petróleo. Mesmo que a Rússia modernize a sua economia e sua população cresça nos próximos anos, será incapaz de projectar poder militar significativo para além da Europa Oriental não desafiando a Europa no seu todo. Assim, Trump, deverá continuar a encorajar os Europeus a assumirem a responsabilidade pela sua própria segurança, reduzindo gradualmente as tropas dos EUA na Europa e o seu investimento na NATO, que necessariamente tem de se repensar como estrutura de defesa.

Trump também deve fazer um esforço concertado para melhorar as relações com a Rússia, que, como já disse, não é uma ameaça séria para os interesses americanos. Na verdade, os dois países devem ser aliados, pois têm um interesse comum em combater o terrorismo, pondo fim ao conflito sírio e gerindo o Irão e a Turquia. Mais importante, os Estados Unidos precisam da Rússia para ajudar a conter uma China em ascensão mundial. Dada a história da concorrência entre a Rússia e a China, e a longa fronteira que partilham, Moscovo provavelmente estará disponível a falar sobre o assunto, assim Washington abandone a política externa equivocada que empurrou Putin para os braços de Xi Jinping. (continua)


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